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Na Mídia - 21/10/20

Desastres ambientais marítimos: a importância das convenções internacionais ainda não ratificadas pelo Brasil. Por Gabriela J. Paoliello e Tarik B. K. Jacob

 

Como se sabe, a evolução da indústria naval aumentou significativamente o volume de operações em vias marítimas. Ampliou, igualmente, o volume de atividades que cada uma das embarcações (seja de apoio, seja de transporte de carga, seja plataforma, etc.) consegue realizar individualmente, o que faz com que embarcação seja potencialmente mais perigosa em termos de riscos ambientais hoje do que no passado.

Felizmente, o que se vê é que, com o incremento da tecnologia no setor, o número de acidentes marítimos é cada vez menor.

Contudo, atualmente ainda é possível observar a ocorrência de acidentes envolvendo embarcações cada vez maiores, com operações cada vez mais complexas, assim como o recente incidente de derramamento de óleo pelo navio “MV Wakashio”, encalhado há quase um mês na costa das Ilhas Maurício. Tais incidentes, possuem um potencial de gerar efeitos ambientais adversos cada vez maiores e, assim, os desastres ecológicos podem chegar a prejuízos bilionários.

E há casos, ainda, em que não fica claro quem irá arcar com a conta, seja porque não se consegue identificar a origem da poluição, ou porque os agentes diretamente envolvidos não possuem capacidade financeira, etc.

Um exemplo importante é o incidente de derramamento de óleo no litoral nordeste do Brasil, que ocorreu em agosto de 2019, considerado um dos maiores acidentes ambientais na costa Brasileira, onde não foram identificados os responsáveis ou a origem do óleo. Diante disso, a marinha já vem se movimentando para apresentar estudos sobre as regulamentações ambientais, bem como realizando operações para a contenção do óleo e uma intensa investigação para apurar as causa e circunstâncias do derramamento, por meio de um Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA), composto por diversas instituições voluntárias e governamentais.

Outro evento importante foi o alijamento realizado em junho deste ano do navio graneleiro “MV Stellar Banner”, que se encontrava encalhado a cerca de 100 quilômetros da costa do Maranhão. Apesar de a situação estar aparentemente estabilizada na área de alijamento, o risco de vazamento dos resquícios de minério de ferro e óleo existentes na embarcação, bem como a remoção de eventuais destroços, ainda preocupam as autoridades.

Diante disso, a pergunta que fica é: como as autoridades brasileiras estão abordando a situação e quais são as medidas previstas para solucionar os problemas decorrentes de acidentes ambientais? E principalmente, quem paga a conta da despoluição?

Esses questionamentos em jurisdições estrangeiras levaram à criação de diversos mecanismos internacionais de proteção que o Brasil ainda não ratificou. Sabe-se que, historicamente, o Brasil não tem a tradição de aderir a convenções e tratados internacionais e, em matéria marítima ambiental, o cenário não é diferente.

O Brasil ainda não aderiu, por exemplo, ao protocolo atualizado da Convenção de Responsabilidade Civil por Danos Causados por Poluição por Óleo (em inglês, International Convention on Civil Liability for Oil Pollution Damage – CLC) de 1992, que prevê um fundo de compensação (IOPC Fund 92) por danos ambientais em valor próximo a R$ 1,5 bilhão e um fundo suplementar com limite superior a R$ 5 billhões, bem como à Convenção Internacional de Nairobi (em inglês, Nairobi International Convention on the Removal of Wrecks – WRC), de 2007.

A ausência de adesão das convenções representa uma fragilidade do Brasil frente à incidentes como os mencionados acima, visto que tais convenções são importantes ferramentas para prever a responsabilização, o custeio e a regularização do processo de limpeza de óleo e remoção de destroços de embarcações.

A CLC 69, por sua vez, foi regulamentada pelo Decreto nº 79.437/1977 e previa a limitação de responsabilidade civil do armador e a contribuição de um fundo de compensação por danos ao meio ambiente (no valor máximo de R$ 460 milhões), no que exceder a este valor da limitação. Porém, traz limitações importantes quando comparada à CLC 92. A mais importante delas é estar atrelada ao fundo IOPC 71, que deixou de existir em 2002, em função da adesão do protocolo mais recente da CLC pelos países signatários, que dispõe do fundo IOPC 92.

