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Clippings - 03/12/21

Agentes veem espaço para novos modelos de abastecimento de bunker no Brasil

Arquivo/Divulgação Bunker One

Empresas citam vantagens de implementação do modelo ‘Ex-Wharf’, adotado em hubs mundiais, para comercialização e fornecimento de combustíveis marítimos em portos nacionais.

Analistas e armadores avaliam que seria importante se o mercado de bunker brasileiro pudesse alcançar as facilidades existentes em outros portos internacionais, em busca de uma maior eficiência operacional com redução de custos. A análise feita por especialistas é que existe espaço para desenvolvimento do mercado nacional e atração de novos players, o que passa por mais segurança jurídica para novos investimentos. Eles destacam que em portos como Roterdã, Cingapura e Houston é comum empresas oferecerem entre as alternativas de fornecimento o modelo de comercialização ‘Ex-Wharf’, em que o produto, após ser vendido pelo fornecedor para os revendedores, é entregue nas barcaças desses players, que então passam a ofertar o combustível aos armadores.

Alguns armadores alegam, de forma reservada, que a Petrobras costuma ter menos flexibilidade com os clientes quando um navio chega fora do dia agendado para o abastecimento, mesmo que por diferença de minutos ou algumas horas ao contratado. O entendimento de analistas desse mercado é que mais players comercializando dão mais alternativas ao armador, que passa a ter maior poder de barganha maior como comprador. Eles acreditam que, caso fosse adotado o ‘Ex-Wharf’, grandes distribuidores teriam interesse em alugar barcaças e passar a comprar da Petrobras direto no terminal marítimo. A estratégia das tradings de compra ‘hedgeada’, por sua vez, permitiria que elas oferecessem preços melhores.

No Brasil, as embarcações são abastecidas por óleo combustível (bunker) ou por óleo diesel marítimo. O primeiro, de coloração escura, é um dos últimos produtos obtidos no processo de refino. De característica residual, ele é utilizado nos motores de combustão principal de navios, responsáveis pela propulsão dessas embarcações. Já o óleo diesel marítimo, de coloração clara, é utilizado nos motores de embarcações menores. No passado, era muito utilizado nos motores de combustão auxiliares (MCA) de navios para geração de energia a bordo. Com a modernização da frota mundial, a maioria dos navios é capaz de gerar energia em seus motores auxiliares utilizando óleo combustível marítimo em substituição ao óleo diesel, uma vez que o segundo possui custo superior ao primeiro.

A Petrobras é a principal produtora dos dois tipos de combustíveis marítimos e tem a exclusividade da distribuição. A empresa carrega as barcaças nos terminais da Transpetro, sua subsidiária, e entrega os produtos diretamente aos navios, independentemente da venda ter sido efetuada para o armador ou revendedor. A venda do do combustível marítimo de caráter residual ocorre através de um departamento próprio de comercialização de bunker, onde a Petrobras vende os produtos aos armadores diretamente, ou através de revendedores, responsabilizando-se pela entrega. O produto é entregue diretamente às embarcações, através de uma frota de barcaças ou pequenos navios-tanque terceirizados, sem passar pelas instalações do revendedor, quando este é o comprador. Esta modalidade de entrega é conhecida como ‘delivered’ — quando o produto é entregue diretamente na embarcação para consumo próprio.

A exemplo do que ocorre com outros derivados, como gasolina e diesel rodoviário, a Petrobras, através de outro departamento comercial, vende o óleo diesel marítimo para distribuidoras, através de cotas pré-aprovadas por modais previamente estabelecidos de acordo com os pólos de comercialização. Esta transferência pode ser feita, por exemplo, através de caminhões-tanque ou por meio de transferência entre tanques. A partir daí, as empresas distribuidoras homologadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) se encarregam de distribuir o diesel marítimo através de logística própria de entrega.

