Como se sabe, a todo momento há encontros inúteis, ou quase. São eventos de pouca expressão, que servem apenas para movimentar o noticiário. O humorista Millor Fernandes afirma que as conferências servem…para se marcar outras conferências, criando um ciclo virtuoso, com muitas notícias, muitas viagens, diárias e gastos.
Mas há exceções à regra. A diretoria da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) está apostando muitas fichas no encontro que será promovido nos dias 12 e 13 de agosto, em Brasília: o Seminário Sobre Desenvolvimento da Cabotagem Brasileira. Os próprios diretores da Antaq têm conclamado entidades de classe e empresários de todo o país a participarem, seja com teses ou mesmo com a simples presença.
O diretor-geral, Fernando Fialho e o diretor Murillo Barbosa querem por, frente a frente, empresários que defendem teses divergentes o que, se persistir, acaba dificultando a expansão do setor. O sentimento dos dirigentes da Antaq, especialmente do diretor Barbosa, é o de que a cabotagem vinha crescendo muito, e, mesmo em 2009, não deverá sofrer queda, embora a expansão vá ser arrefecida, por razões óbvias – mas, para o futuro próximo, poderá subir como um fogute; isso, caso não seja bloqueada por fatores menores, como questões portuárias, fiscais – há problemas com ICMS de cargas movimentadas pelo mar – e logísticas.
Um dos grandes problemas do setor foi resolvido: os navios da Mercosul Line agora estão regularizados; a Aliança tem a mais expressiva frota do segmento e a Login está apressando o recebimento de seus sete navios junto ao estaleiro Eisa, do Rio. E fala-se na entrada do grupo Triunfo na cabotagem de carga geral/containeres. Em granéis, a participação da Norsul é intensa, com empurradores e navios-barcaças transportando grande quantidade de cargas. E, no Sul e no Norte, o transporte hidroviário é uma presença marcante, embora cheio de problemas e reivindicações específicas.
Estaleiros mantêm otimismo
Nos últimos meses, houve mais notícias em jornais do que efetivos contratos com estaleiros. O Sindicato da Indústria da Construção Naval (Sinaval) tem perspectiva de fechar, nos próximos anos, contratos para 338 obras – entre navios, barcos de apoio, plataformas, navios-sonda etc – no valor estratosférico de US$ 1 trilhão. As obras atuais são bastante relevantes: nada menos de 144 contratos estão em vigor.
É claro que algumas plataformas e navios-sonda poderão ir para o exterior e algumas encomendas de navios podem não se efetivar, mas, mesmo assim, as perspectivas do setor são excelentes. Só de plataformas, o total deverá ser de 40 e o número de barcos de apoio poderá superar 200, em função da demanda da nova região petrolífera conhecida como Pré-Sal.
Não é à toa que há inúmeros estaleiros novos anunciados para o Rio de Janeiro, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e outros estados, com investidores de China, Coréia e outras origens. Tudo indica que, mesmo em caso de alguma frustração, os números ainda serão significativos.
Há muitos atrasos, causados pela sistema Petrobras. A encomenda de 24 barcos de apoio, com licitação iniciada em outubro passado, em geral decidida em três meses, está prestes a completar um ano. Mais do que a CPI, o que gerou atraso foi a falta momentânea de recursos da Petrobras, no início do ano, com a queda no preço do barril do petróleo, o que a levou a lançar bônus no exterior, tomar crédito de CEF e BNDES e adotar adiamento drástico de despesas. O projeto de se fazer aluguel antecipado de navios de petróleo, pelo qual encomendas aos estaleiros seriam feitas por privados, foi adiado de junho para agosto e poderá representar 19 embarcações.
No caso da Transpetro, para a fase I, faltam os navios de gás, em razão de atrasos do novo grupo que assumiu o estaleiro Itajaí e, para a fase II, estaleiros negociam detalhes com a estatal. A Transpetro quer que os estaleiros criem subsidiárias para cada projeto e os estaleiros alegam que, por lei, não pode haver mais de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) em cada endereço.
