RESUMO:O presente trabalho tem por escopo a análise da incidência do art. 754, parágrafo único, do Código Civil à seguradora que se sub-roga nos direitos do segurado que teve a carga avariada. Para atingir seu objetivo, este artigo examinará a ratio legis da norma em referência, cotejando-a com outros dispositivos legais aplicáveis ao transporte de cargas, considerando ainda a jurisprudência que se consolida acerca do tema.
ABSTRACT:The purpose of this paper is to analyze the applicability of article 754, sole paragraph, of the Brazilian Civil Code to cargo insurers who would be be entitled to place themselves in the position of the assured, by virtue of the right of subrogation. In this sense, this article seeks the ratio legis of that standard taking into consideration other legal provisions which are applicable to cargo carriers, also considering the jurisprudence on the subject.
PALAVRAS-CHAVE:Direito civil; transporte; seguro de carga; sub-rogação.
KEYWORDS:Civil law; transports; cargo insurance; subrogation.
SUMÁRIO: Introdução; Da ratio legis do artigo 754, parágrafo único, do Código Civil; Da aplicabilidade do artigo 754, parágrafo único, do Código Civil à seguradora sub-rogada; Conclusão.
INTRODUÇÃO
Nas frequentes ações de regresso fundadas em contrato de seguro de carga, tema recorrente é o da aplicabilidade do prazo decadencial estipulado no art. 754, parágrafo único, do Código Civil às seguradoras sub-rogadas. A jurisprudência, ainda claudicante, poucas vezes examina o tema com acuidade, e a doutrina ainda se mostra parca em estudos específicos quanto ao assunto.
Destarte, sem a pretensão de esgotar o tema, neste artigo analisaremos a ratio legis do referido dispositivo legal e, na sequência, abordaremos as razões de sua aplicabilidade às seguradoras à luz do sistema jurídico vigente.
DA RATIO LEGIS DO ARTIGO 754, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL
O transporte marítimo de cargas, que é de suma importância para a economia global, envolve diversos personagens, cada qual com sua regulação própria, sendo necessária a adoção de procedimentos e prazos específicos para o escorreito funcionamento da cadeia logística.
Não por outro motivo, já na década de 1960, nosso legislador, seguindo a sistemática global, estipulou o dever legal de ser feita imediata ressalva quando do recebimento de carga com falta, avaria ou sem embalagem, ex vi do art. 1º, § 3º, do Decreto-Lei nº 116/1967[1]. Ao estabelecer a obrigatoriedade da ressalva “desde logo”, a mens legislatoris era a de que os diferentes atores envolvidos na cadeia logística tivessem a oportunidade de, na sequência imediata ao recebimento da carga, apurar conjuntamente as possíveis causas da avaria constatada e, assim, bem delimitar a responsabilidade pelo incidente.
A complexidade da logística e a imprescindibilidade de seu dinamismo para a economia nunca permitiram posturas morosas pelas partes interessadas. Destarte, mesmo para as avarias não constatáveis prontamente, o entendimento sempre foi de que a notificação deveria ser feita com brevidade, e, nessa linha, o legislador andou bem ao positivar o prazo de dez dias para que o destinatário da carga interpelasse o transportador sob pena de perder o direito ação contra este[2].
Com efeito, o prazo decadencial insculpido no art. 754, parágrafo único, do Código Civil vai ao encontro da praxe comercial internacional, que visa resguardar direitos sem engessar a dinâmica da economia. Noutras palavras, se no século passado já se exigia a prontidão da ressalva pela parte interessada na carga que sofrera avaria, não poderia o legislador de agora agir em retrocesso e ampliar o prazo. Este, contudo, em nítido intuito de harmonizar o sistema, houve por bem em estabelecer o lapso de dez dias para a denúncia de avarias não evidentes ou parciais.
