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Alertas Legais - 17/10/12

VEJA O COMENTÁRIO DA WHO’S WHO LEGAL SOBRE O ESCRITÓRIO

Passados quase três anos desde a cerimônia oficial de assinatura, realizada na cidade de Roterdã, em setembro de 2009, as Regras de Roterdã ainda não entraram em vigor, o que apenas ocorrerá um ano após a ratificação por parte do vigésimo Estado-Membro das Nações Unidas. Durante estes últimos anos surgiram diversas discussões em relação às  Regras, dentre inúmeras e diferentes jurisdições, principalmente focando se estas regras seriam benéficas para  os transportadores ou para os proprietários das cargas. Talvez, nesta fase, aqueles que apoiam as Regras de Roterdã queiram apenas que as mesmas sejam colocadas em teste e entrem em vigor, enquanto que aqueles contrários à promulgação de uma nova convenção no transporte internacional de mercadorias por via marítima ainda bravejam sua insatisfação no tocante à Convenção. De fato, após tantos artigos interessantes que já foram escritos sobre as novas Regras até o presente momento, é um grande desafio escrever sobre o assunto sem ser repetitivo e talvez até cansativo. Com isto em mente, este artigo tem por objeto sugerir uma análise mais cautelosa sob o ponto de vista de determinados aspectos da Convenção os quais vêm sendo sujeitos a inúmeras críticas.  Uma análise cuidadosa das Regras de Roterdã pode demonstrar que as mesmas acabam sendo mais coerentes e harmoniosas com o sistema interno jurídico brasileiro do que pode parecer à primeira vista e não parece haver melhor momento para se discutir a Convenção no Brasil do que o atual. Como ponto de partida para o debate sobre a plausibilidade de se ratificar ou não as Regras de Roterdã, diversas nações travam discussões se estas novas Regras se ajustariam melhor em suas jurisdições do que as convenções anteriores, tais como as Regras de Hamburgo, as Regras de Haia ou as Regras de Haia-Visby.  Entretanto, este não parece ser o foco principal no Brasil. O Brasil é um importante exportador de commodities e grande importador de bens e mercadorias, representando um importante mercado no cenário comercial internacional. Em virtude disso, e particularmente devido a razões históricas, o Brasil é comumente visto como uma jurisdição mais voltada aos interesses da carga e com uma lamentável tradição de não ratificar importantes convenções internacionais relacionadas ao transporte marítimo, principalmente sob o fundamento de que os princípios estabelecidos nestas convenções e acordos tenderiam a minimizar a reponsabilidade do transportador em oposição aos previstos na Lei Brasileira. Em relação às Regras de Roterdã a principal discussão no Brasil consiste em se apurar se tais Regras se ajustariam melhor em nosso país do que a legislação interna já existente. Uma breve análise da legislação interna brasileira sobre o comércio internacional e transporte de mercadorias demonstra que esta questão ainda não se encontra pacificada e clara como deveria.  Em primeiro lugar, o Código Comercial Brasileiro é datado do ano de 1850, ocasião em que o país ainda estava sob o regime do Império. O Código Comercial, especificamente a parte que rege o comércio marítimo ainda continua em vigor depois de mais de um século e meio, período de tempo em que o país tornou-se uma república federativa e promulgou uma nova Constituição Federal em seis ocasiões distintas. Todas as demais regulamentações codificadas foram igualmente alteradas e reiteradamente promulgadas no Brasil ao longo destes anos, à exceção do antigo Código Comercial. No entanto, apesar de ter sobrevivido por tanto tempo, pode-se facilmente observar que o Código Comercial necessita ser renovado e atualizado. Apenas a título exemplificativo, algumas de suas disposições ainda estipulam que o comandante da embarcação é obrigado, em determinadas ocasiões “que se faça à vela com o primeiro vento favorável”, circunstância que evidencia um cenário completamente diferente dos dias atuais. O Código Comercial também sofreu um grande impacto quando o atual Código Civil entrou em vigor em 2003, revogando 456 de seus artigos e deixando em vigor apenas a parte relativa ao comércio marítimo. Além de antiga e desatualizada, a legislação relativa ao comércio marítimo é também regida por diversas regras infraconstitucionais no Brasil, demandando assim um grande esforço no tocante à correta interpretação e aplicabilidade harmoniosa de todas estas disposições. Além do acima exposto, está sendo atualmente discutido pelo Legislativo brasileiro um projeto de lei visando à criação de um novo Código Comercial. Em princípio, a ideia de um novo código seria justificável não fosse pelo fato de que o projeto prevê em sua minuta inicial a revogação dos últimos capítulos sobreviventes do Código Comercial de 1850, inclusive as regulamentações marítimas, sem trazer nenhuma nova regra para o comércio marítimo. Torna-se desnecessário mencionar que esta questão causa grande preocupação para a comunidade marítima no Brasil, comprovando então que poderia ser um bom momento para despender algum tempo na