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Newsletter - 19/02/10

EFEITOS DA CLÁUSULA DE FORÇA MAIOR EM CONTRATOS INTERNACIONAIS

A lei inglesa e americana não trata da mesma forma os efeitos do caso fortuito e da força maior nos contratos. A lei brasileira, segundo o artigo 393 do Código Civil, estabelece que as partes não respondam “pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não houver por ele se responsabilizado”. Por outro lado, a lei inglesa e americana não dá a estes eventos o mesmo tratamento e, por conta disto, é comum encontrar em contratos de compra e venda ou de afretamento de navios cláusulas de força maior. Estas cláusulas visam criar tratamento semelhante àquele dado pela lei brasileira, eximindo as partes de responsabilidade quando as obrigações devidas não tiverem sido prestadas por impedimento provocado por evento de força maior ou caso fortuito. Em novembro de 2009 um painel de árbitros em Nova York decidiu sobre a questão de se o comprador tem o direito de cancelar um contrato de compra e venda, amparado em cláusula de força maior, tendo em vista os danos ocorridos em sua planta de fertilizantes, em Passadena-Texas, causados pelo Furacão Ike em setembro de 2008. Em julho de 2008 os vendedores venderam aos compradores duas cargas de ácido sulfúrico. Ambas as cargas foram vendidas na modalidade CFR (custo e frete), sendo que uma teve origem na Suécia enquanto a outra na Índia. A programação é que as cargas chegariam na planta dos compradores em outubro de 2008. No dia 13 de setembro o furacão Ike arrasou a costa texana, tendo causado vários danos na planta dos compradores e, por conseguinte a interrupção de suas operações. Em 18 de setembro os compradores declararam situação de força maior aos vendedores e cancelaram a carga que viria da Suécia, não tendo nada falado sobre a carga que viria da Índia. Alegaram os compradores que a passagem do furacão causou danos físicos e alagamento de suas instalações de armazenagem, estoques e sistemas elétricos. Naquela ocasião o navio que estava na Índia aguardava ser chamado para atracar e o outro navio estava com previsão de chegar à Suécia em 29 de setembro. Os vendedores responderam aos compradores que não reconheciam aquela declaração, tendo entre outros aspectos destacado que os danos ocorridos não ensejavam situação de força maior. Por outro lado, os vendedores sensíveis a situação dos compradores, tentaram, sem sucesso, vender a carga que seria embarcada na Suécia. Os compradores aceitaram receber a carga embarcada na Índia, porém se recusaram a receber a carga vinda da Suécia. O navio vindo da Suécia, entretanto, manteve a sua programação, tendo chegado a Passadena em 15 de novembro e concluído sua descarga em 30 de dezembro.Finda as operações, as partes prosseguiram com a disputa a respeito do cancelamento do contrato. As partes fizeram um acordo, sem prejuízo de reclamações futuras, sobre indenização a ser paga aos vendedores e continuaram a discutir a matéria. As negociações se mostraram infrutíferas, tendo as partes decidido submeter a matérias a arbitragem. Os compradores sustentaram que os danos causados pelo furacão constituem uma situação de força maior e ensejam o cancelamento do contrato. Os vendedores por sua vez, alegaram que, apesar do alagamento, não houve danos nas instalações de descarga e armazenagem de ácido sulfúrico e que os danos mecânicos na planta de fertilizantes foram de pequena monta. Os vendedores também alegaram que os compradores não se esforçaram em mitigar os efeitos do furacão em relação ao contrato. Por conta disto os vendedores demandaram dos árbitros que os comparadores fossem obrigados a pagar todo o valor do contrato bem como indenizar as despesas de sobreestadia, honorários advocatícios, etc. O foco da arbitragem estava na aplicação da cláusula de força maior. Para os árbitros o cancelamento de um contrato é uma medida extrema. Para se valer da cláusula de força maior a parte deve provar, de modo inequívoco, esta situação. No caso em discussão os árbitros interpretaram a cláusula entendendo que não há um direito explícito de cancelar o contrato e que a parte que declara força maior tem obrigação de mitigar os efeitos decorridos de tal situação. O painel de árbitros entendeu que os compradores não fizeram prova cabal que os danos ocorridos em suas instalações impediam a efetiva descarga e armazenagem do produto. Também foi concluído que os compradores não envidaram os melhores esforços no sentido de mitigar os prejuízos, tendo os compradores repousado comodamente em um suposto direito de cancelar o contrato. Por conta destes aspectos os compradores foram condenados a pagar aos compradores cerca de US$ 4 milhões. O exemplo alerta que as empresas que celebram contratos internacionais regidos pela lei inglesa e americana devem se acautelar antes de decidir pelo cancelamento de contratos em face de situações que aparentam enquadrar força maior.