A Reforma Tributária, introduzida pela Emenda Constitucional nº 132/2024, traz consigo objetivos amplos e ambiciosos, com foco na correção de problemas estruturais do sistema tributário brasileiro. Entre esses objetivos estão a simplificação do sistema, a redução da litigiosidade, o combate à guerra fiscal entre os entes federativos, a desoneração das exportações e o fomento à economia. No entanto, a análise dos
impactos dessa reforma em setores específicos, como o marítimo, é crucial, especialmente em relação aos regimes aduaneiros e tributários especiais, como o Repetro-Sped, o Registro Especial Brasileiro (REB) e o Drawback, que são essenciais para a competitividade e sustentabilidade operacional da indústria.
A mudança mais significativa trazida pela reforma é a implementação do modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) Dual, composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Esses dois impostos surgem em substituição a uma série de impostos complexos e sobrepostos, sendo eles o ISS, o ICMS, o PIS, a Cofins e parte do IPI. O IBS, de competência estadual e municipal, e a CBS, de competência federal, unificam as bases de cálculo e as regras de não cumulatividade, com o objetivo de eliminar distorções e a cumulatividade, que historicamente sobrecarregam as cadeias produtivas brasileiras.
Nesse sentido, essa simplificação busca um sistema mais justo e menos oneroso, promovendo maior previsibilidade tributária e reduzindo os custos de conformidade fiscal. A criação do Imposto Seletivo (IS), por sua vez, introduz um tributo com caráter extrafiscal, incidindo sobre produtos que impactam negativamente a saúde e o meio ambiente, como combustíveis fósseis e tabaco, e tem o objetivo de desestimular a produção e o consumo desses bens.
Apesar das vantagens apresentadas pela reforma no campo da simplificação, é preciso atentar para os efeitos que ela poderá ter sobre os regimes aduaneiros especiais, essenciais para setores estratégicos como o marítimo. Com efeito, a manutenção de determinados regimes se demonstra essencial para a manutenção da competitividade das operações ligadas ao comércio exterior e à indústria naval, o que está diretamente interligado pelas novas regras fiscais. Entre os regimes especiais em discussão estão o Repetro-Sped, o Registro Especial Brasileiro (REB) e o Drawback, que desempenham papéis centrais na
desoneração fiscal de atividades ligadas ao petróleo, gás, construção naval e exportações.
Nesse sentido, está em discussão no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar no 68/2024, que regulamenta as alterações promovidas pela reforma tributária, dispõe sobre a instituição do IBS e CBS e estabelecendo os regimes aduaneiros e tributários especiais. Em análise do projeto, nota-se que foram apresentadas apenas diretrizes gerais para a concessão dos regimes especiais, todos com alguma modalidade de suspensão do IBS e da CBS na importação de mercadorias.
Nesse sentido, o PLP apresenta 5 categorias de regimes aduaneiros especiais: trânsito; depósito; permanência temporária; aperfeiçoamento; e aplicável ao setor de petróleo (Repetro).
O regime de permanência temporária, previsto no referido projeto de lei complementar, é equivalente
ao regime aduaneiro especial já existente de admissão temporária, atualmente regulado pela IN RFB no 1.600/2015, o qual se divide em duas categorias: admissão temporária com suspensão total dos tributos incidentes na importação e admissão temporária para utilização econômica, que suspende parcialmente os tributos. Desse modo, é estabelecida a isenção do IBS e da CBS nessas modalidades de importação e, no que diz respeito à exportação temporária e à reimportação de bens previamente exportados temporariamente, os benefícios seguem as mesmas regras da importação de bens.
No tocante ao Repetro-Sped, atualmente o regime é regulamentado pela Instrução Normativa RFB nº 1.781/2017, e beneficia a indústria de petróleo e gás ao permitir a suspensão de tributos como IPI, II, PIS, Cofins, AFRMM e ICMS, sobre a importação temporária ou definitiva de bens voltados à exploração e produção de petróleo e gás natural. Com previsão de vigência até 31 de dezembro de 2040, o Repetro desempenha um papel estratégico na redução de custos operacionais das empresas do setor de óleo e gás e atrai investimentos.
O PLP nº 68/2024 propõe manter o Repetro com algumas inovações e subdivisões. Entre as modalidades já conhecidas estão o Repetro-Temporário, o Repetro-Permanente e o Repetro-Industrialização, mas o PLP introduz também novos formatos, como o GNL-Temporário, que abrange a importação de bens destinados às atividades de transporte e armazenamento de gás natural liquefeito;
o Repetro-Nacional, que trata da aquisição do produto final do Repetro-Industrialização; e o Repetro-Entreposto, que envolve a importação ou aquisição no mercado interno de bens para conversão ou construção de outros bens no país, com destino às atividades do Repetro-Temporário.