análise minuciosa das Regras de Roterdã. De fato, mesmo em uma jurisdição como o Brasil que costuma prestigiar os interesses da carga, as regulamentações previstas nas Regras de Roterdã poderiam eventualmente vir a ser mais toleráveis – coloquemos dessa maneira  – do que possa parecer à primeira vista. As regras, por exemplo, trazem o conceito do direito civil de “culpa in vigilando et in eligendo”, a fim de reconhecer a responsabilidade do transportador por ações executadas pelo comandante, pela tripulação, ou qualquer parte atuante durante o transporte marítimo. Este regime está em sintonia com o sistema de responsabilidade civil brasileiro que já traz o conceito de “culpa in eligendo”, que regulamenta que o empregador é responsável pelas ações ou omissões de seus empregados ou prepostos. As Regras de Roterdã trazem a noção de “parte executante” e preveem um conceito mais simples da figura do Transportador. Esta situação ajudaria a resolver diversos conflitos e controvérsias ainda existentes ao se tratar da lei Brasileira a respeito da individualização ou não do regime de reponsabilidade a ser aplicado a cada parte diferente envolvida em um contrato de transporte. Além disso, o princípio de responsabilidade solidária já aplicado no Brasil para certos tipos de transporte também é disciplinado na Convenção. De acordo com a legislação brasileira a responsabilidade do transportador é objetiva, sendo a sua principal obrigação a de entregar a carga em seu destino ao portador do conhecimento de embarque original na mesma condição em que foi recebida a bordo. Na eventualidade de ocorrência de danos às mercadorias transportadas, os proprietários da carga ou seguradores necessitam apenas comprovar o dano, a existência de uma relação ou contrato de transporte e o nexo causal entre eles a fim de fazer surgir a responsabilidade do transportador.  Consequentemente, os transportadores assumirão o ônus relativo à comprovação de qualquer causa que porventura exclua sua responsabilidade. Os transportadores no Brasil só poderão isentar-se de responsabilidade se ficar estabelecido que os danos à carga foram causados por caso fortuito ou força maior, ou devido a quaisquer atos por parte de autoridades governamentais (“factum principis”) ou por qualquer vício oculto da carga ou mercadoria, conceito que inclui embalagem insuficiente ou inadequada. Defesas baseadas em atos ou culpa de terceiros poderão também estar disponíveis para os transportadores, especialmente quando o ato de terceiro consistir em um evento não relacionado com a atividade de transporte em si. A culpa, negligência ou omissão por parte do proprietário da carga ou seu representante que eventualmente cause danos à carga, poderá também ser considerada como um argumento de defesa disponível para os transportadores.   Como se pode observar, portanto, o sistema de defesa dos transportadores estabelecido pelas Regras de Roterdã traz, de fato, diversos conceitos similares além dos aplicados no regime brasileiro. Independentemente do acima exposto, as Regras também estipulam que os transportadores não estarão isentos de responsabilidade caso comprovado que a culpa do próprio transportador ou de seus empregados ou demais partes executantes contribuiu para o evento, sendo aqui interessante lembrar o dever de devido cuidado imposto ao transportador com a obrigação de manter a embarcação em boas condições de navegabilidade. As regras do direito civil e comercial Brasileiro estipulam que a responsabilidade do transportador pela carga tem início a partir do momento em que o transportador ou seus representantes recebem as mercadorias e continua até a entrega final ao consignatário ou descarga das mesmas no porto de destino, dependendo do tipo de transporte. As Regras de Roterdã, por sua vez, preveem um período de responsabilidade mais abrangente fazendo com que o transportador também  seja responsável  pela boa execução por parte de todas as demais partes executoras envolvidas.  As novas Regras preveem o prazo prescricional de dois anos para reclamações de acordo com os  termos contrato de transporte, com possibilidade de prorrogação, circunstância que não conflita com a lei brasileira mas ainda bastante controversa quando se trata desta questão. O prazo prescricional para reclamações relacionadas à carga ainda é uma questão controversa no sistema jurídico brasileiro, existindo disposições comerciais específicas estabelecendo o prazo de um ano, regras gerais estabelecendo um prazo de três anos ou até mesmo prazo de cinco anos em algumas ocasiões, criando portanto um mar de incertezas. O prazo prescricional de dois anos previsto pelas Regras poderia ajudar a resolver tal controvérsia. De todo modo, haveria ainda a possibilidade das reclamações serem ajuizadas dentro do prazo estabelecido pelo regulamento interno brasileiro, como admitido pelas Regras. Outra disposição interessante das Regras de Roterdã refere-se à indenização por atraso na entrega das mercadorias por parte do transportador. A legislação brasileira não possui atualmente uma regra específica que governe a responsabilidade do