O mercado internacional de bunker, além de praticar a modalidade “delivered”, adota o modelo de comercialização “Ex-Wharf”, onde o produto após ser vendido para revendedores é entregue nas barcaças desses players, os quais então passarão também a ofertar o combustível aos armadores. Nesse caso, o produtor tem a opção de vender diretamente ao armador, cuidando da entrega através de sua frota de barcaças — próprias ou alugadas — ou para revendedores que farão a venda final.

Jorge Lourenço, da JL Maritime Consulting, acredita que o modelo beneficia armadores, uma vez que lhes faculta a escolha do melhor fornecedor, gerando reduções de custos na compra do combustível e beneficia a economia local, fomentando aumento de emprego, pois permite a entrada de novos players no mercado. Ele explicou que muitos desses players possuem presença global em inúmeros portos do mundo, sendo considerados pelos armadores, fornecedores fiéis onde estiverem fisicamente estabelecidos.

Lourenço disse que, mesmo o produto tendo a mesma origem, é possível aumentar a competitividade no setor. O consultor acredita que, como a compra por parte do revendedor é feita para entrega futura, a própria volatilidade do mercado, quando apresenta alta da cotação do petróleo, e consequentemente do bunker, cria a possibilidade de que outros players reduzam suas margens, gerando um ambiente competitivo ao mercado. Outra estratégia de mercado usada por compradores de produto para venda futura é a proteção através da operação de ‘hedge’, permitindo ao comprador oferecer um preço mais competitivo em função do ganho nas operações de derivativos, especialmente em situações de queda da cotação do petróleo.

“Esse modelo beneficia armadores, uma vez que lhes faculta a escolha do melhor fornecedor, gerando reduções de custos na compra do combustível e beneficia a economia local, fomentando aumento de emprego, pois permite a entrada de novos players no mercado”, observa. Lourenço acrescentou que muitos desses players possuem presença global em inúmeros portos do mundo, sendo considerados pelos armadores, fornecedores fiéis onde estiverem fisicamente estabelecidos.

Para o presidente da Bunker One, Flávio Ribeiro, o crescimento do mercado brasileiro passa por haver segurança jurídica para que empresas sérias entrem num segmento de alto risco e complexidade. Ele ressaltou que o propósito do estabelecimento do negócio é a perenidade com crescimento sustentável. “O mercado no Brasil tem uma complexidade que muito pouca gente se lança no risco de uma operação como essa, pois nem consegue entender a dinâmica do mercado. Um cenário com mercado mais estruturado é bom para todo mundo”, disse Ribeiro, que também preside a Associação Brasileira de Abastecimento de Bunker (Abrabunker), criada em 2019.

A Bunker One atua como fornecedora de diesel marítimo, comprando o produto de distribuidoras, fazendo sua logística e abastecendo embarcações. A estrutura global do grupo dinamarquês movimenta entre 12% e 15% do comércio de bunker (VLFSO e diesel marítimo), dependendo do segmento de atuação. “Temos posição de liderança, mesmo nos mercados onde operamos com alto grau de competitividade. Somos contrários a barreiras de entrada, queremos criar um mercado que exista para poder crescer”. disse Ribeiro

Atualmente, Cingapura e Roterdã representam os dois maiores mercados de bunker do mundo. Ambos adotam o modelo de venda “Ex-Wharf”. Em 2020, Cingapura comercializou aproximadamente 50 milhões de toneladas de bunker, de acordo com a autoridade portuária e marítima local (Maritime and Port Authority of Singapore – MPA).

Para Lourenço, da JL Maritime Consulting, a possibilidade de comprar o combustível a preço mais competitivo e de desenvolver relacionamento comercial com empresas distribuidoras distintas, que possam ser mais flexíveis, como na concessão do crédito ou no relacionamento pós-venda, em caso de falhas operacionais ou de qualidade, trariam ganhos significativos aos armadores nacionais. Ele entende que o armador nacional de cabotagem seria um dos grandes beneficiados caso esse modelo viesse a ser adotado, uma vez que o crescimento da cabotagem esbarra em inúmeros entraves estruturais.

