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Clippings - 11/07/22

Déficit de armazenagem de grãos chega a 100 milhões de toneladas

Arquivo/Divulgação

Milhares de toneladas de soja têm sido deixadas no chão, por causa da incapacidade de armazenagem em silos e de outras estruturas como silos-bolsa, alertaram especialistas durante Centro-Oeste Export

Cerca de 100 milhões de toneladas de grãos não têm ou não tiveram condições de armazenagem durante o ciclo agrícola de 2021/2022, que foi encerrado no dia 30 de junho, iniciando sua nova fase (2022/2023) em 1º de julho. As estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) apontam um aumento, em comparação com a safra anterior, superior a 5% no volume produzido na safra, podendo variar entre 260 e 270 milhões de toneladas de grãos, respectivamente.

“Já recebi informações sobre 200 mil toneladas de soja, simplesmente, deixadas ao chão por não ter capacidade em silos, nem outras estruturas como silos-bolsa, para essa armazenagem. Esse é um dos grandes desafios do Brasil, que está mudando agora com o escoamento tanto pelo modal ferroviário quanto pela infraestrutura dos portos, que está cada vez melhor”, relatou Everaldo Fiatkoski, conselheiro do Centro-Oeste Export, na última semana, durante o painel “Armazenagem de cargas: desafios e soluções” do segundo dia Centro-Oeste Export – Fórum Regional de Logística e Infraestrutura Portuária”, em Campo Grande (MS).

Na visão dele, para sanar o gargalo – que já é conhecido e um assunto antigo na agricultura dentro e fora da porteira – não teria muita saída a não ser ampliar essa capacidade. “Em outros países, como os Estados Unidos, 65% da armazenagem de produtos a granel é feita dentro das fazendas, das propriedades rurais. Esse número é até maior, chegando a 85% em lugares como o Canadá. No Brasil, é de apenas 14%, um volume muito pequeno”, comparou.

De acordo com o conselheiro, a armazenagem desses produtos em outros locais, como armazéns de terceiros, gera um custo significativo para os produtores rurais, considerando que construir um armazém graneleiro gira em torno de R$ 1,2 mil por tonelada estática armazenada e isso precisaria ser incluído no custo produtivo posteriormente. “Em outras palavras, isso acaba gerando um custo, levando em conta que 100 milhões de toneladas é um volume muito alto que não pode ser armazenado”, reforçou Fiatkoski.

Escoamento da safra
Depois que os grãos colhidos seguem seus destinos, para o mercado interno ou externo, começa outro problema: o escoamento pelas rodovias brasileiras, levando em conta que muitas delas são da década de 70. “A capacidade de armazenagem do Brasil é de (mais ou menos) 168 milhões de toneladas e boa parte disso não tem tecnologias. Então, temos uma estrutura bastante defasada não só pela quantidade, mas pela qualidade desse armazenamento”, disse o conselheiro.

Na opinião dele, do ponto de vista da segurança alimentar do país e do restante do mundo, que compra os produtos nacionais, também é importante e urgente garantir a sanidade do armazenamento. “O Brasil vai começar a ser cobrado por isso, pois cada exportação daqui passa por testes, por análises, e se acontecer realmente alguma contaminação, esse produto pode ser até mesmo rechaçado”, alertou.

Até parece que Fiatkoski previu uma situação (não foi por contaminação), que aconteceu após sua participação no Centro-Oeste Export, em 5 de julho. Uma publicação do Canal Rural (no dia 9) informou que a maior compradora de soja do Brasil – a China – está insatisfeita com a qualidade do grão que recebe, mesmo que ela ainda tenha mais qualidade que a do seu principal concorrente, os Estados Unidos.

Mesmo assim, no documento formulado pela Administração Estatal de Regulamentação do Mercado e a Administração de Padronização da República Popular da China, e protocolado na Organização Mundial do Comércio (OMC), os chineses impuseram que a soja importada pelo país asiático tenha maiores teores de óleo e de proteína, além de menos umidade.

“Se a proposta comercial for firmada entre o país asiático e seus fornecedores – o que ainda não tem prazo para acontecer –, processos de toda a cadeia da soja serão fortemente impactados e o produtor terá de se desdobrar para atendê-los”, alertou o canal.

Venda na entressafra
Retornando ao debate do fórum e considerando que os principais grãos armazenados em silos são arroz, café, milho, soja e trigo, o adequado armazenamento da safra também gera uma possibilidade de venda posterior na entressafra, a preços melhores para os produtores rurais. “Mas compensaria o valor da armazenagem? Além disso, a safra precisa de insumos, como combustíveis, produtos químicos, as próprias sementes, que também precisam ser armazenadas e trazidas para o local do plantio, da semeadura”, destacou conselheiro do Centro-Oeste Export.

Em relação aos portos brasileiros, os especialistas que participaram do encontro afirmaram que eles têm investido na armazenagem de passagem, até para terem maior capacidade de operação dos navios, mas isso não resolve a situação. Na outra ponta, dentro das porteiras, existem tecnologias – como a agricultura de precisão ou agricultura 4.0 – sendo aplicadas no meio rural. E o déficit de armazenagem está no meio disso, ou seja, atrapalhando os avanços da produtividade, da qualidade e da rentabilidade da produção agrícola do país.

