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Clippings - 26/06/09

A legalização do terceiro setor no Brasil

Para o IBGE, as associações e fundações privadas sem fins lucrativos que formam o terceiro setor em nosso país giram em torno de 340 mil entidades. Somando-se a esse número diversas outras organizações informais, de expressiva atuação em todo o território nacional, certamente passaríamos de 500 mil. Nada mal para uma população como a brasileira, muitas vezes tachada de apática e dependente dos serviços prestados pelo governo.

É possível sustentar que o terceiro setor seja o resultado da combinação do exercício da cidadania com a efetiva participação dos cidadãos nos assuntos de interesse da sociedade. Embora de reconhecido valor para a sociedade, as entidades do terceiro setor e as atividades de interesse público por elas desenvolvidas em áreas como a saúde, educação, meio ambiente e assistência social encontram-se em uma situação de perigo. É que essas entidades há anos vêm sofrendo desgastes em sua imagem, com seríssimos danos à ética do terceiro setor, maculando a reputação ilibada que deve permear esse segmento, seus dirigentes e colaboradores.

Eis uma decorrência direta e perversa dos escândalos de corrupção e episódios similares, reproduzidos em escala geométrica e que, aparentemente, parecem contaminar todo o universo de entidades privadas que nascem – ou deveriam nascer – para fazer o bem a quem mais tem necessidade. O terceiro setor no Brasil está a passos de ingressar no terreno movediço da ilegalidade e da clandestinidade. Corre riscos de submergir e levar consigo conquistas e avanços sociais, os quais pertencem muito mais à sociedade brasileira do que aos governos que tivemos.

Muitas são as providências que podem e devem ser tomadas para afastar o terceiro setor da beira do precipício. Em termos legislativos, há que ser imediatamente estabelecido um novo marco regulatório, tendo como núcleo essencial um estatuto do terceiro setor. Por meio de diretrizes, princípios e outras regras específicas, que delimitem direitos e deveres dessas entidades, o estatuto do terceiro setor teria por finalidade auxiliar a reverter o cenário negativo em que esse segmento está inserido, fazendo também com que seu desenvolvimento passe a ser objeto não somente de financiamento público ordenado e transparente, mas igualmente destinatário de políticas públicas estratégicas e transversais do Estado brasileiro.

Harmonizado com essas propostas está o anteprojeto de estatuto do terceiro setor, elaborado pelo Instituto Probono e entregue em março à Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, no âmbito do projeto Pensando o Direito. Atualmente, as normas que disciplinam o terceiro setor encontram-se disseminadas em códigos e leis esparsas, desencadeando choques de legislação, gerando muita discussão no Poder Judiciário e, por via reflexa, uma grande insegurança jurídica na aplicação dessa legislação. O anteprojeto de estatuto do terceiro setor buscou ordenar e sistematizar diretrizes, princípios e regras jurídicas essenciais que, em seu conjunto, visam regulamentar as organizações e as atividades desenvolvidas pelo terceiro setor, conferindo a esse segmento reconhecimento, identidade e segurança jurídica.
Cumpre afirmar que foi respeitada a legislação pretérita, não tendo sido propostas revogações legislativas em massa, pois a existência de disciplinas especiais é e sempre será inevitável nessa área, uma vez que o terceiro setor corresponde a uma esfera de entidades e de atividades que têm sua origem e destino na própria sociedade civil. O estatuto do terceiro setor não deve ser encarado como o único diploma legislativo a disciplinar o segmento, mas como o principal diploma legislativo, o qual, por suas características aglutinadoras e principiológicas, passará a representar o núcleo central do marco regulatório do terceiro setor no país. O anteprojeto de estatuto de terceiro setor há de ser assimilado como um ponto de partida para um amplo debate nacional sobre a importância de um marco regulatório mais adequado a esse segmento. Encampado pelo Ministério da Justiça, recomenda-se que o anteprojeto seja discutido por meio de processo de consulta pública.

Legalizar o terceiro setor significa reconhecer que foi atingido o ponto em que se torna absolutamente obrigatória a atualização, ordenação e sistematização das principais regras jurídicas do terceiro setor, justificando-se, assim, a edição de um estatuto do terceiro setor, quiçá nos moldes propostos pelo Instituto Probono ao Ministério da Justiça.