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Clippings - 26/08/16

Avaria Grossa: uma Análise acerca do Instituto. História, Conceito e Legislação Aplicável.

Revista de Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário
33 –Jul- Ago / 2016 – Instituto de Estudos Marítimos

Parte Geral – Doutrina

Avaria Grossa : uma Análise acerca do Instituto. História, Conceito e Legislação Aplicável

CAMILA MENDES VIANNA CARDOSO
Sócia Sênior do Escritório Kincaid – Mendes Vianna Advogados, Ex-Presidente da Câmara de Comércio Brasil e Noruega – NBCC, Membro do Grupo de Estudos de Ship Financing Security Practices do Comité Maritime International (CMI), Vice-Presidente Setorial de Direito Marítimo e Portuário do CBMA, LLM em Direito Marítimo e Direito Internacional pela London School of Economics – LSE.

LUCAS LEITE MARQUES
Sócio do Escritório Kincaid – Mendes Vianna Advogados, Diretor Setorial de Direito Marítimo e Portuário do CBMA, LLM em Direito do Comércio Internacional pelo Center for International Legal Studies – CILS .

GISELLE MARIA CUSTÓDIO CARDOSO
Advogada do Escritório Kincaid – Mendes Vianna Advogados, Pós-Graduanda em Direito Ambiental pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ.

JESSICA SANTOS ANTUNES
Advogada do Escritório Kincaid – Mendes Vianna Advogados, Pós-Graduanda em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-MG.

RESUMO: O instituto da avaria grossa faz-se presente nos estudos marítimos desde os primórdios da navegação, sendo a sua aplicação prática, nos dias de hoje, ainda alvo de dúvidas e discussões. Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo promover o debate acerca do instituto da avaria grossa por meio de sua análise histórica, prática, conceitual e legislativa, visando, ainda, a aclarar e nortear os profissionais maritimistas, a título de conhecimento e no cotidiano forense ,principalmente neste de consideráveis mudanças no ordenamento jurídico pátrio e revisão das Regras de York e Antuérpia. Dessa forma, considerando a revitalização das normas aplicáveis, demonstra-se de grande relevância a realização de uma análise crítica sobre este instituto.

PALAVRAS-CHAVE: Avaria grossa ; Direito Marítimo; direito internacional;
Regras de York e Antuérpia.

ABSTRACT: The general average institute is present on maritime studiessince the beginning of navigation and its practical application, nowadays, still raise doubts and arguments. Hence, this paper aims to broaden the debate about the general average institute through the historical, practical ,conceptual and legislative analysis in order to clarify and guide the maritime professionals, through this specific knowledge, particularly a moment of considerable changes in Brazilian law and York & Antwerp’s Rules review. Thus, considering the revitalization of the applicable rules, it is relevant a critical analysis regard this historical institute.

KEYWORDS: General average; Maritime Law; international law; York & Antwerp Rules.

SUMÁRIO: Introdução; Caso concreto: Maersk Londrina; Natureza,
fundamentos e conceito; Legislação aplicável; Regras de York e

INTRODUçãO

No século XIII a.C., no Código de Manu dos Hindus, já discutiam-se normas para regulamentar o comércio marítimo. Durante a Idade Média, o parâmetro era a Lei de Rhodes (LexRhodia de Jactu – século II a.C.), que perdurou durante muitos anos. Conhecida a passagem narrada no Digesto (D. 14-2-29), em que Eudemon de Nicomédia, havendo naufragado, queixava-se ao Imperador Antonino de que fora saqueado pelos habitantes das Ilhas Cícladas, ao que o Imperador respondeu que era o senhor do mundo, mas que o mar estava sujeito às Leis de Rhodes, de acordo com as quais deveriam ser julgados os negócios ligados ao comércio marítimo, exceto se fossem contrários às leis romanas. É no referido parâmetro que se inicia a regulamentação de nosso tema, qual seja, a avaria grossa . Com a Lei de Rhodes tem se a decretação de que se, com o fim de tornar o navio mais leve, uma mercadoria tiver que ser alijada ao mar, para benefício de todos, todos devem contribuir para tal. Posteriormente, verifica-se a disposição deste instituto na Guidon de La Mer (1550), nas Ordenanças de Luís XV (1681) e na Ordenança de Roterdam (1721).

A discussão, portanto, acerca do tema das avarias grossas tratado no presente artigo, remonta às bases do Direito Marítimo.

Mostra-se, assim, de suma importância observar esse panorama histórico acerca das primeiras normas que regulamentaram o Direito do Mar, as quais podem ser encontradas já em meados do século XXXIII a.C., no Código de Hamurabi, como, por exemplo, as medidas a serem adotadas pela construção naval, o fretamento de navios, a responsabilidade de fretador, o abalroamento e as indenizações, entre outras, até o momento atual, de transição que a legislação brasileira vem sofrendo com o advento do novo Código de Processo Civil e o projeto do novo Código Comercial.

Assim, como será possível concluir, em linhas gerais o instituto da avaria grossa se mantém nos mesmos moldes, sendo suas particularidades, seus conceitos, seus casos e suas distinções o que iremos abordar a seguir.