No sentido explicitado também é o entendimento do ilustre doutrinador Araken de Assis[3], quando leciona:
Deverá o destinatário, ou o portador do conhecimento, realizar a conferência da coisa entregue e, agora, recebida do transportador. O art. 754, caput, institui o direito de o destinatário conferir a coisa antes de recebê-la. Percebendo o dano ou a perda da coisa, realizará protesto imediato, exceto na hipótese de perda total ou avaria imperceptíveis, à primeira vista, caso em que desfruta do prazo de dez dias, para protestar, “a contar da entrega” (art.754, parágrafo único). E, de fato, há vícios que se constatam posteriormente. Por exemplo: o destinatário retirou o equipamento, mas, no momento de sua instalação, apura que não funciona a contento; o produto químico, aparentemente em boas condições, perdeu suas características; e assim, por diante. Nenhuma dificuldade se oferece ao destinatário, ou ao portador do conhecimento, ocorrendo perda total ou atraso. Tais fatos são evidentes. E, naturalmente, o protesto imediato atende o art. 754, caput. A avaria que impõe o protesto imediato é de fácil constatação, independentemente de conhecimentos especializados: por exemplo, o destinatário adquiriu um lote de aparelhos de televisão e alguns se encontram com o tubo de imagem quebrado. De outro lado, imperceptível ictu oculi é o vício oculto, retratado nos exemplos há pouco ministrados. E existe a hipótese de a vistoria mostrar-se imprescindível à prova da avaria, como acontece com as coisas transportadas a granel. A Súmula nº 109 do STJ, no concernente ao transporte marítimo, tornou facultativa a realização da vistoria para atribuição do direito à indenização.
Como mencionado, a importância da notificação reside em oportunizar a todos os interessados na cadeia a verificação conjunta da carga dita avariada, com a possibilidade de avaliações técnicas diretas, hábeis a apontar as causas do incidente e os eventuais responsáveis.
Tal regra visa, ademais, a necessária observância da cláusula-geral da boa-fé que deve permear todas as relações jurídicas, na medida em que que os atores da cadeia exerçam amplamente o contraditório e a ampla defesa no momento oportuno.
Nesse ponto, impende considerarmos que, muitas vezes, os destinatários das cargas, ao constatarem a avaria, noticiam a ocorrência do sinistro à seguradora a fim de receber desta a indenização prevista na apólice. A seguradora, a seu turno, ao efetuar o pagamento da indenização, vê-se sub-rogada nos direitos de seu segurado, inclusive no que tange às ações que competiam àquele, nos termos do art. 786, caput, do Código Civil[4].
Constatada a avaria, portanto, incumbe ao destinatário da carga notificar todos os transportadores da cadeia logística imediatamente, se o dano foi evidente, e, no prazo de dez dias, quando este for parcial ou não prontamente constatável, nos termos dos arts. 1º, § 3º, do Decreto-Lei nº 116/1967 e art. 754, parágrafo único, do Código Civil. Não agindo de tal maneira, operar-se-á a decadência do seu potencial direito à indenização.
DA APLICABILIDADE DO ARTIGO 754, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL À SEGURADORA SUB-ROGADA
Consectário lógico do acima é que incumbe ao destinatário da carga avariada envidar todos os seus esforços para minimizar o dano e resguardar direitos, inclusive os da seguradora que pode vir a se sub-rogar. Noutras palavras, incumbe ao segurado agir pautado nos ditames da boa-fé objetiva e esforçar-se para a preservação do direito.
Alinhado com o exposto, é oportuna a reflexão de Clóvis V. do Couto e Silva[5], quando leciona:
A boa-fé possui múltiplas significações dentro do direito. […] Com relação ao das obrigações, manifesta-se como a máxima objetiva que determina aumento de deveres, além daqueles que a convenção explicitamente constitui. Endereça-se a todos os partícipes do vínculo e pode, inclusive, criar deveres para o credor, o qual, tradicionalmente, era apenas considerado titular de direitos.
[…]
O mandamento de conduta engloba todos os que participam do vínculo obrigacional e estabelece, entre eles, um elo de cooperação, em face do fim objetivo a que visam.
Destarte, cumpre ao segurado colaborar para o exercício do direito de regresso da seguradora, prestando informações, esclarecimentos e entregando documentos que se façam úteis ou necessários. São prestações instrumentais devidas pelo segurado, de sorte que, se a seguradora se sub-roga nos direitos e deveres do consignatário, em não sendo apresentada a carta de protesto dentro do prazo legal, a sub-rogação terá ocorrido sobre direito caduco.
Igualmente, deve a seguradora, antes de efetuar o pagamento pela indenização securitária, confirmar se o seu potencial direito de regresso está, de fato, assegurado. Afinal, a sub-rogação opera a substituição do credor originário, passando a sub-rogada a ocupar a mesma posição jurídica da sub-rogante.
