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Clippings - 11/05/11

Eólicas: a vez do mercado livre

Avanços tecnológicos, instalação de fábricas no país e busca por sítios que dão maior fator de capacidade, entre outros pontos, foram fundamentais para trajetória da fonte rumo ao ACL.

Até pouco tempo atrás, a entrada da energia eólica no mercado livre era impensada e improvável. Poucos acreditavam que de fato isso poderia acontecer, já que os preços giravam em torno de R$ 250/MWh. Mas a fonte venceu e os preços da energia eólica, que tiveram seu pontapé inicial no Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia, começaram a despencar leilão após leilão até chegar a uma média de R$ 130/MWh, despertando o interesse dos grandes consumidores. Os avanços tecnológicos, a instalação de fábricas no país e a busca por sítios que possibilitavam um maior fator de capacidade dos parques, além de incentivos oferecidos pelo governo, como taxas de financiamento diferenciadas, foram fundamentais para essa trajetória. Tudo isso culminou em anúncios recentes de empresas como a Tractebel, a CPFL Energia e a Neoenergia, que afirmaram que irão construir parques eólicos destinados ao mercado livre, o que reflete uma mudança de pensamento e demonstra sua viabilidade.

Mas preço não é o único desafio da energia eólica para sua penetração efetiva nesse mercado. Algumas incertezas ainda rondam a fonte e elas precisam ser equacionadas: sazonalidade da produção, garantia física, risco de submercado, histórico recente de medição de ventos. Por outro lado, os países estão cada vez mais preocupados em ter uma matriz energética limpa e a energia eólica é fundamental nesse processo. Além disso, as eólicas trazem para as empresas do ambiente de contratação livre todo o aspecto de sustentabilidade e essas companhias passam a ser valorizadas por terem um selo verde em seus produtos.

A Associação Brasileira de Energia Eólica está fazendo um estudo específico sobre a participação das eólicas no mercado
livre que deve ficar pronto ainda no primeiro semestre desse ano. Segundo Pedro Perrelli, diretor-executivo da ABEEólica, já é possível hoje identificar bacias eólicas, onde a concentração de ventos é maior. E essas bacias estão localizadas, principalmente, no Nordeste do país. Estamos buscando dados relativos a garantia física, relativos a medição de série de ventos, porque o vento, assim como o regime pluviométrico, obedece uma sazonalidade, explicou. A sazonalidade é uma das maiores preocupações dos agentes do setor, que tem propostas diferentes para tentar resolver a situação. Paulo Mayon, presidente da Compass Comercializadora, avalia que esse é um risco que o consumidor livre terá que gerenciar, já que a energia eólica não oferece uma curva de geração flat, ou seja, uma garantia de fornecimento pleno dentro da carga desejada durante o ano inteiro.

Na verdade o consumidor vai receber uma curva diferente do que seria uma curva estável e, para isso, será preciso gerenciar a contratação de mais energia nos perãodos em que o consumidor não vai ter a disponibilidade da energia eólica, explicou Mayon. Uma solução para essa questão da sazonalidade que vem sendo defendida pela Associação Nacional dos Consumidores de Energia seriam os chamados parques hídricos. A idéia é fazer uma cesta de produtos renováveis, utilizando várias fontes incentivadas – PCHs, biomassa e eólicas -, oferecendo todas em um pacote e aí é possível cobrir esse problema da sazonalidade, analisou Carlos Faria, presidente da Anace.

Mayon, da Compass, avalia que uma das alternativas seria a de operar dentro de uma garantia física de forma a poder espalhar a venda da energia durante todo o ano, como já acontece com a biomassa. Outra proposta, sugerida pela Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia, seria a de criar um dispositivo como o Mecanismo de Realocação de Energia, utilizado pelas hidrelétricas. Todas as usinas hidrelétricas tem uma energia assegurada que garante, mesmo em regimes hidrológicos desfavoráveis, a entrega de um determinado volume de energia durante todo o ano. Isso facilita a comercialização de energia, principalmente no mercado livre. Não existe uma mecanismo semelhante para as eólicas e a gente sabe que o vento não é constante, declarou Mário Menel, presidente da Abiape. Ele disse ainda que a associação está pleiteando junto ao governo que crie para as eólicas um mecanismo semelhante ao que se tem para as hídricas.