CASO CONCRETO: MAERSK LONDRINA

Inicia-se a presente análise por meio do caso concreto de maior relevância no cenário nacional e internacional nos últimos anos, o qual demonstrará, na prática, a importância do instituto em questão.
Em 20.04.2015, em uma viagem cuja rota ocorrera entre o trecho Ásia-Brasil, o navio Maersk Londrina fora atingido com uma fatalidade inesperada, um incêndio em seu porão. O incêndio foi combatido por 2 (duas) horas pela tripulação, até ser constatado pelo capitão em exercício que a limitação de seus recursos o forçariam a tomar uma medida extraordinária, qual seja, uma arribada forçada em um porto próximo, a fim de buscar por assistência.

A arribada está regulada pelo Código Comercial em seu art.740 – “Quando um navio entra por necessidade em algum porto ou lugar distinto dos determinados na viagem a que se propusera, diz-se que fez arribada forçada (art. nº 510)”, dispondo, ainda em seu art. 741, os motivos pelos quais há a possibilidade de fazê-la, quais
sejam:

Art. 741. São causas justas para arribada forçada:

1 – falta de víveres ou aguada;

2 – qualquer acidente acontecido à equipagem, carga ou navio, que impossibilite este de continuar a navegar;

3 – temor fundado de inimigo ou pirata.

Assim, após aportar em Port Louis, nas Ilhas Maurício, às 03:00h do dia 26.04.2015, a armadora do navio contratou empresa especializada em serviços de salvamento para continuar o combate ao incêndio, sendo o fogo completamente combatido apenas 10 (dez) dias após o seu início, em 30.04.2015.
Em vista do ocorrido, passado o momento de minimizar os danos, foi dado início à avaliação da extensão destes danos causados ao navio e às cargas. Contudo, como Port Louis não possuía os recursos e a infraestrutura para tanto, o navio foi forçado a zarpar e dirigir-se a Port Elizabeth, na África do Sul, onde chegou
em 11.05.2015, lá realizando a vistoria devida para mensurar e quantificar a extensão do dano.
Por conseguinte, tendo em vista que o acidente em questão impôs à proprietária-armadora do navio custos e despesas não previstos, bem como culminou na perda de parte da carga, o que também gerou o dever de indenização para com os consignatários destas, foi decidido, então, declarar a ocorrência de avaria grossa (também denominada avaria comum).

Em linhas gerais, pois mais adiante será visto de forma aprofundada, a avaria grossa encontra-se disposta no Código Comercial, em seu art. 761, e é conceituada como sendo despesas extraordinárias feitas a bem do navio ou da carga, conjunta ou separadamente, e todos os danos acontecidos àquele ou a esta, desde o embarque e partida até a sua volta e desembarque”. Trata se, portanto, do alijamento de carga visando ao bem do navio, da tripulação e do restante da carga, visando, enfim, aos sucesso da aventura marítima. Conforme diplomas que regulam a matéria, ressalte-se que as avarias grossas afetam o navio e a carga conjuntamente, as quais decorrem de ato intencional, voluntário, doloso, praticado em defesa dos interesses de todos os indivíduos do transporte marítimo em uma situação de perigo real e iminente, visando a obter o resultado mais útil, a fim de minorar os prejuízos dos envolvidos. Dessa forma, após a contratação de um regulador de avarias marítimas (average adjuster), o rateio dos prejuízos foi solicitado aos indivíduos envolvidos naquela viagem mediante a coleta preliminar das garantias necessárias por parte dos consignatários das mercadorias, juntamente com a quantificação dos prejuízos e o cálculo da quota-parte a ser paga por cada um dos indivíduos da viagem.

Ainda nessa fase, na chegada do navio ao destino, foi fixada uma contribuição provisória, sendo exigida caução dos proprietários das cargas que chegaram ao destino, por meio de depósito em dinheiro (general average deposit) ou fiança, para assegurar a efetiva contribuição ao fim do procedimento de regulação. Esta contribuição deve ser satisfeita pelos consignatários, sob pena de retenção da carga, que se encontra regulada nos arts. 784 e 785 do Código Comercial .

Outrossim, importante destacar que o direito de retenção encontra-se também previsto na IN 800 da Receita Federal do Brasil , a qual permite ao transportador realizar um bloqueio eletrônico no Siscomex (Sistema Integrado de Comércio Exterior), impedindo, assim, a liberação aduaneira das mercadorias, em caso de pendência de pagamento da contribuição por avaria grossa . Na hipótese de carga segurada, usualmente é exigido um termo de garantia, fornecido pela seguradora, o Valuation Form, também chamado de Average Guarantee (Termo de Garantia Financeira), e a Average Bond (Compromisso de Cumprimento). Na hipótese de carga não segurada, geralmente se exige o Valuation Form, a Average Bond e o depósito em dinheiro.

Contudo, em razão da ausência de prestação voluntária destas garantias, foi proposta ação em face de todos aqueles consignatários/destinatários de cargas que não prestaram as garantias de contribuição, sendo pleiteada, ainda, a antecipação dos efeitos da tutela visando à retenção das cargas no terminal de descarga até que fossem prestadas as garantias da avaria grossa identificadas na listagem.

