A partir de abril, o crescimento da energia eólica no Brasil deixará de ser contado em megawatts. Com a entrada em operação das plantas da Impsa em Santa Catarina, que somam 222 MW, o país ultrapassará 1.000 MW no próximo mês e encerrará 2011 com 1,4 GW de capacidade eólica instalada.
Mais do que simbólica, a marca mostra a consolidação da tecnologia como alternativa competitiva para a matriz energética. Entretanto, denota que o país ainda tem de avançar muito para se tornar um dos maiores geradores mundiais de energia dos ventos.
O primeiro gigawatt do país chega 19 anos após a instalação da primeira usina eólica em território nacional, em 1992, em Fernando de Noronha (PE), e sete anos após o lançamento do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (Proinfa), em 2004. O incentivo federal impulsionou a indústria no país, ao mesmo tempo que a tecnologia ganhava escala e ficava mais barata no mercado internacional.
O potencial instalado até o momento ainda é resultado dos projetos contratados pelo Proinfa, que garantiu isenções para a cadeia produtiva e a compra da energia por preços muito superiores aos de hidrelétricas ou termelétricas. O mercado nacional também foi beneficiado pelos gordos incentivos dados por países desenvolvidos para a tecnologia, o que permitiu a redução do valor das turbinas e sua competitividade com outras fontes.
O Brasil, porém, ainda está muito aquém dos maiores geradores eólicos, apesar de seu anunciado potencial para a fonte. Atualmente, o parque nacional coloca o país na 22ª colocação mundial, segundo o ranking do Global Wind Energy Council (GWEC). Ainda está atrás de economias menores, como, por exemplo, Turquia, Grécia e Austrália. E muito aquém dos líderes China (42,2 GW), EUA (40 GW) e Alemanha (27 GW).
Expansão à vista
A expectativa, porém, é que o crescimento do mercado brasileiro seja muito superior ao dos anos anteriores. Somando os parques eólicos do Proinfa aos contratados nos leilões de 2009 e 2010, há 4.990,1 MW em potência contratada. E o governo já sinalizou que pretende manter a demanda nos próximos anos.
“Os leilões anuais continuarão, de maneira a manter demanda para a indústria”, confirma Maurício Tolmasquim, presidente da EPE. Ele espera uma oferta de 6 GW a 9 GW de projetos no leilão exclusivo para a fonte, previsto para o segundo trimestre.
“Entre as fontes novas renováveis, (a energia eólica) é a que tem tido melhor perspectiva. Estamos numa espécie de círculo virtuoso: a demanda cresce, isso atrai a indústria, a competitividade aumenta e os preços ficam menores”, diz Tolmasquim.
A redução de preço foi expressiva, sobretudo nos últimos dois anos. As usinas do Proinfa, que somaram 1.136,6 MW de potência, venderam sua energia por R$ 290/MWh, em média. No leilão exclusivo para a fonte em 2009, que negociou 1.805,7 MW, o preço médio caiu para R$ 148,39/MWh. E no ano passado, no leilão de fontes alternativas, quando foram comercializados 2.047,8 MW, o preço médio ficou em R$ 130,86/MWh – menos da metade do valor desembolsado no programa de incentivo.
A mudança de cenário está obrigando a EPE a mudar suas projeções para o setor. O Plano Decenal 2019, elaborado no ano passado, já incorporava parte do crescimento da fonte eólica na matriz elétrica, mas previa um total de 6 GW eólicos ao fim do perãodo. O equivalente a um crescimento anual de cerca de 500 MW, menos de um terço do contratado no ano passado.
A Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) defende a contratação de 2 mil MW por ano na próxima década para sustentar o crescimento do setor e tornar a indústria nacional exportadora para os países vizinhos. Nesse ritmo, o país passaria de 25 GW instalados.
Nova China
Com boas perspectivas e um imenso potencial a ser explorado, o mercado brasileiro já é visto por empresas estrangeiras como a menina dos olhos do setor. “Todos querem encontrar a nova China, e o Brasil está no topo da lista”, disse Steve Sawyer, secretário-geral da Global Wind Energy Council (GWEC), durante o congresso Wind Forum Brazil 2011, em fevereiro, em São Paulo.
Não por acaso, há oito fabricantes estrangeiros instalados ou em vias de se instalar no país: as alemís Wobben e Siemens, a espanhola Gamesa, a americana GE Energy, a francesa Alstom, a indiana Suzlon, a dinamarquesa Vestas e a argentina Impsa.
