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Armadores que operam na navegação interior e na cabotagem chegaram a ficar sem as transferências para suas contas vinculadas, nos últimos meses, prejudicando planejamento de construção e manutenção de embarcações
Empresas que operam na navegação interior e na cabotagem relataram, esta semana, o agravamento das dificuldades de ressarcimento do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), vivenciado ao longo do primeiro semestre de 2023. Elas alegam que chegaram a ficar sem as transferências para suas contas vinculadas, nos últimos meses. Desde as alterações no sistema mercante para ressarcimento do AFRMM, no final do ano passado, entidades setoriais vêm alertando a Receita Federal (RFB), que operacionaliza o processo, sobre o problema e pedindo apoio do Ministério de Portos e Aeroportos (MPor), gestor do Fundo da Marinha Mercante.
As empresas brasileiras de navegação (EBNs) avaliam que a situação se tornou crítica por causa das retenções criadas no sistema da RFB que dificultaram a destinação dos recursos, que beneficiam os armadores e a indústria naval, já que o valor é aplicado para construção e serviços de manutenção de embarcações. Além disso, nenhuma empresa de navegação interior que atua no transporte de granéis sólidos recebeu até agora os valores referentes à alíquota estabelecida a partir do texto final da Lei 14.301/2022, que criou o BR do Mar.
A legislação estabeleceu o percentual de 8% para a navegação fluvial e lacustre, por ocasião do transporte de granéis sólidos e outras cargas nas regiões Norte e Nordeste, beneficiando o agronegócio. Após um ano, nenhuma empresa de navegação interior se habilitou a receber esse percentual em razão dos bloqueios do sistema. A legislação também reduziu as alíquotas recolhidas no longo curso (de 25% para 8%) e na cabotagem (caiu de 10% para 8%).
A Associação Brasileira pelo Desenvolvimento da Navegação Interior (Abani) estima que, em um ano, R$ 400 milhões terão deixado de ser injetados na construção naval, principalmente na região Amazônica. Outro efeito negativo previsto pela navegação interior é uma perda da ordem de 15.000 empregos ligados diretamente ao uso desse recurso para construção de novas embarcações. “O impacto ruim disso é que empresas já tinham contratado obras, principalmente granéis líquidos, que estavam rodando normalmente e do nada isso foi interrompido”, disse à Portos e Navios, o presidente da Abani, Dodó Carvalho.
A Abani e outras entidades setoriais prejudicadas pelos problemas de ressarcimento do AFRMM levaram o pleito ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que teria pedido celeridade à Receita. Carvalho acredita que Haddad ficou sensibilizado por conta da geração de empregos e porque os recursos do FMM não passam pelo orçamento da União. “O mais importante desse recurso é que ele não é um recurso do Tesouro, ele é gerado e aplicado no setor. É uma ‘injeção na veia’ que, colocado na conta, contrata obras e gera empregos”, enfatizou Carvalho.
O presidente da Abani contou que, em conversas na última segunda-feira (22), a RFB se comprometeu a destravar os recursos do segmento de granéis líquidos, que vinha rodando normalmente. Além disso, houve uma reunião no dia seguinte com a superintendência da alfândega de Belém (PA), onde a maior parte dos processos está contratada. A expectativa inicial é que, até agosto, o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) entregue a atualização do sistema mercante à Receita. O segmento de navegação interior, porém, manifestou à RFB que não faz sentido esperar até agosto para a liberação dos fluxos que já estavam rodando normalmente, em especial no transporte de combustíveis.
“A expectativa é que, até final de junho, consigamos liberar, pelo menos, os segmentos de granéis líquidos e de cabotagem, que vinham rodando e, até agosto, liberar outras cargas, granéis sólidos, grãos e fertilizantes”, disse Carvalho. Além da Abani e da Abac (cabotagem), outras entidades como o Sindarma (armadores Amazonas), Sindarpa (armadores Pará), Fenavega (navegação aquaviária) e Sinaval (estaleiros), têm buscado unir forças para destravar os repasses.
A Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac) avalia que o impasse dificulta o planejamento das empresas, que completaram três meses consecutivos sem receber nenhum recurso nas contas vinculadas. O diretor-executivo da Abac, Luis Fernando Resano, citou que a falta dos repasses coloca em risco o cronograma e a regularidade das obras de duas associadas que estão construindo embarcações contando com esses recursos. “Na construção, é preciso ter regularidade para a obra. No pior cenário possível, a obra é paralisada, gera inadimplência ou o comprometimento de manutenção”, comentou Resano.
Para a Abac, as empresas estão totalmente de mãos atadas porque não conseguem desbloquear os recursos e dependem de uma definição dos órgãos competentes. Resano considera que, mais importante que a atualização do sistema da Receita, é ter a garantia de que a nova versão resolverá todos os problemas. Ele explicou que os problemas se arrastam desde 2014, mas antes da atualização do sistema em dezembro de 2022 era possível o desbloqueio manualmente pelos fiscais, após a verificação das pendências.
A avaliação é que o processo é burocrático porque todas as travas não dependem do fornecimento de informações pelas empresas, e sim da atuação da RFB. Algumas EBNs chegaram ao ponto de parar de inserir os processos para não caírem em exigência e correrem o risco de ficar paradas esperando a regularização, o que ainda pode mascarar o real número de processos. Pelas regras do AFRMM, as empresas podem pedir ressarcimento em até 5 anos após o início da operação de descarga, fato gerador do recolhimento do adicional. Uma vez creditado o valor na conta vinculada, a empresa tem até 3 anos para aplicar o recurso, senão ele retorna para o FMM.
Para o advogado José Carlos Higa, a diminuição e a interrupção dos depósitos às empresas com direito ao crédito prejudica o financiamento das obras e serviços. “Se a conta começa a diminuir, a empresa não consegue apresentar projetos e o BNDES pode negar o projeto. Não pode formular o pedido se não tiver saldo em conta”, explicou Higa, que atua no escritório Advocacia Ruy de Mello Miller (RMM).
Higa percebe que a movimentação no momento está mais no campo institucional do que jurídico, mas enxerga algumas alternativas para garantir o crédito. “A empresa deveria tomar uma medida de cautela para conseguir garantir o valor para, quando houver solução desse problema com a Receita, poder seguir com esses projetos”, comentou. Ele avalia que o problema vai além da parte financeira, afetando a programação das empresas de navegação e estaleiros. Segundo Higa, para os armadores do Amazonas, ainda existe o agravante da conciliação das datas de manutenção com os regimes de chuva.
O Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) informou, em nota, que as atribuições das atividades relativas à cobrança, fiscalização, arrecadação, restituição e concessão de incentivos do Fundo da Marinha Mercante (FMM) são da Secretaria da Receita Federal do Brasil. A pasta acrescentou que tais competências estão previstas nas leis 12.599/2012, e 12.788/2013, que alteraram a Lei 10.893/2004. Procurada pela Portos e Navios, a Receita informou apenas que o assunto é objeto de tratativas entre os segmentos interessados e que, neste momento, não fará comentários adicionais.
Fonte: Revista Portos e navios