Assim, a obrigação de apresentação de carta de protesto vai além da relação consignatário-transportador, pois é ilógico que a seguradora, na qualidade de sub-rogada nos direitos e deveres de sua segurada, pretenda ajuizar ação de ressarcimento em face do transportador marítimo, quando o próprio consignatário já não o pode mais fazer, haja vista a ausência de protesto e consequente caducidade de seu direito. Não faz sentido que a seguradora tenha um direito que para o credor originário já não mais subsistia por força de lei.
Nesse contexto, cumpre considerar que o Código Civil regula a sub-rogação quando do pagamento da indenização[6] e, como assente na doutrina, sua ocorrência não altera as características da obrigação, a qual é transmitida ao terceiro – mediante pagamento – com a manutenção de todas as suas peculiaridades e seus acessórios, sendo este o entendimento dos mais abalizados civilistas, como Martins-Costa, Flávio Tartuce, Gustavo Tepedino (em coautoria com Heloísa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes) e Caio Mário. Vejamos:
Na sub-rogação se dá a substituição de um credor por outro, permanecendo todos os direitos do credor originário (sub-rogante) em favor do novo credor (sub-rogado). Dá-se, assim, a substituição do credor, sem qualquer alteração na obrigação do devedor. […] Isso significa dizer que, diferentemente da regra geral, segundo a qual o pagamento “extingue a obrigação”, na sub-rogação a dívida paga, “em vez de perecer, transfere-se com todos os seus acessórios para as mãos do sub-rogado”.[7]
[…] apenas haverá a substituição do credor, mantendo-se os demais elementos da obrigação, tais como juros moratórios já previstos, regras contratuais pactuadas, fiança e cláusula penal.[8]
Estabelece o CCom, em seu art. 728, relativamente ao seguro marítimo, a sub-rogação legal do segurador, o qual toma a posição anteriormente ocupada pelo segurado, relativamente a todos os seus direitos e ações contra o terceiro responsável pelo dano, até o limite da indenização. Essa sub-rogação legal não foi disciplinada pelo CC/1916, nem havia entre nós norma geral sobre a matéria, relativamente aos seguros terrestres, mas comumente já vinham incluindo a cláusula de sub-rogação nos respectivos contratos (Pedro Alvim, O contrato de seguro, p. 47). Tal situação foi prevista expressamente pelo art. 8º da Lei nº 8.194/1974 (seguro obrigatório de veículos).
Ou seja, tal sub-rogação legal, agora contemplada no CC, não é diferente daquela estabelecida no art. 346, III, relativamente ao terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou poderia ser obrigado, no todo ou em parte. O terceiro que paga a dívida do devedor, pela qual era ou podia ser obrigado, em virtude de figuras como a fiança ou o aval, ocupa, portanto, posição idêntica à do segurador.[9]
Qualquer que seja a sub-rogação – legal ou convencional – adquire o sub-rogado o próprio crédito do sub-rogante, tal qual é. Opera, assim, a substituição do credor pelo sub-rogatário, que recebe o crédito com todos os seus acessórios, mas seguido também dos seus inconvenientes, e das suas falhas e defeitos. Suporta o sub-rogado, evidentemente, todas as exceções que o sub-rogante teria de enfrentar.[10]
Na esteira do exposto, pode-se afirmar que, ao se sub-rogar, a seguradora assume a mesma posição jurídica do seu segurado, recebendo o direito nas idênticas condições que se encontrava, podendo valer-se das mesmas ações e sujeitando-se às mesmas exceções que aquele. Ou seja, se o segurado não notificou o transportador no prazo estipulado pela lei civil, operou-se a decadência e, por conseguinte, a seguradora se sub-roga em direito caduco.
Com efeito, é essa a conclusão a que se chega a partir da análise do voto vista do Ministro Marco Aurélio Bellizze, no Recurso Especial nº 1.297.362/SP, quando analisou a fundo o instituto da sub-rogação. In verbis:
[…] Por outro ângulo, legislação impõe ao segurado, sob pena de perder o direito à indenização, o dever de comunicar imediatamente o conhecimento de sinistro à seguradora, nos termos do art. 771 do Código Civil de 2002:
“Art. 771. Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as consequências.”