Os armadores de cabotagem reivindicam essa alternativa para o mercado brasileiro, desde que o óleo oferecido tenha uma procedência de qualidade ISO garantida por um fornecedor confiável. Na visão da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac), o modelo ‘Ex-Wharf’ poderia ampliar a flexibilidade de abastecimento no Brasil, sobretudo em casos de atraso na entrega ou quando o navio sofre algum atraso na chegada ao porto. Por exemplo, em Vitória (ES), onde não há mais fornecimento e é uma área estratégica para os armadores.

O principal benefício para as empresas brasileiras de navegação (EBNs) que operam na cabotagem em caso de adoção desse modelo seria não precisar pagar custos extras com atracação, rebocadores, praticagem, entre outros itens, para entrar num porto para abastecer. A Abac também acredita que a chegada de novos players no mercado brasileiro de refino pode influenciar a oferta do modelo ‘Ex-Wharf’ para a distribuição de combustíveis marítimos no país, a partir do aumento da concorrência, se com a qualidade e origem do óleo fornecido.

A avaliação das EBNs é que a Petrobras provavelmente não teria prejuízo, uma vez que continuaria a vender seus produtos a ‘revendedores’ interessados em vender para os armadores. Caso a Petrobras adotasse o ‘Ex-Wharf’, grandes distribuidores de combustíveis marítimos teriam interesse em alugar barcaças e passar a comprar da companhia direto no terminal marítimo, dependendo da logística de cada lugar para o fornecimento do óleo.

Lourenço, da JL Maritime Consulting, considera que a adoção desse modelo não traria prejuízos à Petrobras pois, uma vez que a venda “Ex-Wharf” fosse realizada, a empresa não reduziria suas vendas, substituindo apenas parte da comercialização ‘delivered’ por ‘Ex-Wharf’, beneficiando-se também da inexistência do custo do transporte marítimo contratado para entrega do produto.

O diretor da Minerva Bunkering — braço de bunker da Mercuria Energy Trading, Álvaro Azevedo, observa que o modelo ‘Ex-Wharf’ é utilizado em mercados desenvolvidos, com algumas dezenas de fornecedores, como Cingapura, Roterdã e Houston. Ele reforçou que nesse modelo o produtor minimiza o risco de crédito, vendendo para distribuidoras e trabalhando com garantias, de forma a aumentar o potencial de venda do mercado e a fortalecer o lado do cliente, que terá mais possibilidades. No Brasil, existem clientes que preferem comprar de uma distribuidora que da Petrobras para ter um serviço diferenciado. Para Azevedo, mais empresas participando aumenta a transparência, a competitividade e a sofisticação do mercado.

Recentemente, a Petrobras vendeu a Refinaria Landulpho Alves (RLAM), para o fundo árabe Mubadala. Há informações de que, com a venda da refinaria, a Petrobras interromperá a venda de bunker a partir de Salvador. O mercado ventila a possibilidade de o Mubadala passe a comercializar o bunker na modalidade de entrega ‘Ex-Wharf, de modo a seguir a prática internacional. Azevedo, da Minerva, vê um grande potencial não explorado que tende a mudar a partir da venda das refinarias, porém não da noite para o dia. Ele lembrou que, por conta do abastecimento de óleo combustível ter sido monopólio por muito tempo, não foram criados terminais para bunker fora do sistema Petrobras-Transpetro.

Azevedo acrescentou que a venda de refinarias da Petrobras gradativamente pode diversificar o mercado estagnado há mais de 10 anos em aproximadamente cinco milhões de toneladas — volume cativo fornecido para navios de longo curso e cabotagem. Azevedo ponderou que nos portos do Sudeste, Rio de Janeiro e Santos, a Petrobras continuará com monopólio. “As coisas vão mudar por conta da venda de refinarias. Para o mercado de bunker é uma excelente notícia, mas deveria ter ocorrido há muito tempo. Não são todos navios que chegam aqui e pegam bunker”, analisou.

Fonte: Revista Portos e Navios