Depois de mais de duas décadas de exploração da Bacia de Campos e dezenas de empreendimentos instalados sem licenciamento, Petrobras e Ibama firmaram em 2004 um termo de ajustamento de conduta (TAC) que previa, entre outras exigências, o Projeto de Caracterização Ambiental (PCA) da bacia. Concluído recentemente, o diagnóstico ambiental – o primeiro de uma bacia petrolífera feito no país – promete facilitar o licenciamento de empreendimentos.
O trabalho resultou em uma ampla base de dados, cobrindo 100 mil km2, que servirá de parâmetro tanto para a elaboração dos projetos da companhia como para a avaliação do Ibama. “Precisávamos gerar uma base ambiental confiável, tanto para uso próprio como para dar conforto ao órgão ambiental na análise de um novo empreendimento da empresa”, explica Ana Paula Falcão, bióloga da Petrobras.
O PCA de Campos engloba uma área que vai de Arraial do Cabo até o sul do Espírito Santo e avança da linha da costa até 300 km mar adentro, incluindo uma parte de pré-sal. O trabalho durou três anos, sendo um de coleta e dois de processamento dos dados. Foram coletadas 100 mil amostras, que resultaram na identificação de 3,5 mil espécies da fauna e da flora marinhas, entre outros registros. Apenas em um laboratório foram feitas 20 mil análises.
O acervo inclui dados de morfologia e tipos de sedimentos depositados no fundo do mar, que alcança 3 mil m de profundidade em alguns trechos; geologia de subsuperfície; fluxos das correntes marinhas; perfil das massas d’água; presença de contaminantes como metais pesados; um inventário de biodiversidade na região, distribuído geograficamente; e fluxo migratório de espécies.
Participaram da elaboração do PCA 20 universidades e 250 pessoas, de técnicos de laboratório a pesquisadores com doutorado, além de empresas de consultoria, coleta e processamento de dados. Os próximos PCAs programados pela Petrobras são os das bacias do Espírito Santo e Sergipe-Alagoas.
Relatório de 3 mil páginas
O trabalho gerou um relatório preliminar com 56 capítulos e 3 mil páginas, que já foi entregue ao Ibama. Em uma segunda fase do PCA, está prevista a publicação de todos esses capítulos em uma coleção de dez livros.
Junto com a publicação, o órgão ambiental recebeu um sistema de informação geográfico, no qual os dados foram simplificados e espacializados em mapas dinâmicos para facilitar a consulta de seus técnicos. Com isso será possível, por exemplo, localizar onde se concentram os mamíferos aquáticos de Campos. No futuro, o material será disponibilizado na página do MMA para consulta pública.
Com a base de dados instalada, o Ibama passa a ter um diagnóstico estruturado de toda a bacia, em lugar de informações fragmentadas, compiladas de cada estudo apresentado. Muitas vezes essas informações eram recortes de estudos anteriores da bacia, que podiam causar duplicidade de entendimento. Nesse caso, o diagnóstico, que representa um terço do EIA-Rima, precisava ser refeito. Ao eliminar esse risco, porém, o analista pode se concentrar no licenciamento, agilizando o processo.
Para Ana Paula, o benefício ultrapassa o setor de óleo e gás. “O objetivo não foi apenas atender a um compromisso, mas produzir um trabalho relevante no contexto nacional, que venha facilitar o licenciamento em outras atividades”, afirma a bióloga.
O gerente de Avaliação e Monitoramento Ambiental da Petrobras, Eduardo Platte, ressalta a confiabilidade da informação. “O fato de ter nascido de negociações com o Ibama fez com que o levantamento fosse pautado no rigor cientifico”, declara.
O PCA de Campos será estratégico para a elaboração dos projetos da Petrobras na região. Um dos ganhos é a possibilidade de medir com mais precisão o impacto da deposição de metais de hidrocarboneto na área dos empreendimentos. Afinal, o estudo permite que a empresa saiba antes da instalação do sistema offshore qual é o nível de contaminantes causado por outras atividades, como dragagens no continente ou lançamento de efluentes agrícolas e industriais no rio Paraíba.
O projeto também mostra as áreas com maior concentração de vida marinha e ecossistemas mais sensíveis. “Essa identificação é muito importante na hora de definir a localização de um empreendimento, como um duto, poço ou monoboia”, cita Ana Paula.
Para Platte, o PCA deve ter acima de tudo um caráter preventivo. “É na fase de projeto que podemos contribuir mais para que o empreendimento contemple todas as variáveis ambientais e tenha um licenciamento otimizado”, justifica.
Utilização técnica
A pesquisa também se aplica a questões técnicas, como a da integridade da instalação marítima. A partir das informações geológicas da bacia a Petrobras poderá evitar, por exemplo, o assentamento de tubulações em áreas com solo marinho mais duro, que podem acarretar maior dano por atrito.
As informações também podem melhorar a reinjeção de água no reservatório. O estudo identificou cinco massas d’água com diferentes concentrações de partículas, como sedimentos, plantas e microorganismos. Com isso, a petroleira pode identificar áreas para captar águas com menor densidade, mais indicadas para o processo.
A Petrobras ainda pretende decodificar os mapas do PCA para um ambiente de realidade virtual em 3D que reproduza as condições ambientais da mesma forma que as ferramentas para modelar reservatórios e projetos de perfuração, entre outros. “Estamos tentando criar as ferramentas para que o engenheiro possa ter a informação ambiental mesmo que não tenha um especialista ambiental ao lado dele”, antecipa Ana Paula.
O PCA incluiu ainda um amplo levantamento socioeconômico, focado na comunidade pesqueira da Bacia de Campos. Entre os dados coletados estão número de pescadores, quantidade de embarcações que operam na região, perfil da frota, recurso gerado e tonelagem de pescado. No caso de um acidente, o mapeamento poderá indicar quais municípios que serão mais afetados por ter uma pesca eminentemente artesanal.