Esse dispositivo, somado às demais disposições relativas à sub-rogação, deixa clara a engenharia legal que traduz tratar-se a obrigação de reparação do dano uma única relação jurídica, a qual é transmitida pelo segurado e recebida pela seguradora com todas as suas limitações, inclusive quanto ao prazo prescricional em curso. Conquanto não faça referência direta ao prazo prescricional, deixa inconteste que o conhecimento do dano é fato relevante tanto para o segurado como para a seguradora, por tratar-se de inafastável marco temporal da prescrição, a qual se vincula objetivamente à pretensão, e não às partes.
Assim, a actio nata delimita o surgimento da obrigação e sua exigibilidade no exato momento em que o segurado toma conhecimento da ocorrência do dano. E, uma vez que essa mesma relação obrigacional será transmitida à seguradora, deve o segurado, em respeito à boa-fé objetiva e aos postulados da eticidade, concretizados na referida norma legal, dar à seguradora seu imediato conhecimento.Nessa dinâmica, assegura-se à seguradora a possibilidade de quitar sua obrigação contratual, pelo pagamento da indenização contratada, e, sub-rogando-se na posição de credora, buscar a satisfação da reparação contra o causador do dano em tempo hábil. (grifos nossos)
Conquanto o voto tenha analisado a sub-rogação para exame do termo inicial do prazo prescricional para ajuizamento de ação regressiva fundada em contrato de seguro, as considerações feitas pelo Ministro Bellizze também se aplicam à hipótese sob exame. Afinal, a norma do art. 771 do Código Civil é inequívoca quanto à obrigatoriedade de o segurado comunicar o sinistro prontamente à seguradora, sob pena de perda do direito ao recebimento da própria indenização securitária.
Destarte, na linha do raciocínio ora apresentada, somente poderá ser reconhecida uma conduta pautada na boa-fé se o segurado, ao constatar o dano à carga, notificar o transportador dentro do prazo estipulado pelo art. 754, parágrafo único, do Código Civil, evitando, assim, que o direito seja acometido pela pecha da caducidade.
Cabe, outrossim, à seguradora a obrigação de analisar se o direito a que se pretende sub-rogação está caduco, prescrito, ou de alguma forma prejudicado, e, nesses casos, deverá recursar o pagamento da indenização securitária, ou, caso efetue o pagamento, o fará por mera liberalidade, sem que lhe caiba qualquer direito de regresso.
Cumpre destacar que o Supremo Tribunal Federal, analisando o art. 728 do Código Comercial (dispositivo este que ainda está em vigor), há muito já esclareceu que o segurador submete-se não só aos benefícios do direito transmitido, mas também aos ônus que o acompanham, não sendo admissível agravar a situação do causador do dano. Nesse sentido:
[…] O segurador sub-roga-se na pessoa do segurado, substituindo-o em todos seus direitos e ações – art. 728 do Código Comercial. Ocupa-lhe o posto, na frase de Diorgi: il terzo chi paga prende Il posto dal creditore soddlafato. Se logra os mesmos benefícios, sofre, também os mesmos ônus. Por outro lado, o devedor, que é estranho à subrogação, não pode ter, por ela, a sua situação agravada. Res inter alios acta, aliis, nee prodest, Nec nocot. E, assim, a prescrição que beneficia o devedor, poderá ser oposta ao segurado ou a quem se sub-rogou em seus direitos. (STF, RE 20.265/DF, Rel. Min. Mario Guimarães, J. 29.05.1952 – grifos nossos)
[…] Ora, se, em face do art. 728 do Código Comercial pátrio, o segurador se sub-roga no direito do segurado contra terceiros, pelo que efetivamente pagou, está sujeito à mesma condição para o exercício dêsse direito. […]. (STF, RE 19.376/DF, Rel. Min. Nelson Hungria, J. 24.07.1952)
Na mesma linha dos acórdãos supracitados, importante trazer à colação alguns dos diversos julgados da Corte Bandeirante que vão ao encontro do entendimento defendido neste artigo. Vejamos:
