
Segmentos pretendem dialogar com parlamentares para tentar ajustar ou aprofundar temas como licenciamento, questões laborais e modicidade. PL 733/2025 resultou de trabalhos de comissão formada por juristas concluídos em 2024
O projeto de lei 733/2025, que faz modificações na Lei dos Portos (12.815/2013), ainda produzirá discussões em sua tramitação na Câmara dos Deputados. Representantes de terminais identificaram avanços em relação à segurança jurídica dos contratos de exploração e modelo de contratação dos trabalhadores portuários. Entre os autorizatários, porém, há o entendimento que temas como licenciamento ainda podem ser revisitados. Os terminais retroportuários alfandegados temem a ingerência da Antaq além da zona primária. Já alguns representantes de usuários pretendem ampliar o debate acerca das garantias de modicidade de preços e da qualidade do serviço prestado.
O texto, protocolado no último dia 28 de fevereiro, manteve a base do anteprojeto apresentado pela Comissão de juristas para a revisão legal da exploração de portos e instalações portuárias (Ceportos) no final de 2024. A diretriz do PL é que a política setorial, a operação, a exploração, a regulação e a fiscalização do sistema portuário devem seguir princípios como segurança jurídica, regulação equilibrada, intervenção subsidiária e excepcional do Estado na atividade econômica e livre concorrência.
A Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP) destacou que o PL 733/2025 dá mais segurança jurídica para investimentos ao abrir a possibilidade de prorrogação dos contratos de arrendamento, com os arrendatários podendo pleitear até 70 anos de contrato de exploração. O diretor-presidente da ABTP, Jesualdo Silva, explicou que essa mudança não fará automaticamente com que todos contratos sejam renovados por esse período, mas vai retirar uma barreira existente, sobretudo para contratos anteriores ao decreto 9.048/2017. Ele ressaltou que, sendo aprovada, essa regra dependerá da análise do poder concedente e das autoridades portuárias.
O decreto 9.048/2017 introduziu a possibilidade de prazo de até 70 anos para os arrendamentos, considerando aditivos para renovações sucessivas. Um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) limitou a hipótese de concessão desse prazo aos contratos licitados a partir desse decreto. A ABTP verifica que existem contratos em seu prazo inicial, anteriores ao decreto, que não conseguem pleitear aumento do prazo de concessão por conta dessa restrição da Corte de Contas.
A ABTP avalia que o projeto pode endereçar a questão do licenciamento, dando mais celeridade e reduzindo a burocracia dos processos. Outro ponto citado no texto vai no sentido que os conselhos de autoridade portuária (CAPs) sejam consultivos, mas definam as matérias que precisam ter parecer. Silva disse que a proposta da associação era que os CAPs voltassem a ser deliberativos, mas ponderou que a mudança prevista na forma de votação é positiva, com governo, setor empresarial, usuários e trabalhadores tendo direito a votar por bloco. O entendimento é que esse modelo tornará as discussões mais harmônicas e democráticas, permitindo que a comunidade portuária participe.
A associação também espera que a aprovação do PL solucione impasses laborais, abrindo porta para investimentos e novas contratações de trabalhadores. A proposta legislativa muda o foco da exclusividade de contratação nos terminais dentro do porto organizado. Em vez de ser do trabalhador portuário avulso (TPA), a exclusividade passa a ser de trabalhadores portuários de forma geral que tenham uma habilitação que ainda será criada. Silva disse que serão considerados trabalhadores portuários aqueles que trabalham próximo do navio — em atividades de carga, descarga e na movimentação do costado, por exemplo.
A ABTP entende que a legislação atual faz com que os terminais dentro do porto organizado precisem escolher exclusivamente dentre os trabalhadores avulsos, via órgão gestor de mão de obra (Ogmo) para contratação de vínculo permanente (CLT). A interpretação é que, quando não há avulso disponível, a empresa enfrenta dificuldades jurídicas para contratar. O PL 733/2025 passa a associar a exclusividade à habilitação, e não à categoria. As formas de transição ainda serão discutidas no Congresso.
O diretor-presidente da ABTP ressaltou que hoje o trabalhador avulso só é suprido pelo Ogmo e só pode trabalhar no porto associado a essa organização local. Com as mudanças esperadas, o trabalhador habilitado poderá exercer sua função em qualquer porto do país. “A exclusividade do jeito que está hoje não pode continuar porque não atende às necessidades do setor. Os terminais enfrentam a situação de trazer novos equipamentos para operar e falta gente [mão de obra]. É preciso rever essa questão da exclusividade”, defendeu Silva.
A Associação de Terminais Portuários Privados (ATP) tem expectativas positivas, mas ainda vê a necessidade de ajustes, especialmente no que diz respeito às contribuições para o licenciamento ambiental e aos aspectos patrimoniais. O presidente da ATP, Murillo Barbosa, disse que é essencial assegurar a segurança jurídica e adequar o arcabouço regulatório, de modo a contemplar as particularidades do setor portuário e, especialmente, os terminais de uso privado (TUPs).
Na avaliação da ATP, não foram abordados pontos relevantes da Lei 10.233/2001, tais como a questão da ausência de direito adquirido nos contratos de autorização portuária. A associação também identificou uma separação entre os princípios aplicáveis ao transporte terrestre e à infraestrutura portuária que precisa ser revisitada.
A ATP considera que, no setor portuário, o estímulo à concorrência e a liberdade de preços são fundamentais, diferentemente do transporte terrestre, enquadrado como serviço público. Barbosa acrescentou que as modificações sugeridas também buscam segmentar a atuação regulatória da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) em relação a concessões, arrendamentos e autorizações, considerando a natureza distinta de cada contrato.
A Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados (Abtra) avalia que o PL 733/2025 é fundamental para a modernização e atração de investimentos ao setor portuário. “É uma oportunidade única para esse avanço, considerando também a forma democrática de que o texto foi construído, com a participação dos stakeholders do setor”, comentou o presidente- executivo da Abtra, Angelino Caputo.
No entanto, a Abtra repudiou e defendeu a exclusão de um dispositivo que prevê que a Antaq “estabelecerá, no plano infralegal, os critérios e formas de exploração (…) dos terminais retroportuários alfandegados”. A interpretação da Abtra é que os terminais retroportuários alfandegados de zona secundária prestam serviços diretamente aos importadores. Caputo disse que, conceitualmente, as cargas já passaram pelo porto e não há razão para a agência reguladora continuar seguindo a carga pelo interior do país.
A associação discorda que essa regulação seja necessária para disciplinar o trânsito nas rodovias e acessos urbanos que levam aos portos. Caputo argumenta que nenhum caminhão que retira cargas de importação pode entrar no porto se não estiver com horário agendado. A Abtra questiona se a Antaq teria competência e recursos para regular e fiscalizar também aeroportos, fronteiras terrestres, indústrias e zonas de processamento de exportações (ZPEs). “O conceito de terminal retroportuário alfandegado é bem amplo. Também recebe cargas de aeroportos e de fronteiras terrestres. Pode ainda ser um depósito da própria indústria que faz entrepostagem aduaneira ou um armazém dentro de uma ZPE”, salientou Caputo.
A Associação Brasileira dos Usuários de Transporte e da Logística demonstrou preocupação com a flexibilização em torno das garantias de modicidade de preços e da qualidade dos serviços prestados. O presidente da Logística Brasil, André de Seixas, afirmou que houve uma ‘quebra de acordo’ num dos artigos que constava no anteprojeto, o que coloca em xeque a modicidade.
A Logística Brasil chamou a atenção que, enquanto a lei em vigor (12.815/2013) fala em ‘garantia da modicidade e da publicidade das tarifas e preços praticados no setor, da qualidade da atividade prestada e da efetividade dos direitos dos usuários’, o PL 733/2025 propôs o termo ‘estímulo à modicidade de preços praticados no setor, da qualidade da atividade prestada e da efetividade dos direitos dos usuários’. Seixas disse que, ao inserir a expressão ‘estímulo’, em vez da ‘garantia’, houve uma mudança de última hora na redação em relação ao acordado entre as partes.
“A garantia de modicidade está sendo perdida pelo usuário. Mudaram aos 48 minutos do segundo tempo, descumprindo acordo que fizemos. Para nós, a modicidade é pagar preço em bases justas. (…) Houve uma ‘trairagem’, foi feito um acordo. Sabemos quem cumpriu [o acordo], mas não quem descumpriu. Estamos atrás”, declarou Seixas. Ele lembrou que, no começo da pandemia, houve uma tentativa semelhante no PLV 030/2020, que acabou recebendo veto presidencial na época após apontamento da Logística Brasil.
A Logística Brasil alega que retirar essa garantia de modicidade é péssimo para o usuário e bom para o prestador do serviço, além de atrapalhar a regulação. A associação defende que o preço ser módico é um estímulo para que o usuário importe, exporte e embarque. Seixas frisou que a qualidade e os preços são fundamentais para aumentar o fluxo do comércio exterior. “Se o volume de carga cresce, é graças ao embarcador, ao importador e ao exportador. O porto tem que disponibilizar serviço adequado dentro dos limites que tem e dentro daquilo que ele tem de capacidade máxima, e atender bem a preços módicos. Não é barato, é preço pago em bases justas. É inaceitável, uma inversão da ordem”, criticou.
A Logística Brasil pretende buscar diálogo com parlamentares e entidades. “Acredito que haverá grande movimento de diversas entidades do agro, indústria, comércio e serviços em torno disso. Esse PL é um desestímulo ao aumento de carga de cabotagem e ao aumento de carga de importação e exportação, principalmente nos contêineres. Vai pegar em cheio um segmento que vem crescendo ano a ano”, alertou Seixas.
A Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres (Abratec) considera essencial a revisão do marco legal que rege desde 2013 o sistema portuário nacional, como forma a destravar investimentos, removendo barreiras à expansão e eficiência dos portos, particularmente no segmento de Tecons, que observa um vácuo de mais de 10 anos no investimento em novas instalações. O diretor-executivo da Abratec, Caio Morel, destacou a transparência dos trabalhos da Ceportos e a oportunidade de colaboração de todos os stakeholders ao longo do ano passado.
Para a Abratec, o PL 733 atende aos objetivos de se criar um ambiente amigável aos investimentos, diminuindo a burocracia e controle excessivos, prestigiando a livre iniciativa. Em nota, a associação manifestou que as propostas corrigem anomalias no mercado de trabalho portuário advindos da ‘há muito obsoleta’ cláusula de exclusividade aos trabalhadores avulsos na contratação de trabalho à vinculo empregatício nos terminais portuários privatizados.
Na avaliação da ABTP, a tramitação célere desse projeto é uma necessidade do Brasil, que há 13 anos enfrenta problemas que afetam investimentos no setor portuário. O diretor-presidente da ABTP concorda que o anteprojeto apresentado pela Ceportos no ano passado teve ampla participação do setor. “Esse PL virando lei vai rapidamente desobstruir uma série de investimentos e dar conforto jurídico para que eles possam ser feitos”, projetou Silva.
O PL, resultado dos trabalhos conduzidos pela Comissão de Juristas, foi protocolado pelo deputado federal Leur Lomanto Junior (União/BA). A Ceportos foi instituída pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP/AL) e foi presidida pelo ministro Douglas Alencar Rodrigues, do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Fonte: Revista Portos e Navios