transportador por atraso, além do regime geral de responsabilidade civil de inadimplemento contratual. Além disso, o sistema jurídico brasileiro não estipula um método específico para a quantificação da indenização em tal caso, diferentemente das Regras de Roterdã. Discussões acerca de indenização e responsabilidade também chamam a atenção para um dos mais comentados temas das novas Regras, o regime the limitação. Independentemente do fato dos critérios estabelecidos pela convenção serem razoáveis ou não, já que isto é um conceito relativo, o objeto deste artigo é demonstrar que o conceito de limitação de responsabilidade também se encontra presente no direito brasileiro. O Brasil faz parte da Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras Relativas à Limitação de Responsabilidade dos Proprietários de Embarcações Marítimas de 1924 e possui um regime de limitação estabelecido em seu próprio Código Civil. De acordo com o direito civil a responsabilidade dos transportadores é limitada ao valor da carga prescrito no contrato de transporte e os tribunais de justiça brasileiros têm até mesmo aceito em alguns casos as disposições de limitação de responsabilidade constantes do conhecimento de embarque quando o  embarcador não declarar o valor da carga. Talvez a limitação de responsabilidade pudesse ser mais facilmente aceita no Brasil se tal disposição fosse livremente negociada entre as partes, ou caso não haja uma grande discrepância entre o valor da carga e o valor da limitação.  Não obstante, tanto de acordo com a lei brasileira e com a Convenção os representantes da carga podem optar por declarar o valor das mercadorias ou não no conhecimento de embarque, consequentemente aceitando ou não a limitação de responsabilidade.  Portanto, parece razoável para a Convenção estabelecer um regime de limitação que não é totalmente diverso dos conceitos do sistema jurídico brasileiro como alguns críticos asseveram. Finalmente, sendo os capítulos relativos à jurisdição e arbitragem previstos nas Regras de Roterdã opcionais aos Estados Contratantes, estes não deverão ser um ponto de conflito com a legislação interna. Não obstante, faz-se mister ressaltar que as novas Regras preveem uma maior variedade de foros aceitáveis do que as regras de jurisdição existentes na legislação brasileira, permitindo ao reclamante escolher entre as diferentes jurisdições competentes. Como se pode observar a partir dos breves comentários acima, as Regras de Roterdã não parecem completamente distantes dos conceitos atualmente vigentes no Brasil. É interessante notar que os sistemas civil e constitucional brasileiro preveem ainda que as regras internas devem estar em harmonia com as convenções internacionais, trazendo ambos os sistemas a mesma força hierárquica ao se interpretar e aplicar a lei.  Como ocorre com qualquer convenção internacional, caso as Regras de Roterdã seja assinadas pelo governo Brasileiro as mesmas estariam sujeitas a um procedimento legislativo interno e um prazo inicial para interpretação e adaptação ao sistema brasileiro. Certamente nunca haverá um consenso sobre a aceitação das Regras de Roterdã, a exemplo das demais convenções, entretanto discussões e críticas construtivas poderão ser proveitosas no sentido de se criar um ambiente jurídico mais harmonioso e equilibrado. Com efeito, uma convenção que tenha por objeto trazer maior harmonia às regulamentações referentes ao transporte de mercadorias necessita de fato ser muito bem analisada, já que o mundo certamente não necessita mais uma convenção para ser aplicada apenas a um reduzido número de Estados, servindo meramente como mais um instrumento entre muitos outros.  A indústria sempre se adapta a novos procedimentos e novas tecnologias e certamente irá se adaptar a qualquer nova disciplina. Já é hora de deixar para trás a velha ideia de que o Brasil será sempre um país mais voltado à carga, especialmente considerando o grande potencial de sua indústria naval. Pelo menos durante os últimos quinze anos o governo brasileiro implementou políticas visando estimular o renascimento da indústria naval do país, e os grandes avanços na exploração dopré-sal para a indústria do petróleo e gás permitiram melhorias significativas no segmento  offshore do país. Não há dúvidas de que o sistema jurídico brasileiro aplicado ao comércio marítimo necessita ser renovado e atualizado e nesse sentido as Regras de Roterdã podem ser uma oportunidade para evoluir nesse caminho.  Já está na hora do país dar um passo adiante no que diz respeito ao regime de responsabilidade no transporte de mercadorias e, no momento em que o poder  legislativo está apenas começando a discutir um projeto para a criação de um novo código comercial, parece-nos não haver melhor ocasião para se discutir, e por que não adotar, as Regras de Roterdã. Godofredo Mendes ViannaSócio do escritório  Law Offices Carl Kincaid – o qual poderá ser contatado através do e-mail  godofredo@kincaid.com.br. Lucas Leite MarquesAdvogado Sênior do escritório  Law Offices Carl Kincaid – o qual poderá ser contatado através do e-mail lucas@kincaid.com.br.