“Todos os grandes fabricantes têm planos para o Brasil. É um dos três mercados mais promissores do mundo, junto com China e Índia”, afirma o diretor-executivo da Abeeólica, Pedro Perrelli. “O Brasil está em uma ótima situação no mercado internacional. Em crescimento e com estabilidade política e econômica.”
Outra vantagem competitiva são as características climáticas brasileiras. Em alguns locais da região Nordeste, a taxa de rendimento dos aerogeradores chega a 50%, o dobro da registrada em alguns países europeus.
O potencial eólico nacional, porém, ainda é uma incógnita. No único atlas oficial, elaborado pelo Cepel, da Eletrobras, em 2001, o cálculo era de 143 GW. Com o aumento da altura das torres e o avanço tecnológico dos aerogeradores, especialistas estimam que o número real pode ser o dobro desse valor.
Bem longe do litoral
A Impsa será responsável por colocar em operação as usinas que farão o Brasil alcançar seu primeiro gigawatt eólico. O país encerrou 2010 com 926 MW de capacidade eólica instalada. Com a entrada dos parques da empresa em Bom Jardim (93 MW) e Água Doce (129 MW), em Santa Catarina, prevista para março e abril, a potência total brasileira chegará a 1.145,5 MW.
Curiosamente, as usinas estão em uma região mais “europeia”. “São os primeiros parque eólicos fora do litoral. Por estarem em uma região serrana, apresentaram uma série de desvantagens, de acesso, de construção, de clima e de fator de capacidade dos geradores”, esclarece João Junqueira, gerente de Engineering, Procurement, and Construction Management (EPCM) da Impsa.
O primeiro desafio foi levar os equipamentos até a locação. Foram construídos 47 km de estradas para chegar com grandes cargas até Bom Jardim e outros 60 km para Água Doce, o que aumentou os gastos. A primeira cidade fica a 1,4 mil m de altitude e a outra, a 1,3 mil m, ambas com topografia acidentada.
O clima também não é vantajoso. Chuvas, neblina e a alta umidade relativa do ar consumiram vários dias de obra. Uma vez em operação, as plantas terão desempenho semelhante ao das instaladas em países da Europa, com fatores de capacidade de aproximadamente 30%, menores que os do Nordeste.
Outro entrave foi a conexão com o sistema da Celesc. A tensão do sistema da distribuidora é de 138 kV, quando o ideal seria 230 kV, e a linha conectada aos parques está ligada às usinas do Alto Uruguai e à térmica de Tubarão, que em determinados perãodos do ano tem sobrecarga. “Tivemos de fazer os estudos para determinar a viabilidade da conexão, e isso tomou muito tempo, o que encareceu o projeto e atrasou o cronograma”, explica Junqueira. Para resolver o problema, além da linha e da subestação previstas, foi construída uma SE seccionadora, o que elevou ainda mais o custo do projeto.
Além disso, os parques precisam ser monitorados pelo ONS e pela CCEE, mas o sistema da Celesc não estava preparado. “Fizemos adequação de todo o sistema de telecomunicações, inclusive com a instalação de fibras óticas. Ao todo, o custo de elétrica foi de 60% a 70% maior”, diz Junqueira. “Se não fosse o Proinfa, esses projetos não seriam competitivos”, diz o executivo.
História da energia eólica no Brasil
1992: A Celpe instala a primeira turbina eólica do país no arquipélago de Fernando de Noronha (PE). Com 17 m de diâmetro e 23 m da altura, tinha capacidade de 75 kW, o suficiente para suprir 10% do consumo da ilha.
1998: Lançado o Atlas Eólico da Região Nordeste, que levou à elaboração do Panorama do Potencial Eólico no Brasil, o primeiro estudo a calcular o potencial da fonte no país.
2001: Centro de Referência para Energia Solar e Eólica (Cresesb/Cepel) lança o Atlas do Potencial Eólico Brasileiro, o mais atualizado até o momento, que estima em 143 GW o potencial nacional.
2002: Governo institui o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), pela lei 10.438/2002
2004: Decreto 5.025, publicado em março, dá início às chamadas públicas do Proinfa, que resultaram na contratação de 3.299,40 MW de fontes alternativas, incluindo 54 eólicas com capacidade total de 1.422,92 MW.