Após o recebimento da inicial, o magistrado da 10ª Vara Cível da Comarca de Santos/SP indeferiu o pleito de antecipação da tutela, sob a argumentação de que não haveria nos autos “identificação precisa a respeito da causa do incêndio”, argumentando, ainda, que em sede de cognição sumária não seria possível descartar a razoável possibilidade de o evento ter ocorrido em razão de “vício interno do navio”. Aduziu, ainda, o referido indeferimento com base no risco de dano considerável para as rés, consignatárias, com os custos de armazenagem da carga não liberada e montante referente à garantia requerida. No intuito de reverter a referida decisão, foi apresentada petição de reconsideração, na qual argumentou a autora:

(i) Necessidade de perícia técnica que demanda tempo para averiguar a causa da explosão. – tal qual requisitado pelo juiz;

(ii) Abordagem acerca do constante no protesto marítimo a fim afastar a responsabilidade do capitão e da tripulação, bem como vício interno do navio e assim manter presente a hipótese de avaria grossa , assim como explicitado no art. 765 do Código Comercial;

(iii) Necessidade de obtenção de garantia à futura contribuição por avaria grossa confirmada, alegando, para tanto, acerca da possibilidade de retenção da carga até o pagamento da contribuição da avaria grossa declarada, ressaltando que esta precisa ser apenas declarada e não confirmada, nos termos do art. 7º do Decreto-Lei nº 116/1967;

(iv) O fato de que as mercadorias são o bem garantidor do pagamento da avaria grossa , portanto, devem ser retidas, pois com o perecimento do bem, extinto está o direito à garantia;

(v) Mediante análise do caso e das despesas de cada uma das partes, tratou acerca do risco de dano irreparável para a autora e dano minorado para as Rés, frente aos riscos de retorno ao status quo ante. Contudo, a apreciação do pedido de reconsideração manteve integralmente a decisão anteriormente prolatada, por meio da mesma argumentação anteriormente expendida, considerando que seria necessária a identificação precisa acerca da causa do evento, entendendo ser duvidosa a ocorrência de avaria grossa a ensejar o deferimento de tutela sem a oitiva da parte contrária. Posteriormente, apresentou a autora/armadora relatório técnico preliminar sobre a explosão e o incêndio, que, mesmo não finalizado, apontou como causa a carga acondicionada em contêiner, cujo consignatário não havia declarado como carga perigosa, mas a qual, em verdade, demandaria cuidados especiais, pleiteando, assim, novo pedido de reconsideração da decisão que indeferiu a tutela pleiteada. Considerando-se, ainda, que as garantias pretendidas não visavam a beneficiar o armador, em detrimento dos consignatários de carga, mas, ao contrário, visavam, sobretudo, a assegurar a possibilidade de indenização justamente àquelas cargas que foram avariadas no combate ao incêndio e que foram, portanto, sacrificadas em prol da preservação das demais cargas e da continuidade da viagem.

Após, em análise do referido relatório, houve revisão da decisão de indeferimento da tutela pelo Magistrado, o qual entendeu que o documento apresentado supria as lacunas acerca da discussão da causa do evento danoso e, assim, permitia a antecipação dos efeitos da tutela, a fim de que os consignatários fossem compelidos a prestar as devidas garantias antes de retirarem as suas mercadorias do porto. Sendo assim, ocorreu, então, o desenvolvimento do feito, que contou com a manifestação das partes para contestar ou apresentar a caução determinada e, assim, proceder com a retirada de sua mercadoria no porto de descarga. Recentemente, foi proferida sentença ratificando a tutela anteriormente concedida, no sentido de reconhecer a avaria grossa declarada e, assim, ratear as despesas extraordinárias e os danos entre os consignatários, de modo a atingir a equidade objetivada pelo instituto.

Diante da detida análise do caso concreto em comento, o qual gerou efeitos e repercussões também em diversas outras jurisdições de todo o mundo, evidencia-se as persistentes controvérsias e questões que permeiam o instituto ora analisado. Sendo assim, passa-se a análise dos elementos que compõe a avaria grossa , dentro da ótica do nosso ordenamento.

NATUREZA, FUNDAMENTOS E CONCEITO

O termo avaria (average) tem como origem linguística a palavra árabe awâr, que significa dano. As avarias podem ser classificadas quanto à sua natureza, avarias -danos e avarias -despesas, e quanto à sua causa, avarias simples (ou particulares, “particular average”) e avarias grossas (ou comuns, “general average” ou “gross average”).

As avarias grossas ou comuns e simples ou particulares, de acordo com o art. 763 do Código Comercial, encontram-se assim definidas: as primeiras são repartidas “[…] proporcionalmente entre o navio, seu frete e a carga”, enquanto as segundas são suportadas “[…], ou só pelo navio, ou só pela coisa que sofreu o dano ou deu causa à despesa”.

Importante observar que esta distinção passa a nortear o objeto da presente análise de modo a aprofundar a questão da avaria grossa . O seu contorno fundamental no ordenamento jurídico pátrio encontra-se no Código Comercial, o qual dispõe em seu art. 761 o conceito de avaria . No sentido conceitual geral, agregando as disposições legais e doutrinárias, a avaria grossa pode ser conceituada como o dano ou a despesa extraordinária causado ao navio ou à carga de forma dolosa, ou seja, intencional, pelo capitão da embarcação com o intuito de preservar a integridade dos demais interesses que se acharem a bordo e a continuidade da aventura marítima, em caso de incidente no curso do transporte, despesas estas que serão rateadas proporcionalmente pelos consignatários das cargas salvas e pelo transportador/armador.

