Enquanto os mercados financeiros derretem mundo afora em função da crise que atinge Europa e Estados Unidos, o setor elétrico brasileiro nada contra a corrente e colhe frutos da fuga de capitais desses países.
Em dois dias, o governo federal realizou leilões de energia que vão movimentar R$ 10 bilhões em investimentos diretos no país em um espaço de dois anos e meio. Cerca de 80% desse total será de investimento privado. Do capital privado, 25% virá de grupos de energia europeus como Abengoa, Endesa, Enel, Gestamp e Voltalia.
Mas a participação estrangeira não parou por aí. Empurrados pela crise, os fornecedores mundiais de equipamentos de energia eólica – sem chance de vender em seus mercados tradicionais pelos próximos anos – voltaram seus olhos para o país de forma agressiva e foram os grandes responsáveis pela queda dos preços desse tipo de energia nos leilões que aconteceram nos últimos dois dias. A eólica foi negociada abaixo de R$ 100 o MWh e passou a ser comparável com a energia hidrelétrica.
O presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABeólica), Ricardo Simões, diz que esse é um movimento claro dos fornecedores, já que 70% do investimento em um parque eólica é feito em equipamentos. Mas investidores e fornecedores baixaram margens, diz Simões. Os fornecedores que mais venderam equipamentos foram a americana GE, a espanhola Gamesa e a argentina Impsa. Todos eles com produção local. As duas últimas fecharam contratos com o consórcio liderado pela Rio Bravo Investimentos e que tinha a Eletrosul como sócia. A competição no Brasil no setor de energia eólica surpreendeu até mesmo o governo federal, que não esperava um deságio tão grande no leilão.
Leilões também foram marcados pela estreia das brasileiras Rio Bravo e Odebrecht Energia no setor eólico.
É uma quantidade alucinante de fornecedores entrando no país porque os mercados europeus e americanos não compram mais equipamento eólico, diz um importante executivo de uma firma estrangeira que também produz equipamentos no país. O número de fornecedores com fábricas no Brasil já chega a uma dezena. Os preços baixaram tanto que o diretor da Rio Bravo Investimentos, Fábio Okamoto, diz que se descobriu, com esse leilão, que é possível comprar equipamento produzido no Brasil com preços melhores do que os chineses. Chinês não leva vantagem em tudo, diz Okamoto. A Rio Bravo foi a grande vencedora da parte eólica do leilão. A empresa é majoritária em todos os parques vendidos em conjunto com a Eletrosul e também em parques vendidos com a Servitec no Nordeste. Ao todo, o fundo de investimentos vai erguer mais de 500 MW e investir cerca de R$ 2 bilhões.
As estatais da Eletrobras participaram com afinco do leilão, mas sempre em posição minoritária para manter as sociedades como empresas privadas. Além da Eletrosul, Furnas e Chesf venderam energia. Furnas em parceria com o consórcio Famosa (BMG e Ventos Tecnologia) e a Chesf em sociedade com o grupo francês Voltalia. O leilão também foi marcado por estreantes. Além da Rio Bravo, a Odebrecht Energia vendeu a produção de parques que terão capacidade de 120 MW, com fornecimento de equipamentos da francesa Alstom.
Dos R$ 10 bilhões totais em investimentos nos mais de 3 mil MW de capacidade instalada negociada, cerca de R$ 6,5 bilhões serão aplicados nos parques eólicos, que juntos terão 1,9 mil MW. Outros R$ 2 bilhões vão ser investidos pela Petrobras e MPX Energia que venderam energia de termelétrica movidas a gás natural e juntas têm capacidade de 1.000 MW.
Outro destaque do leilão foi a Renova Energia que vendeu parques com capacidade de 212 MW. O diretor da empresa, Pedro Pileggi, aponta três motivos para conseguir baixar preço: o câmbio que caiu 10% em relação ao leilão do ano passado, as sinergias dos parques da empresa que vão somar 1.000 MW todos no Nordeste do país e ainda a forte competição dos fabricantes de equipamentos. Esses fornecedores precisam viabilizar o volume para justificar a produção local e precisamos de índice de nacionalização para o financiamento do BNDES, diz Pileggi.