A utilização de práticas reconhecidas pela indústria certamente resultará em atração de investimentos estrangeiros
As recentes descobertas de grandes reservas de petróleo e gás na camada pré-sal em águas profundas da costa brasileira colocaram em debate no Brasil alguns dos pontos mais interessantes da regulação da indústria do petróleo, dentre eles o tratamento a ser dado às áreas adjacentes, consideradas, neste artigo, aquelas áreas para as quais se estendem as jazidas de petróleo e gás já descobertas, mas cujos direitos de exploração e produção ainda não foram concedidos pela União Federal.
O desenvolvimento de reservas de petróleo e gás em águas profundas implica em diversas dificuldades técnicas, além de imensos investimentos de capital por parte das empresas envolvidas, muitas vezes financiados por instituições financeiras internacionais.
Por essa razão, o planejamento das operações de exploração e produção em águas profundas, bem como os contratos comerciais e financeiros consequentes deste planejamento, devem se dar com anos de antecedência, o que vem sendo recentemente agravado pela escassez de equipamentos, serviços e mão-de-obra especializada, resultante do crescimento considerável no volume de operações dessa natureza em todo o mundo.
Esse planejamento se torna ainda mais complexo no caso de unificação das operações, ou seja, no caso em que diferentes áreas regidas por diferentes contratos de concessão e em diferentes estágios do processo exploratório terão suas operações unificadas, o que pode ocorrer em função da extensão da jazida descoberta (unitization), ou até mesmo por conveniência das partes (pooling).
Nesse caso, o planejamento entre as empresas envolve, antes mesmo da ratificação por parte do órgão regulador, a definição de diversos pontos comerciais e técnicos, tais como o escopo das operações unificadas, a eleição do operador, a determinação das participações de cada empresa no projeto, as regras sobre redeterminação das participações e também sobre reembolso dos custos previamente incorridos.
O caso da camada pré-sal é, por esse motivo, extremamente peculiar, já que envolve, em função da sua magnitude, não somente situações de unitization, acima descritas, como também de áreas adjacentes. Nas áreas adjacentes os direitos exploratórios ainda não foram concedidos e, por isso, o processo exploratório ainda não teve início, não se exigindo, necessariamente, a unificação das operações.
Muitas vezes, como parece ser o caso brasileiro, as informações geológicas sobre as áreas adjacentes ainda não estão disponíveis, ou estão incompletas, o que impossibilita a determinação da real extensão da jazida descoberta, dificultando ainda mais a negociação entre as empresas envolvidas e levantando questões sobre a responsabilidade pelos custos de aquisição dessas informações e demais custos referentes à área adjacente.
A regulação das áreas adjacentes é, portanto, um dos pontos cruciais a serem resolvidos para a continuidade das atividades de exploração e produção na camada pré-sal. Ainda que o tema venha sendo discutido de forma ampla no âmbito dos debates sobre a regulamentação da unitização e a reforma do marco regulatório do petróleo, é necessária solução urgente por parte do governo brasileiro ou, ao menos, determinação clara acerca do entendimento do governo sobre o assunto.
Nesse contexto, as melhores práticas internacionais da indústria do petróleo podem se tornar importante ponto de referência para o governo e as empresas na criação de regras que mantenham o desenvolvimento das atividades de exploração e produção e, ao mesmo tempo, que preservem e beneficiem o interesse público. No caso das áreas adjacentes, as melhores práticas internacionais da indústria do petróleo são divididas em quatro alternativas, não necessariamente excludentes, as quais podem ser aplicadas ao caso específico do pré-sal no Brasil, dependendo, contudo, de análise das questões de direito local relacionadas.
A primeira prática, utilizada por países como Argélia, Bolívia e Inglaterra, e prevista também na atual versão do contrato de concessão brasileiro, é a realização de licitação dos direitos de exploração e produção das áreas adjacentes, o que implica na possível entrada de novos investidores nessas áreas e, consequentemente, na celebração de um contrato de unitização para unificação das operações, idêntico ao caso de unitization antes descrito.
A segunda prática, aplicada por países como China, Cazaquistão, Indonésia, Líbia, Nigéria e Estados Unidos, permite às empresas que já são detentoras dos direitos de exploração e produção na área onde a jazida foi descoberta requerer ou negociar com o órgão regulador I) o licenciamento do direito de exploração e produção da área adjacente, ou II) a produção do petróleo existente na área adjacente por meio de exploração dentro dos limites da área já concedida, o que pode se basear em razões técnicas ou comerciais e pode envolver compensação por parte dessas empresas, inclusive com a celebração de um compensatory royalty agreement, que regula a cobrança dos royalties relacionados à produção da área adjacente.
A terceira prática tem resultados similares à segunda, sendo empregada em países como Azerbaijão, Canadá, Curdistão e Noruega. Trata-se da extensão ou ampliação da área do contrato de concessão ou licenciamento já existente para englobar a área adjacente, o que é comumente denominado anexação. Tal alteração do objeto contratual pode envolver compensação por parte das empresas envolvidas, o que pode se dar por meio de pagamento à vista, a ser negociado com o governo, ou por meio de aumento dos royalties aplicáveis à futura produção.
A quarta prática nada mais é do que uma mistura das três primeiras. Em países como Angola, Iraque, Timor Leste e Somália, a legislação confere liberdade discricionária para o órgão regulador decidir a melhor solução para o caso da área adjacente. Sendo assim, cabe ao órgão regulador definir entre: a) organização de uma licitação; b) negociação do licenciamento; ou ainda c) ampliação do objeto do contrato, em conformidade com o interesse público aplicável ao caso específico.
A decisão quanto à adoção de uma ou várias dessas práticas é prerrogativa do governo, mas, qualquer que seja essa decisão, ela deveria ser tomada no espaço de poucos meses, sob o risco de inviabilização do atual cronograma de desenvolvimento e produção. A utilização de uma das práticas reconhecidas internacionalmente pela indústria certamente resultará em maior atração de investimentos estrangeiros. É sempre bom lembrar que a estabilidade do ambiente regulatório é o terceiro fator de maior importância para a atração de investimentos diretos, sendo superado apenas por tamanho do mercado e estabilidade política. A falta de regras do jogo não ajuda em nada os jogadores, nem o árbitro, e muito menos a torcida.
Brian Bradshaw e Giovani Loss, sócio e consultor, respectivamente, de Fulbright & Jaworski LLP, em Houston, Texas.(Fonte: Valor Econômico/Brian Bradshaw e Giovani Loss)