Este instituto tem como objetivo a reparação dos indivíduos prejudicados por conta dos fatos, tidos como incidente, durante o transporte marítimo, visando a não onerar exclusivamente apenas um dos componentes deste transporte. A sistemática, assim, envolve uma solidariedade entre aqueles que foram beneficiados por todo o esforço de salvaguarda do navio e das cargas, objetivando, ainda, a equidade entre todos, no sentido de que os sacrifícios individuais aproveitados por todos se tornem justos por meio do rateio do prejuízo dos sacrificados, a fim de indenizá-los de suas perdas em prol do bem comum.

Theophilo de Azeredo Santos aduz que as despesas extraordinariamente feitas e os danos sofridos para o bem e salvação comum das mercadorias e do navio são avarias grossas ou comuns. Chamam-se comuns porque são suportadas em comum, tanto pela coisa que sofreu o dano, como pelas que foram conservadas em razão da despesa ou dano realizado. São denominadas grossas porque devem ser pagas pelo grosso ou universalidade do navio e da carga. Segundo Eliane Martins, inúmeras foram as tentativas tencionadas para se instituir um Código Internacional de Avarias Grossas , evitando, consequentemente, conflitos de interpretação e aplicabilidade e uniformizando procedimentos regulatórios. No que tange às referidas tentativas de uniformização, surgiram as Regras de Glasgow (Glasgow Resolutions), cujos ensaios iniciaram em 1860, culminando, em 1864, na aprovação de 11 regras, as quais são consideradas fundamentos da legislação internacional referentes à avaria grossa . Por conseguinte, em 1877, foram aprovadas as referidas regras com a adição de mais uma, cujo conjunto normativo foi nomeado de Regras de York e Antuérpia (RYA). Estas regras sofreram 8 (oito) alterações ao longo dos últimos tempos, quais sejam: 1890, 1924, 1950, 1974, 1990, 1994, 2004 e 2016. A última versão das RYA foi recentemente revisada e, nesse sentido, imprescindível a breve análise destas, juntamente com a análise legislativa aplicável ao instituto em questão.

LEGISLAçãO APLICÁVEL

Atualmente, no ordenamento jurídico pátrio, as avarias grossas são regulamentadas pelo Código Comercial, em seus arts. 762 a 764, pelas Regras de York e Antuérpia (RYA) – regras de ordem puramente privada, que têm como facultativa a sua adoção nos contratos de transporte marítimo -, bem como pelo Código de Processo Civil.

Em linhas gerais, no Brasil, os conhecimentos de carga relativos ao transporte internacional sujeitam-se à regulação de avarias comuns dispostas nas Regras de York e Antuérpia, enquanto que na navegação de cabotagem a regulação é feita seguindo o disposto no Código Comercial. Insta destacar que é o Código Comercial que valida a inserção de convenção especial, que irá reger a avaria grossa nos contratos (Bill of Lading ou Carta Partida), disposta em cláusula específica (General Average Clause).
“Art. 762. Não havendo entre as partes convenção especial exarada na carta partida ou no conhecimento, as avarias hão de qualificar-se, e regular-se pelas disposições deste Código.”

Assim, como ensinam as Regras de Interpretação, na regulação de avaria grossa serão aplicáveis as RYA, excluindo-se qualquer lei e prática incompatíveis com elas. Portanto, são aplicáveis, em detrimento de qualquer lei nacional ou internacional. Diante de previsão normativa expressa do Código Comercial, resta afastado qualquer conflito entre os diplomas que regram sobre as avarias . Contudo, na omissão havida no contrato entabulado, a avaria grossa é regulada de acordo com as normas contidas no referido Código, Título XIII, Capítulo I. Recentemente, conforme parágrafo introdutório, com o advento do novo Código de Processo Civil, foi reforçada a disciplina sobre a matéria. A avaria comum, que era tratada na Lei Processual Civil de 1939 e, posteriormente, no CPC de 1973, por meio do seu art. 1.218 14, passou a ser diretamente disciplinada também no Código de Processo Civil de 2015, o qual traz um capítulo próprio sobre o procedimento especial de jurisdição contenciosa para regulação da avaria grossa , em seus arts. 707 a 711. Assim, resumidamente, o Código Comercial disciplina em sua generalidade a avaria grossa , discorrendo sobre a sua natureza e a sua classificação. No mais, autoriza expressamente, em consonância ao espírito do Direito Marítimo, a validade, quando convencionado entre as partes, da aplicação das Regras de York e Antuérpia. As RYA, por sua vez, determinam, em sua essência, a configuração de avaria grossa , definindo fundamentos, pressupostos, natureza e parâmetros regulatórios e indenizatórios. Por fim, o Código de Processo Civil prevê o procedimento especial a ser seguido em uma disputa judicial na jurisdição brasileira.

REGRAS DE YORK E ANTUÉRPIA (YORK & ANTWERP RULES)

As Regras de York e Antuérpia são, no comércio internacional, incorporadas de modo expresso nos contratos entabulados entre as partes para, precipuamente, regrar a distribuição dos encargos eventualmente havidos em caso de acidentes. Desse modo, as RYA foram criadas, historicamente, para uma uniformização internacional sobre a matéria e, assim, vem sendo atualizada periodicamente desde 1864.