Matéria preliminar arguida por ambas as apelantes. Ilegitimidade passiva. Não ocorrência. Apelada DHL que era a agente de carga responsável pelo transporte das mercadorias realizado pela apelante American Airlines. Hipótese de solidariedade entre os integrantes da cadeia de transporte. Precedentes. Objeção rejeitada. Matéria preliminar arguida por ambas as apelantes. Decadência. Ocorrência. Ação regressiva ajuizada por seguradora sub-rogada visando ressarcimento de indenização paga em razão de sinistro. Transporte de mercadorias. Extravio parcial. Protesto não realizado no prazo decadencial de 10 (dez) dias previsto no parágrafo único do art. 754 do CC. Incidência do dispositivo legal em referência que não fica restrita à relação havida entre as partes do contrato de transporte. Apelada que ajuizou a ação na qualidade de sub-rogada nos direitos e ações que competiriam ao segurado (art. 786 do CC). Direito do segurado que foi alcançado pela decadência. Apelada que se sub-rogou em um direito acobertado pela decadência. Precedentes. Circunstância de o segurador passar a ocupar a posição de credor do causador do prejuízo que não é suficiente para se arredar a necessidade do protesto. Ato necessário para que exista o direito de sub-rogação no pagamento de valor correspondente à indenização. Preliminares acolhidas, para o fim de ser pronunciada a decadência, com a extinção do processo, com resolução do mérito, forte no art. 487, III, do CPC/2015. Resultado: recursos providos. (TJSP, Apelação nº 1111314-03.2015.8.26.0100, 12ª CDPriv., Rel. Castro Figliolia, DJ 08.05.2019 – grifos nossos)
[…] Ação regressiva ajuizada por seguradora sub-rogada visando ressarcimento de indenização paga em razão de sinistro. Transporte de mercadorias. Decadência. pronunciada na sentença. Entendimento que prevalece. Avaria. Protesto não realizado no prazo decadencial de 10 (dez) dias previstos no parágrafo único do art. 754 do CC. Incidência do dispositivo legal em referência que não fica restrita à relação havida entre as partes do contrato de transporte. Apelante que ajuizou a ação na qualidade de sub-rogada nos direitos e ações que competiriam ao segurado (art. 786 do CC). Direito do segurado que foi alcançado pela decadência. Apelante que se sub-rogou em um direito acobertado pela decadência. Precedentes. Falta de protesto que não pode ser tido como ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos advindos da sub-rogação. Circunstância de o segurador passar a ocupar a posição de credor do causador do prejuízos que não é suficiente para se arredar a necessidade do protesto. Ato necessário para que exista o direito de sub-rogação no pagamento de valor correspondente à indenização. (TJSP, Apelação nº 1049876-39.2016.8.26.0100, 12ª CDPriv., Rel. Des. Castro Figliolia, DJ 21.11.2018 – grifos nossos)
Ação regressiva de cobrança da seguradora contra a transportadora. Cobertura securitária realizada em razão da ocorrência de avarias no transporte aéreo internacional de cargas. Ausência do protesto a que alude o art. 31 da Convenção de Montreal e o art. 754 do Código Civil. Consolidação do prazo extintivo para ajuizamento da demanda ressarcitória. Recurso improvido. (TJSP, Apelação nº 1040155-03.2015.8.26.0002, 22ª CDPriv., Rel. Des. Alberto Gosson, DJ 06.07.2018, data de registro: 06.07.2018)
Ação regressiva. Transporte aéreo internacional de mercadorias. Carga. Chegada ao Aeroporto de Viracopos em 23.11.2008. Termo de vistoria aduaneira. Realização em 08.01.2009. Ausência de protesto. Ação. Propositura em 19.11.2009. Decadência. Configuração. Inteligência do art. 754, parágrafo único, do Código Civil. Prazo decadencial do direito de indenização que se estende à seguradora sub-rogada. Precedentes. Feito. Extinção. Sentença. Reforma. Apelo da ré Schenker do Brasil provido, prejudicados o da Cargolux e o recurso adesivo do autor. (TJSP, Apelação nº 0073727-29.2009.8.26.0114, 32ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, Rel. Tavares de Almeida, DJ 20.02.2018, data de registro: 21.02.2018 – grifos nossos)
Apelação. Transporte marítimo. Carga avariada. Ação regressiva ajuizada por seguradora. Sentença de rejeição do pedido. Confirmação. […] 2. Qualificação jurídica do contrato de transporte em que se fundamenta a demanda. Típico contrato empresarial. Inexistência de desproporção de forças entre os participantes do negócio. Inaplicabilidade do CDC. Incidência, sim, do Código Civil. 3. Decadência. Reclamação exigida pelo art. 745 do CC não providenciada pela contratante do transporte/segurada. Extinção do direito operada, nos expressos termos da norma. Efeito que, por imposição lógica, atinge a seguradora sub-rogada. (TJSP, Apelação nº 1003097-29.2016.8.26.0002, 19ª CDPriv., Rel. Ricardo Pessoa de Mello Belli, DJ 22.05.2017, data de registro: 29.05.2017 – grifos nossos)
