unitri

Filtrar Por:

< Voltar

Na Mídia - 24/08/21

Direito Marítimo e Direito do Mar: Uma Interlocução Necessária por Paulo Henrique R. de Oliveira

O Direito do Mar e o Direito Marítimo, embora sejam disciplinas tradicionais na ciência do Direito e com ampla aplicação prática não são conhecidas por grande parte das pessoas, incluindo nesse rol cientistas do Direito. Dentre os diversos motivos que possam levar ao desconhecimento da disciplina está a sua ausência no currículo da graduação. Em ampla pesquisa, não se verificou nenhum curso de graduação em que Direito do Mar seja uma disciplina específica e menos de uma dezena de instituições que oferecem Direito Marítimo no bacharelado, um número ínfimo para um país com mais de 1.500 cursos de Direito1
.
Entretanto, compreender esse cenário torna-se ainda mais complexo em um país com mais de 10 mil quilômetros de costa como o Brasil, garantindo uma posição entre os 20 países com maiores costas marítimas.

Tão importante quando conhecer o Direito Marítimo e o Direito do Mar é compreendê-los sistematicamente, contribuindo para sua evolução e prática. É por meio da tutela jurídica oferecida por ambas disciplinas que questões de interesse nacional e internacional são administradas.

Todavia, antes de adentrarmos brevemente em exemplos práticos da importância das disciplinas, cumpre expor sua conceituação clássica. Tradicionalmente o Direito do Mar é definido como um ramo do Direito Internacional Público, cuja preocupação é a delimitação dos espaços marítimo, refletindo na jurisdição e soberania. Ao seu turno, o Direito Marítimo tutelaria as relações entre particulares decorrentes da navegação comercial e do comércio marítimo.

Tais definições guardam sua importância para sistematização do estudo das disciplinas, entretanto, a evolução pelo qual a sociedade internacional passou e vem passando nas últimas décadas, com reflexos diretos no Direito Internacional e nas Relações Internacionais impõe uma interlocução necessária entre as disciplinas.

Notadamente, a proteção internacional dos Direitos Humanos e a crescente importância do Direito Internacional do Meio Ambiente não só impõem mudanças de conduta, como também de interpretação. Na atualidade urge como necessário interpretar toda e qualquer norma, qualquer que seja seu nível hierárquico, com a perspectiva da tutela dos direitos fundamentais. Essa necessária interpretação impõe uma superação na divisão estanque de relações públicas e privadas, pois certo que todas estão, ou ao menos deveriam estar, sob os mesmos critérios interpretativos.

Nesse sentido, atividades tão relevantes como o Comércio Marítimo, responsável pelo transporte de mais de 90% do tudo que se comercializa no mundo, a pesca, a exploração dos fundos marítimos, as atividades offshore e uma série de outras ocorrências no meio marítimo não podem ser categorizadas apenas no Direito Marítimo, uma vez que sua realização também dialoga com conceitos de soberania e jurisdição.

Ainda, necessário compreender que enquanto agentes na realização de atividades no mar, tanto os Estados, como as empresas e os indivíduos, devem observar não só pelo não prejuízo ao meio-ambiente e a lesão a direitos humanos, como pela sua concretização.

Não obstante, a extensão dos oceanos impõe que normas sejam não só respeitadas, mas recebam suporte do mais diferentes atores para sua concretização. Embora seja possível identificarmos por uma série de métodos diferentes oceanos, é insuperável sua comunicabilidade constante. Os atos no mar territorial de um Estado, por mais singelos que possam parecer ser refletirão em toda a extensão dos oceanos.

A administração das águas requer da sociedade internacional um novo patamar de cooperação. Seja por meio da Cooperação Jurídica Internacional, pela Governança ou por qualquer outro arranjo, é necessário que os diversos Estados, inclusive os não costeiros, dialoguem e incluam os atores, principalmente os armadores na gestão dos espaços marítimos.

O reconhecimento da importância dos espaços marítimos fez com a ONU instituísse a Década dos Oceanos entre 2021-2030. Oportuno aproveitar esse período para o aprimoramento dos conhecimentos acerca dos oceanos nos mais diversos níveis de ensino e exercício de cidadania.

Oportuno também o ensejo para que seja possível conferir ao Direito Marítimo e ao Direito do Mar maior centralidade nos cursos de graduação em Direito, oportunizando aos futuros cientistas do Direito conhecimentos em uma área de amplas possibilidades de atuação, essenciais ao desenvolvimento nacional e consolidação internacional do Brasil.

O movimento de valorização dos conhecimentos jurídicos acerca do Mar é crescente. Em 2020 realizar-se-á o IV Congresso Brasileiro de Direito do Mar, uma iniciativa do CEDMAR/USP para difusão e aprimoramento de tão relevante área.

Entretanto, é necessário ampliar os horizontes desse movimento, principalmente por meio da inclusão de população costeira e empresas, otimizando a utilização dos espaços marítimos. A promoção da interlocução necessária entre Direito do Mar e Direito Marítimo, com vistas à consolidação de Direitos Humanos e à conservação do Meio Ambiente, é tarefa que exige o envolvimento de todos.

NOTAS

  1. Esses dados e uma discussão mais aprofundada do necessário conhecimento do Direito do Mar na graduação está disponível em: SACHETT, B.
    M.; OLIVEIRA, P. H. R.. A relevância dos Estudos em Direito do Mar para a Formação do Cientista do Direito: uma proposta pedagógica. In: MENEZES,
    Wagner (org.). Direito Internacional em Expansão. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2020. Volume XIX.

Fonte: Revista Arraes