As RYA são padrões contratuais privados, os quais as partes, por sua vontade, compactuam a observar . Dessa forma, não se trata de norma cogente, ou seja, não imperativa, observável pela vontade das partes. Tal fato, por sua vez, tornam aplicáveis as versões anteriores às relações atuais, ainda que se tenham atualizações periódicas. No que tange às reformas periódicas, importante salientar que houve pouca adesão às regras de 2004, penúltima revisão havida, pois estas possuíam inclinação favorável aos seguradores, as quais não eram, por sua vez, favoráveis aos armadores. Assim, o Comitê Marítimo Internacional (CMI) instaurou uma comissão, representada por delegações das mais variadas jurisdições internacionais, para o debate e a atualização das Regras. Após anos de intensos trabalhos, foram aprovadas no âmbito do Comitê, durante o Congresso realizado em Nova Iorque em maio de 2016, por unanimidade das delegações presentes, incluindo-se a delegação brasileira lá representada, as Regras de 2016. Segundo a Shipowner’s Club, a adoção das RYA de 2016 põe fim a 12 anos de incerteza para armadores e seguradoras marítimas, em razão das Regras de 2004, que, conforme visto anteriormente, não atendiam aos interesses dos armadores, sendo certo que estas raramente eram utilizadas em seus contratos, uma vez que as de 1994 eram mais benéficas e estáveis. Dessa forma, percebe-se que, objetivamente, a atual versão é mais benéfica aos armadores em detrimento dos seguradores. Mais especificamente, houve mudanças nas regras VI, X, XI, XIII, XIV, XVI, XVII, XX, XXI e XXII. Entre as mudanças ocorridas, as de maior relevância foram:

(i) VI, acerca do salvamento, em que houve a redistribuição de valores a serem pagos;

(ii) XX, acerca da provisão de fundos, com a abolição da comissão de 2% em desembolsos de avaria grossa , salários e manutenção de comandante, oficiais e tripulação bem como combustível e mantimentos;

(iii) XXI, sobre os juros na avaria grossa , em que houve a previsão do uso da taxa ICE LIBOR para calcular os juros acumulados a cada 12 (doze) meses – anteriormente era o Comitê Marítimo Internacional que determinava a taxa a ser utilizada;

e (iv) XXII, sobre os depósitos em dinheiro, o qual modificou a forma de depósito do montante coletado pelo árbitro regulador, sendo este, atualmente, feito em conta especial em seu nome. A conta especial será constituída de acordo com a lei, com vistas aos clientes ou ao fundo de terceiros aplicáveis no domicílio do regulador. A referida conta será mantida em separado dos fundos próprios do árbitro .

Analiticamente, o conjunto York-Antuérpia é composto pela Regra de Interpretação, a Regra Preponderante, por sete regras letradas e, ainda, por vinte e três regras numéricas. A Regra de Interpretação das RYA determina que, na regulação de avaria grossa , será aplicado o diploma que a entabula. Já a preponderante traz a regra de razoabilidade, dispondo que não haverá crédito por sacrifício ou despesa, salvo feito ou incorrido de modo razoável . As regras letradas, por sua vez, determinam a ocorrência de avaria grossa , e, dessa forma, definem e estatuem natureza, pressupostos, fundamentos e parâmetros – regulatórios e indenizatórios. As regras numéricas, por fim, são exemplificativas, ilustrando a inclusão ou exclusão dos danos e dos gastos – matérias de deduções, depósitos, juros e bonificações. Visando à melhor rercepção, observe-se a seguir as regras letradas – A a G – e as suas previsões sintéticas:

Regra A – Conceituação primeira de avaria grossa

Regra B – Avaria marítima comum

Regra C – Exclusão de despesas decorrentes da avaria grossa no montante a ser rateado

Regra D – Indiferença da causa primária

Regra E – Ônus probante e notificação

Regra F – Despesas adicionais

Regra G – Do lugar de regulamentação da avaria grossa

Observe-se, também, a título exemplificativo, as regras numéricas – I a XXIII – que amparam as seguintes hipóteses enquadráveis em sede de avaria grossa ou comum:

Regra I – Alijamento da carga

Regra II – Perda ou dano por sacrifícios para a segurança comum

Regra III – Extinção de incêndio a bordo

Regra IV – Remoção de destroços por corte

Regra V – Encalhe voluntário

Regra VI – Remuneração por salvamento

Regra VII – Avaria às máquinas e caldeiras

Regra VIII – Despesas de alívio de uma embarcação quando encalhada e danos consequentes

Regra IX – Carga, materiais da embarcação e provisões utilizados como combustível

Regra X – Despesas num porto de refúgio

Regra XI – Soldadas e manutenção da tripulação e outras despesas para levar ao porto de refúgio e no porto de refúgio, etc.

Regra XII – Dano à carga no descarregamento, etc.