Ação regressiva. Transporte marítimo de mercadorias. Avaria. Decadência. Ausência de protesto. Exegese do art. 754, parágrafo único, do Código Civil. Caducidade do direito à indenização que se estende à seguradora autora. Sub-rogação. Inteligência do art. 786 do Código Civil. Sentença reformada. Recurso provido. […]. Assim, não tendo a cliente da apelada procedido da maneira prevista em lei, caducou o seu direito à reparação dos danos decorrentes de avaria na carga transportada. Consigne-se a aplicabilidade do art. 754 do Código Civil à seguradora apelada, pois, ao pagar a indenização à sua cliente, sub-rogou-se “nos direitos e ações que competiriam ao segurado”, conforme dispõe o art. 786 do Código Civil. Dessa maneira, se a seguradora se sub-roga nos direitos e ações do segurado e se o direito do segurado foi alcançado pela decadência, tem-se que a seguradora, ao indenizar seu segurado, sub-rogou-se em um direito caduco. Não se cuida aqui da extensão dos efeitos do art. 754 do Código Civil à seguradora, mas trata- se, sim, da recepção, por sub-rogação, dos direitos do segurado pela seguradora, se e quando o contratante do transporte recebe a sua mercadoria avariada sem protesto, de forma a permitir a decadência do direito à indenização. […] (TJSP, Apelação nº 1003772-60.2014.8.26.0002, 12ª CDPriv., Rel. Tasso Duarte de Melo, DJ 15.06.2016, data de registro: 16.06.2016 – grifos nossos)
Por fim, colaciona-se trecho da decisão proferida pela Magistrada Natália Garcia Penteado Soares Monti, da 9ª Vara Cível de Santos, que, com maestria, esclarece a questão ora debatida. Veja-se:
[…] Desta forma, para o segurado se ressarcir dos prejuízos, deveria realizar a reclamação, ainda que informal, para a transportadora, ou a ré, como responsável solidária, sob pena de perder o direito. Contudo, mesmo a requerente sabendo disto, e nada fazendo, ressarciu o segurado e agora, sub-rogando-se nos direitos do crédito decorrentes da avaria, propõe a presente demanda, querendo ser ressarcida. O art. 349 do Código Civil prescreve que a sub-rogação transfere ao novo credor (no caso a seguradora) todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores. Logo, o crédito transferido, mantém sua natureza. Caso esteja prescrita a pretensão, ou o próprio direito extinto pela decadência, assim o adquire o novo credor. O art. 348 do Código Civil prescreve que a sub-rogação convencional vigorará segundo o regime da cessão de crédito. Esta, por sua vez, no art. 294, vê-se restringida, uma vez o devedor (a ré) pode opor ao cessionário (autor) todas as exceções que lhe competiriam, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente (a transportadora). Ou seja, não pode a seguradora querer ressuscitar um crédito extinto, uma vez que assumiu o risco ao pagar o segurado de não receber o crédito. Caso contrário, estaria aberta a porta neste país para fim dos tempos da prescrição e decadência dos direitos através da sub-rogação, respeitados os entendimentos em sentido contrário. É certo que a sub-rogação no seguro se opera por força de lei, mas isto não afasta a incidência das normas referentes à cessão de crédito. A boa doutrina há muito já se manifestava no sentido de que a seguradora que indeniza o seu segurado se sub-roga nos respectivos direitos e ações. […] Desta maneira, se a seguradora se sub-roga nos direitos e ações do segurado e se o direito do segurado foi alcançado pela decadência, tem-se que a seguradora ao indenizar seu segurado sub-rogou-se em um direito caduco. Não se cuida aqui da extensão dos efeitos do art. 754 do Código Civil à seguradora, mas cuida-se, sim, da recepção, por sub-rogação, dos direitos do segurado pela seguradora, se e quando o contratante do transporte recebe a sua mercadoria avariada sem protesto, de forma a permitir a decadência do direito à indenização. (Santos, 10.09.2015. 9ª VC Santos/SP. Sentença. Processo Digital nº 1028676-16.2014.8.26.0562. Classe: Assunto Procedimento Ordinário – Seguro. Requerente: AIG Seguros Brasil S/A. Requerido: Aliança Navegação e Logística Ltda. Juíza de Direito: Dra. Natália Garcia Penteado Soares Monti – grifos nossos)
CONCLUSÃO
A mens legis do art. 754, parágrafo único, do Código Civil é no sentido de que, constatada a avaria, todos os envolvidos na cadeia logística tenham a oportunidade de, conjuntamente, realizar a vistoria com transparência, de modo a permitir identificar eventuais responsáveis. Referida norma, como visto, não pode ser interpretada isoladamente, na medida em que o conhecimento do dano é fato de extrema relevância para o destinatário da carga (segurado), bem como para a seguradora. Afinal, a partir da ocorrência daquele poderá ser exigível a indenização securitária.