2006: A primeira usina eólica do Proinfa entra em operação. Osório (RS) começa a operar em junho, com 50 MW de capacidade instalada.
2009: O primeiro leilão de energia eólica do Brasil é realizado em novembro e resulta na contratação de 1.805,7 MW.
2010: Usinas eólicas dominam leilão de fontes alternativas realizado em agosto e abocanham contratos de 2.047,8 MW.
Mão de obra preocupa
O mercado eólico no Brasil está de tal maneira aquecido que, assim como em outros segmentos do setor de energia, o déficit de mão de obra especializada constituirá um dos principais obstáculos a serem transpostos nos próximos anos. Enquanto geradoras e fornecedores desenvolvem ações pontuais e até de médio prazo em recursos humanos a fim de dar conta dos projetos em carteira, o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) prepara o primeiro programa de P&D e Inovação para o setor, cujo foco central será a capacitação técnica de profissionais para as novas demandas.
A integrar o PACTI 2011-2015 – o PAC da Ciência e Tecnologia –, o programa eólico está previsto para ser concluído neste mês, depois que o governo estabelecer o orçamento disponível para sua execução. Desde já, porém, o coordenador de Tecnologia e Inovação do MCT, Eduardo Soriano, redator do documento que conterá as diretrizes que vão nortear a iniciativa, tem em mente quais as reais necessidades de investimento para o setor. Segundo ele, ao menos R$ 50 milhões precisam ser investidos nos próximos cinco anos, sendo cerca de R$ 20 milhões apenas em RH, para a formação de 1.500 profissionais de nível técnico, além de 200 mestres e doutores na área eólica. O restante corresponde a investimentos em infraestrutura laboratorial e pesquisa.
As ações se dividem em três áreas básicas: planejamento, pesquisa e infraestrutura e formação e capacitação de recursos humanos. No que se refere a pessoal, haverá medidas de curto prazo, como capacitação de multiplicadores e promoção de cursos experimentais de curta duração, e também de médio e longo prazos, com bolsas para mestrado e doutorado.
Já em infraestrutura, o programa deve disponibilizar recursos para a construção de novos laboratórios. Segundo Soriano, entre dez e 12 instalações são necessárias para atender o setor eólico, sendo quatro destas de maior porte. “Hoje, só há três laboratórios completos no país, na PUC-RS, UFC (Ceará) e UFPE (Pernambuco)”, observa. Ele assinala que os laboratórios são essenciais à formação de engenheiros, os quais, geralmente, têm de receber treinamento nas empresas que os contratam para familiarizar-se com os equipamentos.
Ação das empresas
O programa de P&D e Inovação do MCT deve ter dificuldades para angariar os recursos tidos como ideais. A aposta, diz Soriano, é que, além de parcerias com empresas, associações de classe e outras agências de fomento, haverá contrapartidas que possam complementar as ações previstas pelo programa. “Além do Estado, as próprias universidades e as empresas investirão naturalmente na formação de mão de obra e desenvolvimento tecnológico”, afirma.
De certa forma, isso já ocorre há alguns anos no Brasil. Além do fato de o país carecer de engenheiros em diversas áreas, o mercado eólico é relativamente recente, com déficit de mão de obra técnica e especializada. Por isso, é comum que as próprias companhias ofereçam treinamento profissional, aqui ou no exterior.
Há 15 anos no país, a Wobben Windpower é uma das empresas que teve de se adaptar à realidade brasileira, aderindo a essas práticas. De acordo com o gerente Geral Administrativo da companhia, Fernando Scapol, jamais houve no mercado nacional técnicos prontos. “Tivemos de formá-los do zero”, explica. O executivo conta que todos os técnicos contratados pela Wobben fazem estágio na Europa e recebem atualizações constantes no Brasil.
O diretor da Ersa, Daniel Gallo, conta que a companhia – atualmente com 215,2 MW eólicos em carteira e mais 530 MW potenciais, de novas áreas arrendadas em Minas Gerais, Bahia e Ceará – vem contratando pessoas com experiência na implantação de, ao menos, um parque eólico. “Como complemento, treinamos alguns de nossos profissionais nos EUA, num centro de excelência local, e trazemos americanos e dinamarqueses para o Brasil a fim de transmitir conhecimento”, acrescenta.