Os Fundos Internacionais de Compensação da Poluição por Petróleo (Fundos da IOPC) são financiados pelas entidades que recebem determinados tipos de óleo por via marítima e conferem uma garantia importante para danos causados pela poluição por petróleo. Os benefícios incluem o direito a equipes de resposta para suporte, emergência, limpeza e indenização aos prejudicados, mesmo que não sejam identificados o armador ou poluidor, tal como o caso da poluição por óleo da costa brasileira no fim de 2019.

Infelizmente, o Brasil ainda não aderiu aos protocolos atualizados da CLC 69, isto é, a CLC 92 e ao IOPC 92 (atualizado em 2003). Além disso, o Brasil participa das reuniões dos IOPC Funds apenas como observador.

Destaca-se que, IOPC 92 já foi acionado em incidentes internacionais históricos como os dos navios Erika e Prestige (aproximadamente 108 e 100.7 milhões de libras esterlinas, respectivamente), o que reforça a sua capacidade de garantir a efetividade na reparação financeira dos acidentes.

Já a WRC 2007 determina a responsabilidade objetiva do proprietário do navio pela remoção de destroços das embarcações, bem como as medidas, diretos e obrigações para uma remoção rápida e eficaz, que abrange qualquer parte ou objeto perdido no mar. Tal convenção também se aplica aos casos em que o navio está prestes a afundar ou encalhar, como aconteceu recentemente com o navio Stellar Banner, afundado na costa do Maranhão em junho deste ano.

Além disso, o mais interessante da WRC 2007 é a exigência de que os navios, com arqueação bruta igual ou superior a 300, possuam um certificado que comprove seguro ou garantia financeira, facilita o custeio dos prejuízos na remoção de destroços, mesmo que o montante indenizatório se limite ao regime de limitação nacional ou internacional aplicável.

O Brasil ainda não é um Estado Membro da WRC 2007, todavia o procedimento de adesão pelo Brasil à convenção encontra-se em estudo pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE).

A impressão que fica é que nosso congresso ainda não percebeu a importância e a proteção que essas convenções trazem para desastres de grandes proporções. A falta de instrumentos regulatórios eficazes para tratar dos incidentes causados por descarga de óleo no mar e da remoção de destroços e navios cobra o seu preço toda vez que há um acidente deste tipo.

O Brasil precisa ratificar com urgência a CLC 92 conjuntamente com o FUND 92, e a Convenção de Nairobi, colocando em dia os seus planos de contingência, e, mais importante, preservando os recursos do governo federal em casos de inadimplência do armador. Se nosso país, com seu extenso litoral, tem vocação natural para o transporte marítimo, não podemos descuidar e ignorar ferramentas eficazes testadas com notável sucesso em jurisdições estrangeiras e em acidentes de grandes proporções.

As convenções internacionais trazem mais segurança ao setor. Falar a mesma língua da comunidade internacional é um fator atrativo de investimentos e equaliza os custos da navegação como um todo.

Afinal, a expedição marítima, antigamente referida como “aventura marítima”, tem o risco como elemento intrínseco. Mesmo com o avanço da regulação do setor, do alto investimento em treinamento e capacitação pessoal e, principalmente, da tecnologia ajudam a mitigar e a mensurar estes riscos mais adequadamente, as embarcações transportam cada vez mais carga e combustível, não havendo como prever a extensão de um eventual dano.

No fim, fica claro que a adoção de política normativa preventiva, com a ratificação das convenções, traria ferramentas importantes para custear e, consequentemente, remediar os efeitos adversos de um eventual acidente ambiental, proporcionando maior efetividade à reparação das suas vítimas.

Gabriela Júdice Paoliello e Tarik Bergallo Kalil Jacob são advogados do Kincaid Mendes Vianna Advogados

Fonte: Revista Portos e Navios