Justamente por isso, é imprescindível que o segurado realize a notificação ao transportador no prazo de dez dias estipulado na lei civil, para que, em prestígio ao devido processo legal, ampla defesa e contraditório, todas as partes envolvidas possam participar na apuração conjunta das causas da avaria.
Por outro lado, à seguradora cabe confirmar se o direito que pretende se sub-rogar ainda existe, não sendo crível que efetue o pagamento da indenização securitária e, independente de tal análise, busque, de forma automática, ressarcimento contra a transportadora. Afinal, “direito podre não ser revitalizado em razão do contrato de seguro, atingindo terceiro (agente de carga ou transportadora)”[11].
Se a seguradora se sub-roga nos direitos e ações do segurado, e se o direito do segurado foi alcançado pela decadência, tem-se que a seguradora, ao indenizar seu segurado, sub-rogou-se em um direito acobertado pela decadência.
Nessa linha de raciocínio, conquanto não se olvide
que o tema abordado neste artigo ainda suscite controvérsia na jurisprudência,
a conclusão que se nos afigura a mais pertinente e harmônica ao ordenamento
jurídico vigente não pode ser diversa daquela que estende a aplicabilidade da
norma do art. 754, parágrafo único, do Código Civil às seguradoras sub-rogadas.
[1] “Art. 1º As mercadorias destinadas ao transporte sobre água, que antes ou depois da viagem forem confiadas à guarda e acondicionamento dos armazéns das entidades portuárias ou trapiches municipais, serão entregues contra recibo passado pela entidade recebedora à entregadora. […] § 3º Os volumes em falta, avariados ou sem embalagem ou embalagem inadequada ao transporte por água, serão desde logo ressalvados pelo recebedor, e vistoriados no ato da entrega, na presença dos interessados.”
[2] “Art. 754. […] Parágrafo único. No caso de perda parcial ou de avaria não perceptível à primeira vista, o destinatário conserva a sua ação contra o transportador, desde que denuncie o dano em dez dias a contar da entrega.”
[3] Contratos nominados – Mandato, comissão, agência e distribuição, corretagem, transporte. 2. ed. São Paulo: RT, v. 2, 2009. p. 406.
[4] “Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.”
[5] COUTO E SILVA, Clóvis V. do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2008. p. 33.
[6] “Art. 347. A sub-rogação é convencional: I – quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos; Art. 348. Na hipótese do inciso I do artigo antecedente, vigorará o disposto quanto à cessão do crédito”. “Art. 294. O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente”. “Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores”.
[7] MARTINS-COSTA, Judith. Novas reflexões sobre o princípio da função social dos contratos. Estudos de Direito do Consumidor, Coimbra, v. 7, p. 494 e 496, 2005.
[8] TARTUCE, Flávio. Direito civil, direito das obrigações e responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Método, v. II, 2010. p. 179.
[9] TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; DE MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, v. II, 2012. p. 596.
[10] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil – Teoria geral das obrigações. 21. ed. rev. e atual. por Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Rio de Janeiro: Forense, v. II, 2006. p. 249.
[11] Magistrada Natália Garcia Penteado Soares Monti da 9ª VC Santos/SP, em sentença proferida nos autos do Processo nº 1028676-16.2014.8.26.0562.
Publicado na Revista de Estudos Marítimos