O principal cliente da energia eólica no mercado livre, de acordo Faria, da Anace, é o consumidor especial. Isso porque, esse tipo de consumidor só pode comprar energia de fontes incentivadas e precisa ter uma carga entre 0,5 MW e 3 MW. Do ponto de vista do consumidor livre, o que interessa é sempre ter custos competitivos, ter preço. Quando se tem um consumidor livre com carga maior que 3 MW, a tendência é ele buscar energia gerada pelas grandes hidrelétricas, mas obviamente, se tiver um custo interessante, ele pode optar pela eólica, mas tem que resolver o problema da sazonalidade, ressaltou Faria.

Mayon, da Compass, disse que apesar da busca pela energia eólica, na prática, vir mais dos consumidores especiais, existem grandes consumidores, que enxergando a necessidade de ter uma matriz de geração para o seu consumo mais diversificada, e dado que eles tem grandes cargas, é possível gerenciar melhor dentro do portfólio uma curva irregular de geração. Sob o ponto de vista de absorção dos riscos, o eletrointensivo consegue absorver melhor. Para ele, o risco fica diluído. Por outro lado, o consumidor menor, que é menos eletrointensivo, consegue absorver melhor um preço mais alto, afirmou. Perrelli, da ABEEólica, lembrou que o preço da energia eólica hoje é muito competitivo e só perde para as grandes hidrelétricas. Hoje é a segunda fonte mais barata depois da hidráulica. Chegar no nível de uma hidrelétrica de grande porte, não vai chegar, porque essa é a energia âncora do Brasil, declarou o diretor.

A Abiape, assim como a ABEEólica, também está fazendo um estudo para ver qual a viabilidade da fonte dentro do mercado livre, mais especificamente para a autoprodução.Nós estamos fazendo um estudo completo para saber qual é o melhor arranjo societário, qual é o melhor arranjo tributário e contábil para se ter uma energia eólica voltada para o mercado livre e mais precisamente dentro do mercado livre voltado para a autoprodução, contou o presidente da Abiape, Mário Menel. Segundo ele, o estudo foi feito em várias etapas e deverá ser concluído no início de junho.

Na primeira etapa, foi feito um estudo genérico adotando fatores de capacidade médios do Brasil e altura média de aerogeradores. E esse estudo, feito com esse grau de imprecisão, porque são valores médios, mostrou uma certa atratividade, o que nos incentivou a continuar, disse Menel. O estudo seguinte, ainda de acordo com o executivo, foi realizado em um determinado sítio. Aí não são mais valores médios, mas em determinado ponto, que no caso é o Nordeste, completou. Lá foi colocada uma determinada máquina, com um fator de capacidade de 38%, e foram refeitos os estudos. Nós estamos nessa fase final do estudo e tudo leva a crer que teremos viabilidade de um projeto específico para autoprodução e para o mercado livre, o que é um sinal muito bom, avaliou.

Menel lembrou ainda que a energia eólica tem um apelo ambiental muito forte e para as grandes empresas abre a oportunidade de comercializar produtos com o selo verde, que mostra que o produto está sendo produzido com uma matriz pouco emissora de gases do efeito estufa. Todos os associados da Abiape são produtores de commodities e, portanto, disputam mercados internacionais. E nos mercados internacionais, um selo verde tem o seu valor financeiro, destacou. Mayon, da Compass, acredita que houve uma evolução por parte do consumidor em contratar uma energia mais limpa. Para ele, tanto as empresas nacionais como as multinacionais, estão tentando buscar um equilíbrio maior nas suas matrizes energéticas. Talvez essa tendência esteja um pouco mais forte nas multinacionais que por usarem fonte térmica a carvão, por exemplo, na Europa, tem que buscar um equilíbrio maior no Brasil, através da contratação de fontes renováveis. E aí, as eólicas, assim como as PCHs, aparecem com grande charme e atratividade, declarou Mayon.