Política de Lula
O presidente do Sinaval, Ariovaldo Rocha, credita a Lula o sucesso da recuperação da construção naval. E, nesse caso, não há dúvidas. O ex-metalúrgico mandou que fossem feitas no Brasil obras bilionárias de plataformas e deu início ao plano de modernização da frota da Transpetro. Pouca gente sabe que a frota da Transpetro tem média de idade de 19 anos e praticamente só é usada na cabotagem e Mercosul e, mesmo assim, é insuficiente para atender à demanda. Nas viagens para fora do Brasil, praticamente não há navios brasileiros envolvidos, sendo tudo feito com unidades afretadas – que implicam menos trabalho para marítimos, para estaleiros nacionais e geram pagamento de divisas, em moeda forte, ao exterior.
Se, em geral, o governo Lula é altamente criticável – por envolvimento com mensalão, defesa de Renan Calheiros, Collor e Sarney, ampliação do gasto público, manutenção de um ministério com quase 40 membros – na construção naval o governo Lula tem de ser elogiado, pela perseverança na geração de obras e empregos.
Em termos de navegação – excluído o esforço em granéis líquidos – tudo continua igual. O preço de compra de navio é razoável, graças ao Fundo de Marinha Mercante, mas o custo de operação permanece mais do dobro dos concorrentes, o que faz com que o Brasil não disponha sequer de um navio porta-containeres em águas internacionais.
Mesmo diante de alguns atrasos em encomendas, o presidente do Sinaval, Ariovaldo Rocha, mantém o entusiasmo. Afirma que a política do governo federal está certa em privilegiar os estaleiros. Diz que o Fundo de Marinha Mercante (FMM) dispõe de R$ 5 bilhões para aplicar, que a Medida Provisória 462 resolveu o problema das garantias e que o setor já tem 144 obras em pleno andamento.
– Hoje somos o quinto do mundo na construção de embarcações do tipo Suezmax e temos a primeira carteira do mundo na construção de embarcações de apoio – comentou Rocha.
Atualmente, diz, o parque naval brasileiro conta com cerca de 25 estaleiros e tem capacidade para atender a demanda. O Rio de Janeiro, que reponde, atualmente, por 40% da produção, também responde por 55% da geração de empregos do setor. Em breve, haverá descentralização, pois o Sermetal, do Rio, cederá ao Atlântico Sul, de Pernambuco, a honraria de ser o maior estaleiro do país.
Em relação à briga com as usinas de aço, Rocha afirma que a questão não é política nem estrutural, apenas uma questão de acerto comercial, que um dia deverá ser resolvida. Os estaleiros alegam que o preço do aço no mercado interno é superior ao exportado pelas usinas brasileiras, enquanto as siderúrgicas afirmam que as encomendas do setor são sempre irregulares. O aço responde por 20% do custo da embarcação.
Bastidores
Há algumas informações que não podem ser confirmadas. São os informes, segundo os estrategistas ou fofocas para os leitores. Afirma-se que a área do antigo estaleiro Caneco, no Caju, na Zona Norte do Rio, ainda depende de autorização judicial para ser reutilizada, por novo grupo e com novo nome. O estaleiro fez história em mãos da família de Arthur João Donato, que presidiu a Federação das Indústrias do Rio por 16 anos.
Em reparos navais, os poucos estaleiros nacionais que operam na atividade estão cheios, mas queixam-se da perda de contratos para concorrentes argentinos, a quem acusam de não cumprir totalmente regras ambientais e de proteção ao homem. No Brasil, o jateamento é todo feito com água, enquanto, na Argentina, ainda se usa a areia, recriminada porque em parte pode ser aspirada pelos trabalhadores.
Um estaleiro de reparos, no Rio, alega ter feito um serviço para uma empresa e não ter recebido a conta integralmente, o que lhe gerou perda de alguns milhões de reais. Como a empresa não foi identificada, não se pode saber o que realmente aconteceu.