Regra XIII – Dedução do custo de reparos

Regra XIV – Reparos provisórios

Regra XV – Perda de frete

Regra XVI – Quantia a ser permitida para a carga perdida ou danificada por sacrifício

Regra XVII – Valores contribuintes

Regra XVIII – Danos à embarcação

Regra XIX – Carga não declarada ou declarada com erro

Regra XX – Provisão de Fundos

Regra XXI – Juros em perdas permitidas na avaria grossa

Regra XXII – Tratamento de depósito em dinheiro

Regra XXIII – Perãodo de prescrição para as contribuições de avaria grossa – “time bar”

O rol supracitado é exemplificativo puramente. Assim, o caso concreto deve ser analisado e, caso não se enquadre nos exemplos listados, será preciso analisá-lo frente aos pressupostos essenciais à configuração da avaria grossa . Se não houver enquadramento do caso em análise aos pressupostos essenciais, a despesa ou o sacrifício não será considerado como avaria grossa ou comum e, consequentemente, não será objeto de rateio.

Ressalta-se que, caso haja conflito entre a regra letrada e a regra numérica, a regra letrada irá prevalecer sobre a numérica, visto que esta é exemplificativa, enquanto aquela é genérica e conceitual.

Disciplina genericamente a avaria grossa , discorre sobre a sua natureza e a sua classificação. No mais, autoriza expressamente, em consonância ao espírito do Direito Marítimo, a validade, quando convencionado entre as partes, da aplicação das Regras de York e Antuérpia, em seu detrimento.

Ainda que seja um diploma muito antigo, mantém-se em vigor tendo em vista que o Código Civil, advindo em 2002, revogou apenas a primeira parte do Código Comercial , assim como ocorreu com o Código de Processo Civil de 1973, que conservou o procedimento especial relativo à avaria grossa do Código de Processo anterior.

No artigo que inaugura a regulamentação das avarias (art. 761), dispõe-se sobre a sua conceituação genérica. Assim, é previsto que todas as despesas extraordinárias feitas a bem do navio ou da carga e todos os danos acontecidos àquele ou a esta, desde o embarque e a partida até a sua volta e o seu desembarque, são reputadas avarias . Após a conceituação generalista, o Código prevê a aplicação de seu regramento, caso não haja entre as partes convenção especial exarada na carta partida ou no conhecimento (art. 762). A seguir, este diferencia as avarias grossas das simples, determinando que aquelas terão a sua importância repartida proporcionalmente entre o navio, o seu frete e a carga, enquanto que as avarias simples serão suportadas ou apenas pelo navio ou só pela coisa que sofreu o dano ou deu causa à despesa (art. 763). Após as previsões que entabulam a ocorrência ou não de avaria grossa , a partir de sua conceituação genérica e dos efeitos de sua ocorrência, a legislação comercial passa a apresentar um rol exemplificativo, tal como ocorre nas RYA, das hipóteses. São apresentadas 21 (vinte e uma) hipóteses que seguem, de modo harmonioso, aquelas insertas nas Regras de York e Antuérpia.

O diploma comercial determina ainda que não serão tomadas como avarias grossas aquelas que, mesmo sendo feitas voluntariamente e por deliberações motivadas para o bem do navio e da carga, ocorrerem por vício interno do navio, ou por falta ou negligência do capitão ou da tripulação, fazendo com que todas estas despesas sejam a cargo do capitão ou do navio.

O SISTEMA DA UNIDADE DA AVARIA NAS RYA E CCOM

Não obstante a harmonização entre as previsões sobre as avarias grossas do Código Comercial e das Regras de York e Antuérpia, os diplomas possuem, naturalmente, importantes diferenças, sendo a maior destas a adoção do sistema de diferenciação da causa primária.

Em dissonância às RYA, o CCom adota o sistema da unidade da avaria . Dessa forma, primeiramente é determinado o caráter da avaria originária e isto passa a afetar, em principio, os danos ou as despesas que dela são consequências necessárias. As RYA, por sua vez (Regra D), consagram o sistema de indiferença da causa primária. Assim, determina que a contribuição não sofrerá qualquer efeito caso o evento danoso seja culpa de um dos interessados, ainda que perdure a hipótese de ação regressiva. A aplicação de cada um dos sistemas dependerá, em última análise, da convenção das partes quando de sua pactuação (Bill of Lading).

PROJETO DO NOVO CÓDIGO COMERCIAL

Atualmente, tramitam no Poder Legislativo brasileiro dois projetos de lei que buscam a reforma do Código Comercial: o Projeto de Lei nº 1.572, de 2011, em trâmite na Câmara dos Deputados, e o Projeto de Lei nº 487, de 2013, em trâmite no Senado Federal. Contudo, o primeiro projeto é silente sobre o tema avaria grossa , e, desse modo, a análise a seguir está circunscrita ao projeto de iniciativa do Senado. Em consonância com a necessidade de atualização das normas domésticas sobre as avarias grossas , o projeto do Código Comercial atualiza e amplia as previsões que vigoram atualmente.

O projeto traz em seus artigos gerais a previsão do prazo prescricional ânuo para o início da regulação de avaria grossa , este a contar do fim da viagem em que teve lugar a perda, e de cobrança da contribuição fixada na regulação de avaria grossa , a contar do fim de tal regulação. Atualmente, o prazo prescricional é estabelecido de acordo com o art. 8º do Decreto-Lei nº 116/1967 .