Se o escoamento da safra fosse melhorado e ampliado via modal ferroviário, por exemplo, acenderia uma luz no fim do túnel. É o que todos esperam, após as recentes autorizações para esse setor, via Medida Provisória (MP) nº 1.065/2021, que devem ampliar a capacidade do transporte de carga de grãos, em diferentes cenários.

Contribuição das instituições
Presentes durante o Centro-Oeste Export, tanto a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) – Unidade Territorial, entre outras instituições representativas e empresas do país, vêm se debruçando em soluções para a cadeia produtiva do agronegócio, especialmente para o déficit de armazenagem de grãos.

“Na Argentina, a armazenagem nas fazendas é de 40% e no Brasil está muito aquém do que gostaríamos (14%), até mesmo como estratégia para o produtor rural, que poderia se beneficiar dessa estrutura para ter uma oportunidade melhor, especialmente na entressafra, quando as ruas, as estradas, a infraestrutura terrestre e a infraestrutura hidroviária se encontram, de certa forma, disponíveis. Daí não teríamos de enfrentar problemas como congestionamento de caminhões e filas nos portos”, ressaltou Elisangela Lopes, assessora técnica de Logística e Infraestrutura da CNA.

Segundo a especialista, o déficit de armazéns tem feito com que os agricultores negociem seus produtos em tempo inadequado, em termos de estratégia financeira e lucratividade. Outro problema que ela vê está relacionado ao escoamento do agronegócio pelo modal ferroviário.

“Pelas ferrovias, apenas 17% da produção é do agro e 76% de minério de ferro. Daí a necessidade de aumentar essa oferta de infraestrutura ferroviária. Os nossos rios precisam ser mais bem aproveitados, para não acontecer o que houve com o Tietê-Paraná, que teve mais uma paralisação por falta de manutenção desse rio”, disse Elisangela.

Ao destacar a falta de um mapeamento real/concreto do cenário da armazenagem no país, ela adiantou que a Confederação da Agricultura e Pecuária já encomendou um amplo estudo a ser divulgado dentro dos próximos três meses.

No caso da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, o interesse por questões logísticas do país começou há quase sete anos. “Desde 2015, a Embrapa Territorial passou a ter interesse nas questões logísticas, a partir de um estudo que realizamos, mostrando que se difundíssemos todas as tecnologias que temos (da estatal), para os produtores rurais brasileiros, eles teriam um aumento de competitividade na ordem de 15-16%. Mas se nós resolvêssemos os problemas do pós-porteira, esse aumento de competitividade seria de 36%”, destacou o pesquisador Gustavo Spadotti Castro, chefe-geral da Embrapa Territorial.

Aumento da competitividade
Na opinião dele, esse olhar específico para o pós-porteira, para as questões ligadas à logística, ao escoamento e à chegada dos insumos agropecuários até as propriedades rurais, à saída deles das fazendas até os centros consumidores – sejam para o processamento nas indústrias, para o comércio interno ou para os terminas portuários rumo a outros países – traria um impacto positivo na competitividade do agronegócio, de modo geral.

No caso dos agricultores, analisou Castro, tudo isso envolveria a ampliação do fornecimento de alimentos em quantidade e qualidade para o mercado consumidor nacional, mantendo os preços competitivos para a agropecuária, mas também colocando seus produtos em todo e qualquer porto do mundo, a preços tão ou mais competitivos em relação a países concorrentes do Brasil.

“Nós nos debruçamos nessa temática e, em vez de construirmos estudos ou alguns resultados específicos, nós partimos para outra estratégia de elaborar, dentro da Embrapa Territorial, um sistema de inteligência territorial estratégico, organizando bases de dados que estão dispersos em mais de cinco ministérios (do governo federal), em mais de dez secretarias e em entidades públicas e privadas”, comentou o pesquisador.

De acordo com ele, a partir desses números, pelo mesmo plano pode ser possível cruzá-los, gerando novas informações que respondam às principais questões relacionadas aos gargalos logísticos do Brasil.

“A informação tem valor ao transformar o Big Data em Ride Data (Divisão de Remediação e Redesenvolvimento, em português), em uma informação correta, precisa e na hora certa, para apoiar a tomada de decisão”, disse Castro, informando que o sistema de inteligência territorial está disponível no site da Embrapa.

Entre vários passos do sistema da Embrapa Territorial, um chamou bastante a atenção: as análises foram além dos modais meramente físicos. “Quanto ao estudo logístico no Brasil, que anteriormente ou até hoje, é tratado por corredor logístico, nós alteramos um pouco a nossa compreensão e passamos a trabalhar não com corredores, mas com bacias logísticas, que têm a mesma filosofia de uma bacia hidrográfica, por exemplo”, informou o pesquisador.

Ele relatou que as bacias logísticas devem mostrar por onde as safras brasileiras estão escoando até chegarem ao mercado consumidor interno ou a um terminal agroexportador, no caso dos grandes portos do país. “Com isso, conseguimos fazer oito bacias logísticas por todo o Brasil e daí sim, para cada uma delas, fazermos estudos específicos, verificando quanto está sua competitividade, quais são seus principais gargalos, quais são as obras e intervenções prioritárias para que sejam sanados esses problemas”.

Fonte: Revista Portos e Navios