Já as fabricantes Enersud e Vulkan do Brasil têm em comum o hábito de recrutar técnicos no Senai para, então, especializá-los segundo suas demandas. A Vulkan seleciona periodicamente aprendizes para trabalhar por um perãodo de dois anos, após o qual, geralmente, acabam permanecendo. É o caso do atual gerente de Engenharia da companhia, Josias Leal, para quem, hoje, está em curso uma guerra por profissionais. “Leva quem paga mais”, afirma.
A Enersud, por sua vez, tem um novo galpão, inaugurado em novembro de 2010, em Maricá (RJ), para oferecer treinamento. A unidade, que, atualmente, finaliza a montagem de 1.000 alternadores, e deve, em meados deste ano, iniciar a produção de cerca de 400 turbinas eólicas verticais, funciona também como um laboratório para desenvolvimento de geradores e análise térmica para equipamentos eólicos. “Cerca de 50% dos esforços são em P&D, e outros 50%, na fabricação de equipamentos”, avalia o diretor da empresa, Luiz Cézar Sampaio Pereira.
O galpão da Enersud conta com um túnel de vento exclusivo para testes e instalações, destinado, inclusive, a receber companhias interessadas em desenvolver tecnologias em energias renováveis. Recentemente, foram fabricadas no local as pás eólicas de um modelo de rotor 100% nacional para turbinas eólicas de 10 kW, desenvolvido em parceria com o Núcleo de Energias Renováveis da Escola Politécnica (Poli) da USP.
Com um portfólio potencial de projetos que somam 2.205,7 MW, a Renova Energia vem investindo em programas internos de qualificação, tanto aqui quanto no exterior, além da prospecção de profissionais com experiência prévia no setor ou mesmo acadêmicos, informa Roberto Honczar, diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com Investidores da empresa. “Recorremos ainda à mão de obra estrangeira, como fizemos agora, ao contratar um técnico em análise de ventos”, agrega.
Mobilização acadêmica
As universidades também investem, ainda que de forma tímida, na formação de profissionais. Hoje com pelo menos 30 mestrandos e cinco doutorandos na área, a UFC ministrará em março curso de seis meses para formação de pessoal e infraestrutura eólica.
No momento, a instituição investe cerca de R$ 2 milhões para expansão do laboratório do Grupo de Processamento de Energia e Controle (Gepec), informa o coordenador da instalação, Fernando Antunes. Entre os novos equipamentos está um protótipo de aerogerador de 75 kW, que deve ser concluído até o fim do ano, capaz de simular ventos de até 70 km/h. Está sendo montada ainda bancada de testes para desenvolvimento de tecnologias de aerogeradores.
Enquanto não há registro de cursos de graduação em engenharia eólica no país, outras universidades oferecem, além de cursos técnicos e de especialização para engenheiros, graduação em Engenharia de Energia – incluindo energia eólica. Instituições como a UERGS, UFABC, Unisinos, PUC-MG e Ufersa, entre outras, estão nessa lista. A primeira turma foi formada em 2009 pela UERGS.
Em estados do Nordeste verificam-se esforços não só por parte de universidades, como também de governos estaduais. Secretarias da Bahia e de Pernambuco, por exemplo, tem como meta treinar profissionais para manter a força de trabalho no local, tendo em vista a instalação de fábricas de componentes eólicos nesses estados – a Gamesa constrói no Polo de Camaçari (BA) sua primeira fábrica de aerogeradores no Brasil, enquanto a RM Eólica, empresa do grupo espanhol Gonvarri, inaugurou, no ano passado, sua fábrica de torres eólicas no Porto de Suape (PE).
Gargalo do início ao fim
Se nos últimos anos a maior preocupação quanto ao setor eólico no Brasil concentrou-se no desenvolvimento tecnológico, os desafios agora estarão relacionados à especialização de profissionais que atendam à área, tanto na implantação quanto na operação de parques eólicos.
Segundo o diretor de Energias Renováveis da Siemens, Eduardo Ângelo, os problemas começam já na primeira fase de desenvolvimento de um projeto eólico – a avaliação. Faltam os chamados “profissionais de sitting”, que atestam a viabilidade de um projeto e são responsáveis por avaliações de meteorologia, topografia, análise de ventos, etc. Eles são geólogos, físicos e engenheiros ambientais, por exemplo.
A fim de suprir essa deficiência, a Siemens vem mantendo convênios com universidades. “Recrutamos e treinamos o profissional. É uma profissão nova, mesmo em nível mundial”, explica.