Avançando sobre a matéria, o projeto prevê as hipóteses de direito à retenção da carga. No que tange às avarias grossas , o transportador pode efetivar a retenção (art. 852) até a apresentação da garantia de contribuição por avaria grossa declarada. Nos parágrafos que seguem, são previstas as responsabilidades sobre os custos decorrentes da retenção da carga e as perdas e deteriorações ocorridas durante o perãodo de retenção da carga, caso esta venha a ser considerada inexistente ou inexigível. Ademais, é prevista a igualdade de direito de retenção do transportador contratual e, por fim, o direito de o destinatário ver a sua carga liberada desde que prestada caução idônea.

Ainda sobre as hipóteses de retenção, dá-se ao transportador, mediante notificação prévia do interessado, o direito de venda das cargas para adimplemento do frete, das despesas, dos encargos e da contribuição por avaria grossa . No parágrafo único, ressalva-se que, diante de carga perecível, a venda deve ser deferida judicialmente e em caráter de urgência. Igualmente no intuito de proteger o adimplemento da avaria grossa , está prevista a hipótese (art. 937) de o capitão exigir, antes de iniciar a descarga da embarcação, que os consignatários da carga e os seus seguradores prestem fiança idônea. Diante de eventual recusa, poderá o capitão reter as mercadorias a bordo ou requerer o depósito judicial dos efeitos obrigados à contribuição até ser pago o rateio ou garantido o seu pagamento.

Acerca do valioso tema de limitação da responsabilidade, o projeto, em seu art. 890, exclui a sua aplicação às contribuições de avaria grossa . O que, diante de seu histórico e conceito, está plenamente em consonância e harmonia, visto que o instituto tem por objetivo a manutenção da aventura marítima. Tal espírito também está demonstrado no art. 922, que disciplina que os créditos a favor da embarcação originados durante a viagem são contribuições de avaria grossa por danos materiais ainda não reparados, sofridos pela embarcação; no art. 924, quando discorre sobre o prazo das extinções dos privilégios sobre a embarcação; e, no art. 928, que disserta acerca dos privilégios sobre as coisas transportadas, após a dedução das despesas judiciais feitas para proceder a sua arrecadação, guarda, conservação e venda, as contribuições por avaria grossa . Este rol de artigos demonstra, de modo patente, a vontade do legislador em preservar importante instituto para a manutenção saudável e permanente da navegação. Mais detidamente sobre as avarias grossas , o anteprojeto do Código Comercial mantém as previsões exemplificativas do que são avarias grossas (art. 934), reduzindo-as para 15 (quinze) hipóteses. Em seguida, exclui as despesas causadas por vício interno da embarcação ou por falta ou negligência do capitão ou da gente da tripulação, ainda que feitas voluntariamente e para salvamento da embarcação ou carga.

No mais, o Codex em comento mantém o previsto no Código Comercial em vigor, validando a regulação, a repartição ou o rateio das avarias grossas na forma estabelecida no conhecimento de embarque ou na carta partida 25. No entanto, a previsão do projeto é mais sucinta e, por isso, potencialmente conflituosa do que a previsão hoje em vigor no art. 762, já analisado, eis que este determina expressamente que, na falta de convenção especial exarada na carta partida ou no conhecimento de embarque, as
avarias serão qualificadas e reguladas pelas disposições do Código Comercial.

A previsão expressa de aplicação do CCom às avarias grossas , caso não haja convenção anterior entre as partes, afasta uma possível arguição de conflito entre as RYA e a legislação brasileira. Assim sendo, a fim de que seja mantida a clareza sobre a regra aplicável que existe atualmente, é imperioso que o projeto repita os termos do art. 762 do Código Comercial em vigor.

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI Nº 13.105/2015)

O Código de Processo Civil, em vigor desde março de 2016, positivou os procedimentos especiais previstos no Direito Processual Marítimo, área que requeria esclarecimentos pelo legislador pátrio. Havia, desde o Código Processualista de 1973, uma ócua ausência de regulação meramente processual sobre a matéria. A única e parca previsão acerca do tema avaria grossa na Codex em vigor por mais de 40 anos constava no art. 1.218, incisos XIII e XIV, que determinava a manutenção da vigência dos procedimentos especiais prevista no Código de 1939.

Assim, até a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, a regulação judicial contenciosa de avaria grossa no Brasil estava defasada há mais de 75 anos. Ainda que se saiba que o procedimento de avaria grossa é, no seu cerne, extrajudicial, a sua previsão no novo Código de Processo Civil dá guarida à matéria caso não haja consenso entre as partes, valorizando, ainda que haja ressalvas a serem feitas, o papel do Estado enquanto ente a dirimir conflitos havidos, em consonância com a inafastabilidade da prestação jurisdicional.

No Código Processual de 1939, eram previstos no Título XX, entre os arts. 765 a 768:

(i) a exigência de caução pelo capitão aos consignatários;
(ii) a exigência de depósito judicial caso a caução seja recusada pelos consignatários, sub-rogando-se o preço da venda para pagamento da avaria ;
(iii) o dever de fornecimento de documentos pelo armador para regulamentação da avaria ;
(iv) O prazo para apresentação do regulamento da avaria a ser homologado pelo juiz da causa;
(v) (v) o prazo para vista dos interessados a impugná-la; e, por fim,
(vi) (vi) a força definitiva e exequível da sentença que homologa a repartição das avarias .

