A definição dos limites para creditamento de PIS e COFINS no regime não cumulativo segue sendo uma das questões mais relevantes para setores estratégicos da economia, como o de petróleo e gás. A apuração e o aproveitamento de créditos sobre serviços complexos, como os relacionados ao transporte de gás natural e à operação offshore, vêm sendo objeto de discussões importantes no âmbito administrativo.
O objeto do julgamento envolve créditos de PIS e COFINS apurados pelo contribuinte, no contexto das atividades de exploração, produção e transporte de gás natural, com destaque para os valores pagos em contratos de transporte firme de gás na modalidade Ship or Pay, bem como despesas relacionadas à logística operacional offshore, como afretamento de embarcações e aeronaves, serviços portuários, projetos industriais e sistemas de tecnologia utilizados nas operações marítimas.
A discussão sobre o regime não cumulativo de PIS e COFINS gira em torno da possibilidade de as empresas descontarem créditos vinculados a custos e despesas essenciais ou relevantes para suas atividades. O creditamento, previsto nas Leis n.º 10.637/2002 e n.º 10.833/2003, exige a comprovação de que os bens ou serviços adquiridos se enquadrem no conceito de insumo, conforme definido pelo STJ no REsp 1.221.170/PR (Tema n.º 779). Esse assunto é um tema sensível e de muita controvérsia entre o Fisco e os Contribuintes, uma vez que existem divergências sobre o que deveria ser considerado como essencial e relevante dentro das atividades.
No recente Acórdão n.º 3202-002.360, proferido pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), foi analisada a possibilidade de creditamento de valores pagos pelo contribuinte em razão de contratos de transporte de gás natural na modalidade “Ship or Pay”, bem como o creditamento das despesas com afretamento de embarcações, serviços portuários, aeronaves, projetos industriais e sistemas operacionais utilizados nas atividades da empresa.
No contrato do tipo “Ship or Pay”, o transportador se compromete a manter disponível a capacidade contratada de transporte, sendo devido o pagamento pelo carregador ainda que não haja transporte efetivo de todo o volume contratado. No caso concreto, o contribuinte defendeu que esse encargo compõe o custo do transporte e é exigido por norma regulatória da Agência Nacional do Petróleo (ANP), conforme disposto na Resolução ANP n.º 15/2014 e na Lei n.º 11.909/2009 (Lei do Gás).
O CARF reconheceu, por maioria, que o encargo “Ship or Pay” representa parte integrante do preço contratado e está intimamente ligado ao processo produtivo, já que sua finalidade é garantir o abastecimento ininterrupto de gás natural. Nessa linha, entendeu-se que o pagamento desse encargo dá direito ao crédito de PIS e COFINS, sendo considerado como insumo diretamente ligado ao processo produtivo.
Do mesmo modo, foi reconhecido o direito ao crédito sobre afretamento de embarcações utilizadas na cadeia operacional da empresa. As embarcações afretadas (navios-sonda, embarcações de apoio e FPSOs) atuam nas atividades de apoio a cadeia de exploração do petróleo, sendo utilizadas para transporte do petróleo, seus derivados ou gás natural. O colegiado entendeu que tais embarcações são essenciais para o deslocamento dos materiais às plataformas de exploração offshore, integrando diretamente o processo produtivo da companhia.
Por outro lado, o CARF manteve as glosas sobre créditos extemporâneos, sob o argumento de que o aproveitamento de créditos relativos a períodos anteriores depende da retificação das obrigações acessórias pertinentes, como a EFD-Contribuições. Sem isso, restaria comprometido o controle fiscal, vedando-se o aproveitamento direto do crédito.
Também foram mantidas, por maioria dos votos, as glosas sobre afretamento de aeronaves e serviços portuários. O afretamento de aeronaves estaria relacionado com o transporte de pessoal para os locais da operação, sendo mantida a glosa por entender que nesse caso que o afretamento de aeronaves não teria natureza de bem ou serviço, não se amoldando ao conceito de insumos estabelecidos na legislação.
No que tange às despesas portuárias, o contribuinte descreveu as mesmas como sendo “manutenção em área portuária”, “movimentação marítima de cargas”, “obras portuárias”, “projetos obras portuárias”, “rebocadores portuários” e “utilização de portos”. O CARF entendeu que tais despesa, além de genéricas, não estariam relacionadas com etapas do processo produtivo não se enquadrando nos critérios de essencialidade ou relevância na atividade fim da empresa fixados pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp n.º 1.221.170/PR, tema de repercussão geral no regime não cumulativo.
A decisão reforça a importância da demonstração concreta da vinculação das despesas à atividade produtiva, bem como da regularidade formal das declarações fiscais, em especial no caso de aproveitamento de créditos em períodos distintos dos de sua origem.
Por fim, o Acórdão n.º 3202-002.360 contribui para consolidar o entendimento de que serviços regulados ou exigidos por normas específicas, como por exemplo os contratos na modalidade “Ship or Pay”, devem ser considerados insumos geradores de crédito de PIS/COFINS, desde que devidamente comprovados, reiterando a aplicabilidade dos critérios de essencialidade e relevância previstos na jurisprudência do STJ.
Contudo, a aplicação desse entendimento está condicionada à observância estrita dos requisitos formais e materiais, incluindo a retificação das declarações fiscais, formalização contratual, rastreabilidade das despesas e documentação que comprove o efetivo vínculo dos custos com o processo produtivo.