– O governo federal deve lançar em janeiro o edital do chamamento público para a concessão da Ferrovia Varginha–Angra dos Reis, projeto aguardado há anos por lideranças logísticas e empresariais do Sul Fluminense. A iniciativa cria um novo modelo de licitação ferroviária — o chamamento — e abre caminho para que grupos privados assumam a operação e revitalização do trecho.
Segundo o presidente da Agência de Desenvolvimento Regional (ADR), Péricles Aguiar, dois grupos já demonstraram interesse direto na operação do ramal: o Porto Seco de Varginha e o Porto de Angra dos Reis, que avaliam a viabilidade econômica para criação de um consórcio logístico no corredor ferroviário.
“Eles já estiveram no Ministério e apresentaram estudos mostrando que o projeto é economicamente viável. O consórcio vê oportunidade real de escoamento de cargas e redução de custos. O Porto de Angra tem interesse estratégico por causa da ligação direta com o interior de Minas e com o Sul Fluminense”, afirmou Péricles. O chamamento que deve ocorrer em abril é considerado decisivo para destravar o empreendimento.
Atualmente, grande parte das cargas originadas na região de Varginha e Lavras — especialmente café, grãos e produtos industrializados — é direcionada para o Porto de Santos, via rodovias. O volume é expressivo: estimativas privadas apontam que entre 800 e 1.200 carretas por dia seguem para o litoral paulista, elevando custos logísticos, desgaste rodoviário e emissões de CO₂.
Segundo Péricles, isso impacta diretamente a economia fluminense. “Hoje, quem ganha com essa movimentação é o Estado de São Paulo. Todo o fluxo vai para Santos, e o Rio não recebe nada dessa operação. Com a ferrovia ativa, parte importante dessa carga poderia seguir para Angra ou mesmo para o Porto do Rio, fortalecendo nossa economia.”
O trecho é considerado estratégico também para o agronegócio do Sul Fluminense, que enfrenta dificuldade no abastecimento de insumos como milho e farelo. “Para quem cria gado aqui na região, comprar milho está inviável. O custo de frete aumenta muito. Com o modal ferroviário, a rentabilidade muda completamente. A ferrovia não serve só para exportar: ela barateia insumos que voltam para cá.”
Investimento estimado e modelagem financeira
O governo discutiu inicialmente um aporte federal de R$ 600 milhões para o projeto. Segundo Péricles, há incerteza sobre o repasse: “Esse aporte de R$ 600 milhões ainda não está garantido. Se entrar, viabiliza parte essencial da recuperação do trecho. Se não entrar, há risco real de o chamamento ficar esvaziado.”
O levantamento técnico preliminar estima: R$ 1,2 bilhão para requalificação do trecho Arcos–Angra, incluindo obras, sinalização e recuperação de trechos degradados; dos quais uma parte seria para implantação de segmentos faltantes, e outra para aquisição de vagões, locomotivas, pátios e entrepostos; o operador vencedor seria responsável por complementar o aporte total. “Se houver os R$ 600 milhões federais, o privado entra com outros R$ 600 milhões. Se não houver, o operador precisa aportar quase tudo. Esse é o desafio.”
Oportunidades para o Sul Fluminense
A ferrovia corta municípios estratégicos como Barra Mansa, que funciona como nó ferroviário histórico, integrando a antiga RFFSA, a MRS e diversas linhas industriais. “Barra Mansa pode voltar a ser um entreposto logístico. Temos ali a junção de duas ferrovias. A carga que vier de Varginha pode fazer aqui na região. Isso fortalece toda a cadeia do Sul Fluminense.”
Além disso, o ramal ferroviário pode impulsionar: redução de custos para indústrias de Volta Redonda, Barra Mansa e Resende; oferta de rota alternativa para produtos metalúrgicos e siderúrgicos, reduzindo dependência do modal rodoviário; fortalecimento do Vale do Café, que poderia utilizar o transporte ferroviário para escoar produção agrícola e receber insumos;
ampliação da capacidade de movimentação do Porto de Angra, que passa por processo de reposicionamento econômico.
Segundo Péricles, a retirada da VLI como possível operadora abre caminho para a entrada de novos agentes. “A VLI não deve operar esse ramal. Ela tem interesse apenas no trecho Lavras–Volta Redonda, que atende à CSN. Isso libera o corredor para que o consórcio interessado possa assumir.”
Ele destacou também que a VLI está devolvendo cerca de 2.000 km de ferrovias inativas em sete estados, abrindo espaço para revisões regulatórias que favorecem projetos como o Varginha–Angra.
“Onde houver ocupação, é invasão”
A maior parte do trecho dentro do Rio de Janeiro não exige novas obras — apenas recuperação da via permanente.
“Onde houver ocupação, é invasão. Não haverá novas desapropriações no trecho fluminense. A parte nova é apenas entre Varginha e Lavras.”
Péricles avalia que o projeto é uma das maiores oportunidades logísticas para o Sul Fluminense nas últimas décadas, mas adverte sobre o risco de frustração. “Se o governo não garantir parte do investimento, podemos perder o interesse do consórcio. E perder essa ferrovia significa deixar escapar uma chance histórica de fortalecer nossa economia.”
“Esse projeto tem ganhos diretos: insumos mais baratos, exportação mais rápida, atração de indústrias e revitalização dos entrepostos regionais. O Sul Fluminense precisa dessa ferrovia”.