Desse modo, no atual contexto da reforma, a expectativa é que o Repetro-Sped seja mantido conforme os termos atuais, sem alterações significativas na vigência ou nas suas modalidades de aplicação. No entanto, o projeto traz também novas exigências, como prazos mais rígidos para a destinação de bens importados e a imposição de multas para o descumprimento de obrigações acessórias, o que pode gerar incertezas e dificultar o planejamento de longo prazo das empresas que operam no setor de petróleo e gás.
Outro regime aduaneiro de grande relevância para o setor marítimo é o REB (Regime Especial
Brasileiro), criado para fortalecer a indústria naval brasileira, oferecendo incentivos fiscais
para a construção, manutenção e modernização de embarcações em estaleiros nacionais.
Os benefícios fiscais incluem a suspensão do IPI sobre a aquisição de insumos e mercadorias incorporadas às embarcações, além da redução das alíquotas de PIS/Cofins para a importação de peças e partes. O REB também equipara a venda de embarcações registradas no regime à exportação, o que facilita o acesso ao mercado internacional e reduz a carga tributária sobre as empresas do setor.
Contudo, com as mudanças impostas pela reforma tributária, o PLP nº 68/2024 não inclui a manutenção do REB, nem a criação de um novo regime equivalente, o que pode representar um retrocesso para a competitividade da indústria naval brasileira. A extinção ou modificação desse regime pode resultar em um aumento significativo dos custos para a construção e modernização de embarcações, o que prejudicaria a capacidade de concorrência da indústria naval no mercado global.
No âmbito do Drawback, trata-se de regime amplamente utilizado por exportadores, proporcionando
a suspensão ou eliminação de tributos para insumos utilizados na produção de bens destinados à exportação. A Lei nº 14.440/2022 modernizou o Drawback ao incluir a suspensão de tributos para serviços relacionados à exportação, como transporte marítimo, o que representou um avanço significativo para as operações do setor.
O regime de aperfeiçoamento contemplado no PLP inclui expressamente o drawback suspensão, sendo valido para mercadorias importados e para bens já nacionalizados. No entanto, a reforma tributária não contempla, de forma detalhada, o tratamento das demais modalidades de Drawback, como Drawback isenção e restituição.
Desse modo, há previsão de suspensão do IBS e da CBS para determinados serviços adquiridos sob o regime de aperfeiçoamento, similar ao drawback aplicado a serviços, no entanto, a especificação de quais serviços serão adimplidos pode limitar a viabilidade desse regime para alguns setores da economia, como o marítimo, em razão da concorrência com o mercado internacional.
Nota-se, com isso, que a ausência de regulamentação clara sobre a continuidade ou adaptação dessas modalidades pode criar incertezas para as empresas que dependem desses incentivos para suas operações exportadoras, impactando a previsibilidade de suas atividades e aumentando os custos tributários no médio e longo prazo.
Nesse contexto, observa-se que a reforma tributária introduz mudanças de ampla magnitude no sistema fiscal brasileiro, com o objetivo de simplificação e modernização. No entanto, no que tange aos regimes especiais, a regulamentação ainda se encontra em estágios iniciais, o que exige especial atenção do setor marítimo que depende desses regimes para garantir a viabilidade de suas operações.
A manutenção integral do Repetro-Sped no PLP nº 68/2024 representa um importante avanço para a indústria de óleo e gás natural, pois assegura a competitividade das operações frente ao mercado internacional. Contudo, a ausência de regulamentação completa sobre todas as modalidades do regime Drawback e, especialmente, a omissão quanto à implementação do Registro Especial Brasileiro (REB) podem trazer significativos impactos negativos aos operadores de comércio exterior. Isso se dá porque tais regimes são instrumentos fundamentais para o estímulo à indústria naval e ao comércio marítimo, sendo cruciais para a manutenção da competitividade brasileira no setor.
Além disso, destaca-se falta de uma regulamentação mais detalhada no próprio PLP em relação à aplicação desses regimes durante o período de transição, bem como a definição das modalidades para a extinção dos regimes. Esse ponto merece atenção, em razão da ausência de diretrizes claras para o amparo dos regimes, o que cria lacunas que comprometem a sua plena funcionalidade, podendo gerar um cenário de insegurança jurídica e incerteza para os operadores, especialmente no que tange ao planejamento estratégico das empresas.
Diante desse cenário, torna-se indispensável a promulgação de normas complementares que assegurem
a continuidade dos regimes especiais, ou que estabeleçam novas alternativas capazes de manter
os incentivos fiscais essenciais ao setor, visando preservar a competitividade da indústria naval e do
setor marítimo brasileiro no cenário global.
Com efeito, a adaptação desses regimes para contemplar as operações já em vigor, ou a criação de alternativas que garantam incentivos fiscais adequados, será decisiva para que a reforma tributária atinja seus objetivos sem causar prejuízos a setores econômicos estratégicos, como o marítimo. Assim, a regulamentação complementar, prevista para ser instituída por meio de legislações ordinárias que detalhem os regimes especiais, será essencial para o futuro dessas medidas e para a preservação da competitividade da economia brasileira no cenário internacional.
Fonte: InVerbis. Edição nº56