CSA opera em dezembro
Em meio a uma forte crise econômica mundial, que abalou o consumo de aço, o grupo Thyssenkrupp teve de se deparar com um outro problema durante a construção da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), na Zona Oeste do Rio. De forma inesperada, o homem que recebeu a missão de tocar a obra morreu no vôo 477 da Air France. Mas tudo está sendo superado. No lugar do saudoso sul-africano Erich Heine assumirá, nos próximos dias, o alemão Niclas Müller, de 45 anos. casado e pai de três filhos.
A obra é a maior do hemisfério Sul e possivelmente o maior empreendimento privado do mundo – pois grandes projetos na China sempre têm o dedo estatal. Hoje, trabalham 30 mil pessoas na construção da CSA e, no fim do ano, a empresa será inaugurada. Estará apta a produzir 5 mil toneladas anuais de chapas de aço, todas para consumo do próprio grupo: 60% nos Estados Unidos e 40% na Alemanha. Na usina, trabalharão 3.500 homens. A empresa ocupa área de 9 km quadrados, em Santa Cruz – o que equivale a duas vezes a área somada de Ipanema e Leblon. Embora nas proximidades se situe o porto de Itaguaí e haja novos terminais na prancheta, os alemíes decidiram ter seu próprio pier, uma estrutura que avança pelo mar e permitirá a chegada de carvão importado e a exportação de aço, sem intermediários.
Novo capitão
Como se esperava, teve de se cancelado o almoço da comunidade marítima do Rio a Lina Vieira, pois ela saiu do comando da Receita Federal. O próximo almoço marcado é dia 28, para se conhecer o novo capitão dos Portos, Nilo Moacyr Penha Ribeiro.
Lixo e tudo mais
Opinião de um consultor portuário: se o Brasil recebe lixo europeu por containeres, tudo pode acontecer. Desde chegada de drogas e armas a exportações irregulares. O sistema de análise do conteúdo dos containeres está sob fogo cruzado.
Crítica ao decreto
Elias Gedeon, diretor-geral do Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave), fez crítica ao decreto 6620, que pretendeu regular a questão portuária nacional. Segundo ele, o decreto se tornou uma barreira a novos investimentos: Criado com o declarado intuito de incentivar investimentos portuários, a partir da regulamentação da Lei dos portos, o decreto tem, na verdade, cerceado o desenvolvimento do setor. O principal óbice diz respeito à imposição de licitação pública para qualquer projeto privado que tenha por objeto a movimentação de cargas.
Para Gedeon, a obrigatoriedade de licitação foi estendida a áreas particulares, o que significa, para ele, que o Estado está licitando patrimônio privado, numa curiosa inovação legal que, certamente, potencializará intrincados conflitos judiciais – algo que só contribui para aumentar o chamado custo Brasil. Com a palavra, ministro Pedro Brito, dos Portos.
Alemíes e franceses
A imprensa publicou que o Brasil poderia economizar com submarinos alemíes em vez de franceses. A propósito, o Ministério da Defesa acaba de divulgar nota oficial, na qual considera que não se pode comparar o modelo alemão IKL-214 da HDL com o frances Scorpène.
Diz o Governo brasileiro: A proposta alemí era apenas para a construção de dois submarinos convencionais (propulsão diesel-elétrica), sem evolução para um submarino de propulsão nuclear, pois a Alemanha não os produz (detém zero por cento deste mercado). Também não haveria transferência de tecnologia de projeto, nem de manutenção, mas apenas de construção, e de forma limitada. Já a proposta francesa, da DCNS, inclui a construção, no Brasil, de quatro submarinos convencionais Scorpène, que servirão para a capacitação do País no desenvolvimento de um submarino com propulsão nuclear.
Os alemíes queriam aproveitar o Arsenal de Marinha, enquanto a idéia atual é a de fazer um novo estaleiro em Itaguaí (RJ), o que gerará um custo total de R$ 20 bilhões. Um ponto estranho é que a nota oficial declara que foi a estatal francesa DCNS que escolheu a parceira Odebrecht quando, como quem irá desembolsar o vultoso pagamento será a nação brasileira, o melhor seria licitar a obra, para não se correr o risco de se beneficiar um grupo. Afinal, o Brasil tem várias empresas de nível técnico comparável ao da Odebrecht. (Por Sérgio Barreto Mota)