A crise nos mercados internacionais, com a redução dos volumes do comércio, abre espaço para as empresas repensarem sua matriz de transporte doméstico e racionalizar sua logística até o porto. Essa é a aposta do setor de Cabotagem (navegação entre os portos do mesmo país), que responde por menos de 15% da matriz de transporte nacional, apesar de ser mais competitiva do que o caminhão.
Segundo o Gerente de Cabotagem da Aliança Navegação, Gustavo Costa, existe um vasto potencial de crescimento do setor, que vem sendo mais notado nos últimos anos. “A maior parte de nossos clientes afirma que não participamos com mais de 5% do potencial de cargas da cadeia logística”, afirma.
O universo de mercadorias na cabotagem vai desde produtos de higiene e limpeza, passando por alimentos e bebidas e eletroeletrônicos. E basicamente tudo o que se produz na Zona Franca de Manaus, o grande polo irradiador de cargas para o Sul e Sudeste.
No primeiro semestre, a Aliança respondeu por aproximadamente 53% dos cerca de 270 mil TEUs (contêineres de 20 pés) que estima terem sido operados no transporte marítimo interno de contêineres. A empresa deve encerrar o ano com 50%, pequena queda devido, em grande parte, à entrada de uma nova empresa no setor de transporte de contêiner.
De acordo com levantamento realizado pela Secretaria Especial de Portos (SEP), afirma Costa, o potencial da Cabotagem é de atrair pelo menos 1 milhão de TEUs por ano. A se confirmar a projeção de que este exercício fechará com cerca de 590 mil TEUs (crescimento de quase 10% ante 2010), há quase o dobro de cargas aptas a deixar as estradas e embarcar em um navio.
“O mercado está limitado pela falta de oferta de navios para induzir a migração da carga da rodovia para o marítimo. Então a Maestra é bem-vinda”, afirma Costa, referindo-se à companhia que iniciou operação em maio com um navio e prevê encerrar 2011 com quatro embarcações operando na costa.
Antevendo a demanda reprimida, a Aliança estuda ampliar a frota, hoje composta por dez embarcações. “Estamos consultando estaleiros no Brasil para ver a possibilidade de construir navios no médio e curto prazos”, revela o executivo. Ainda não está definido se seriam duas ou quatro novas embarcações. A exemplo das existentes, todas serão exclusivamente porta-contêineres.
A Maestra iniciou as operações neste ano e tem dois navios na rotação. Com o Mediterrâneo e o Atlântico, realiza escalas semanais em Navegantes (SC), Santos, Rio de Janeiro, Salvador (BA) e Suape (PE). Quando o terceiro navio, o Pacífico, for empregado, a rota incluirá Manaus. Egresso do setor rodoviário, o Diretor-Presidente da Maestra, Fernando Real, discorda de uma certa “demonização” do transporte rodoviário – o principal argumento para justificar o deslocamento do contêiner para a água. “Se nós queremos desenvolver esse país, temos de falar em multimodalidade”, afirma. Afinal, nenhum navio chega até a porta das Casas Bahia ou das lojas Panasonic. “Precisamos trabalhar com parceiros rodoviários nas pontas. Estamos fazendo isso.”
Na ponta do lápis, um dos clientes conseguiu reduzir em 15% o custo num percurso entre Navegantes e Suape, de 3,2 mil quilômetros. A empresa, que tem carretas próprias, retirou os caminhões do trecho longo e os manteve apenas nas pontas (a entrega da carga até o porto de origem e a retirada no de destino). No cômputo geral, o custo com frete, com Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e pedágio para um contêiner de 40 pés ficou em R$ 6.559,14 no modal que combinou Cabotagem e rodoviário, ante R$ 7.662,97 quando utilizado apenas o rodoviário. Vale destacar que na comparação de fretes, o modelo híbrido ficou 10% mais barato.
Para o Diretor da Mercosul Line, Roberto Rodrigues, a Cabotagem oferece ainda outro atrativo. Além de em tempos de crise as empresas tenderem a redesenhar sua malha logística, o índice de avarias da carga no transporte marítimo é bem menor que no rodoviário. “Outro ponto importante no custo é o seguro, que no rodoviário é elevado porque existe um alto índice de roubos e sinistros nas rodovias.”
A empresa opera com três navios próprios e um em parceria com a Log-In. Com uma carteira de aproximadamente 500 clientes, prevê movimentar 95 mil TEUs neste ano, 30% a mais que em 2010. “Estamos otimistas”, afirma Rodrigues. “Entre 60% e 70% desse volume vêm de clientes que até então não utilizavam e estão migrando”, diz.
Apesar dos benefícios da Cabotagem, as empresas sofrem com problemas que vão muito além da questão cultural. São os altos valores do bunker (o combustível marítimo) e a falta de mão de obra para tripular as embarcações, quase toda comprometida com as encomendas offshore.
Enquanto o transporte rodoviário tem sua base de custo constante ao longo dos anos, a variação do bunker responde às oscilações do barril de petróleo. “O valor do diesel no transporte não teve variação ou teve muito baixa no seu preço, enquanto no transporte de cabotagem eu pago impostos que não incidem nem no longo curso”, afirma Costa, Gerente da Aliança.
“Não existe incentivo para a Cabotagem, que poderia ser uma alternativa de sustentabilidade”, afirma Rodrigues, da Mercosul Line. “Só queremos isonomia de tratamento”, completa Real.
Em relação à mão de obra, os armadores avaliam que faltam profissionais para tripular os navios. Do lado dos profissionais de Marinha Mercante, estudos tentam provar o contrário. O fato, afirma Real, é que as empresas têm lançado mão de condições de trabalho mais atraentes para atrair mão de obra. Historicamente, o regime de trabalho é de 2 para 1, no qual o marítimo trabalha duas viagens e folga um perãodo. Hoje, quase todas as companhias adotam o um para um.