– Com o avanço da chinesa CRRC sobre o mercado de trens brasileiro, a francesa Alstom, que tem fábrica em Taubaté (SP), afirma que a competição nem sempre tem sido justa no Brasil e pressiona o governo de São Paulo por regras de conteúdo local nos leilões. O grupo se prepara para disputar a concessão das linhas 10 e 14 da CPTM, que deverá ser licitada em 2026 – com a participação dos chineses na disputa.
“Às vezes, sentimos que a competição não é justa. Se você olhar o que os chineses fizeram, dos 112 trens que venceram nos últimos dois, três anos, muito poucos serão produzidos localmente. A maioria será importada. Nos perguntamos se de fato o governo quer favorecer a indústria local”, afirmou Bernard Peille, diretor-geral da empresa na América Latina, ao Valor.
“A competição é totalmente justa, mas somente se todos jogarem com as mesmas regras. Por exemplo, o Brasil importa trens da China, mas não pode exportar trens para a China. Esse é o tipo de injustiça que está acontecendo”, disse.
Procurada pela reportagem, a CRRC não respondeu.
Peille afirma que a Alstom tem pedido regras de conteúdo local nas licitações, além de medidas para que a tributação dos trens produzidos no país não seja superior à dos importados. “Estamos tentando ter algo mais vantajoso para brasileiras. Precisamos do governo para nos apoiar.”
O grupo, que é francês, está no país há 17 anos e, em 2015, investiu em uma nova fábrica em Taubaté. Segundo o executivo, a produção no Brasil tem 50% de seus fornecedores localmente.
Porém, regras de conteúdo local não estão sob cogitação, disse o secretário de Parceria em Investimentos de São Paulo, Rafael Benini. Ele afirmou que o governo prioriza reduzir o gasto do Estado, e que o custo mais elevado dos trens é pago pela população.
“A política de conteúdo local traz ineficiências econômicas. O que traz empresas para cá [Brasil] é criar uma demanda constante, é o que estamos fazendo.”
Em relação à CRRC, Benini afirmou que a chinesa está instalando uma planta em Araraquara (SP), e que o grupo chinês, por conta do financiamento com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), terá que cumprir regras de nacionalização da produção, mas de forma gradual.
Hoje, a fábrica da Alstom está em plena atividade, com quatro projetos em produção, porém, apenas um é local: o da Linha 6-Laranja de São Paulo. Os demais são de exportação, para a linha 7 de Santiago do Chile, o metrô de Bucareste e o metrô de Taiwan. Segundo Peille, isso é um problema. “Há muita exportação, não há produção local suficiente. Mas, com os projetos [de compra de novos trens] que virão, esperamos voltar a atender o mercado brasileiro.”
Hoje, além do leilão das linhas 10 e 14 do governo paulista, o grupo mira o contrato de fornecimento de trens para a extensão da linha 6 em São Paulo.
Caso não haja uma renovação do portfólio local, o executivo diz que a estratégia da Alstom no Brasil poderá ser revista. “As políticas e regras precisam ajudar. Se não há apoio nenhum, fica extremamente difícil, porque sabemos como funciona a concorrência com a China, os preços são super rebaixados.”