Como se pode observar, as previsões eram simples e procuravam regular minimamente as etapas do procedimento judicial da avaria grossa , legislando sobre a caução até os efeitos da sentença homologatória. No Código atual, a regulação da avaria grossa está disciplinada entre os arts. 707 a 711 e, em consonância ao atual entendimento de sistema normativo, faz remissão aos arts. 761 a 771 do Código Comercial, especialmente ao art. 764, que define a avaria grossa em uma embarcação.

O novo Código de Processo Civil (art. 707) prevê o procedimento que deve ser aplicado na regulação das avarias grossas de embarcações atracadas ou fundeadas em portos brasileiros, aplicável às hipóteses em que não haja regulador de avaria grossa designado pelas partes contratantes ou disponível no porto de destino da embarcação (o art. 783 do Código Comercial prevê a existência de perito que exercerá a função de árbitro nomeado pelas partes e avaliará a extensão da avaria grossa ).

Ou seja, o juízo da comarca do primeiro porto onde o navio houver atracado ou fundeado deve designar perito para avaliar a avaria grossa , caso as partes não tenham previsto contratualmente a designação de perito, ou discordem acerca do compromisso arbitral feito no momento da lesão. Iniciado o processo e nomeado o perito , o mesmo deve declarar justificadamente as possibilidades de rateio do dano na forma de avaria grossa . Em seguida, se verificada a hipótese, será exigida, para a liberação da carga aos consignatários, a apresentação de garantia idônea (art. 708). No que tange ao oferecimento das referidas garantias, nos parágrafos do artigo são previstas:

(i) em caso de discordância pela parte acerca da ocorrência de avaria grossa , essa deve apresentar suas razões em 10 (dez) dias;

(ii) caso a garantia apresentada não satisfaça o regulador, este fixará valor provisório, a ser caucionado como depósito judicial ou garantia bancária;

(iii) não prestada caução, o regulador requererá a alienação judicial da carga ao juiz da causa ;

e (iv) havida a alienação, permite-se ao consignatário o levantamento de quantia suficiente para arcar com as despesas dela decorrentes. Ainda sobre o regulador da avaria , este deve fixar prazo para que as partes colacionem aos autos documentos necessários à elaborar o laudo pericial, o “Regulamento da Avaria Grossa “, e proceder a sua juntada aos autos processuais no prazo de 12 (doze) meses (art. 710) – mesmo perãodo da legislação processual anterior. Não havendo impugnação pelas partes, o juiz irá homologar o regulamento por sentença e, havendo impugnação, será ouvido o perito, decidindo o juiz no prazo de 10 (dez) dias (art. 710, §§ 1º e 2º). Salienta-se, no entanto, conforme autoriza o espírito do novo Código, que tais prazos podem ser flexibilizados de acordo com a vontade das partes por meio dos negócios processuais e da aplicação do princípio de cooperação das partes. O novo Código Processualista contemplou, portanto, o referido procedimento especial do Direito Processual Marítimo, com o claro objetivo de dar alguma segurança no cumprimento e/ou na rescisão dos contratos relativos ao transporte marítimo. Assim, viabiliza, em sua toada, o comércio exterior por navegação, sem ultrapassar com as suas previsões o caráter eminentemente privado da solução de controvérsias no Direito do Comércio Internacional.

CONCLUSão

Neste breve mergulho sobre o tema, pretendeu-se demonstrar, ainda que brevemente, que as avarias grossas são um dos temas mais controversos, e, por isso, fascinante do Direito Marítimo, desde os seus primórdios, possuindo relação com a essência histórica dasaventuras marítimas e do compartilhamento dos riscos que lhe são inerentes. Conforme se concluiu, no Direito brasileiro, contudo, o tema é pouco tratado, com detida doutrina e escasso pronunciamento jurisprudencial, pois grande parte das avarias grossas ocorridas sequer alcança o grau recursal ou, mais rotineiramente, encerra-se com acordos extrajudiciais ou procedimentos arbitrais.

Por fim, acredita-se que, diante da ocorrência de recente caso de avaria grossa declarada, Maersk Londrina – caso este nem sempre frequentes -, e diante da revitalização dos diplomas domésticos acerca da matéria, como o Código de Processo Civil há pouco em vigor, como o anteprojeto do Código Comercial e ainda a atualização das Regras de York e Antuérpia neste ano de 2016, a discussão aquecerá e haverá mais diálogos a serem tecidos, bem como outras questões surgirão.

REFERÊNCIAS

CRUZ, Samyr. As avarias e o direito marítimo. Disponível em: . Acesso em: 17 jun. 2016.

GIBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e prática do direito marítimo. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014.

MARTINS, Eliane Octaviano. Curso de direito marítimo. Barueri/SP: Manole, v. II, 2013.

SANTOS, Theophilo de Azeredo. Direito da navegação. Rio de Janeiro/RJ: Forense, 1968.

ZANIN, Renata Baptista. Direito do mar e a legislação brasileira: a influência da Convenção de Montego Bay na Constituição
Federal. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC, n. 16, jul./dez. 2010.

Site

Disponível em: . Acesso em: 17 jun. 2016.