Além da sazonalidade, outro problema destacado por Mayon, refere-se ao risco de submercado, já que a maior parte das eólicas estão no Nordeste e os consumidores livres, no Sudeste. Para ele, se houvesse uma unificação dos submercados – questão polêmica que tem prós e contras – ao invés de quatro submercados, a diferença de preços entre eles seria um risco a menos no pacote da venda de energia eólica. Independente disso, o mercado acaba desenvolvendo suas alternativas, suas soluções. Então, fazendo ou não esse tipo de correção, de ajuste, o mercado por si só acaba encontrando suas soluções, disse Mayon.

Quanto à conexão desses parques destinados ao ACL, Mayon explicou que eles estão sendo construídos próximos a parques já instalados e que venderam energia em leilões, portanto, onde a ICG já existe.Os investidores estão usando terrenos muito próximos a parques existentes e criando ali um novo parque destinado a um grupo de consumidores ou a um consumidor só. Na verdade, está sendo adicionada uma geração, mas aproveitando uma conexão que tá planejada para o parque próximo que vendeu energia no mercado regulado, contou. Segundo Perrelli, da ABEEólica, as ICGs estão definidas por lei e é preciso ter uma necessidade de conexão acima de 80 MW e pelo menos três parques sendo interligados naquela ICG. O atendimento a esses dois requisitos já justifica a construção de uma ICG, porque ela visa reforçar e criar uma situação de distribuição mais uniforme no sistema de transmissão, lembrou.

Uma prova de que o mercado livre começa a se tornar atrativo para a energia eólica é a de que grandes empresas já afirmaram que vão construir empreendimentos destinados a esses consumidores. A Tractebel disse que vai investir R$ 625,6 milhões em cinco projetos eólicos, cuja a venda da energia será destinada ao mercado livre. Os parques produzirão 145,4 MW e devem estar concluídos até outubro de 2012. O presidente da Tractebel, Manoel Zaroni, afirmou que está buscando consumidores especiais para vender a energia dos parques. Temos a condicionante de ter pelo menos 60% da energia vendida para iniciar a construção do parque, declarou.

A CPFL Energia é outro grande player do setor que já demonstrou seu interesse nessa fatia de mercado. Após adquirir os ativos da SIIF Énergies, empresa que detinha 210 MW de energia eólica em operação e vendidos ao Proinfa, por R$ 950 milhões, o grupo afirmou que pretende desenvolver outros projetos com foco no ambiente de contratação livre. São 732 MW no protfólio que poderão ser comercializados. A nossa expectativa é que essa energia seja vendida no mercado livre, disse Gustavo Estrella, diretor de Relações com Investidores da CPFL Energia, sem descartar os leilões. A estratégia da empresa é usar sua comercializadora para escoar a energia de projetos de energia renovável, principalmente, eólicas e biomassa.

Do lado das empresas voltadas exclusivamente para a energia renovável, a Dobrevê Energia vê com bons olhos esse mercado, principalmente os consumidores especiais. Esse é um segmento de mercado que nós pretendemos atingir, disse Carlos Augusto Leite Brandão, presidente executivo da companhia. Ele contou que pretende começar a comercializar energia nesse mercado no ano que vem. Mas nós teremos um nível de defesa ao comercializar essa energia no mercado livre. Não vamos comercializar nosso potencial total, vamos garantir uma margem de reserva de forma a não correr risco nenhum e ter que comprar energia no mercado de curto prazo, declarou.

De um lado um pouco mais conservador estão a Neoenergia e a espanhola Gestamp Wind, que preferem estudar um pouco mais esse mercado. A Neoenergia está com um empreendimento – Caetité (BA, 30 MW) – inteiramente dedicado ao ACL. A idéia é estudar o mercado. É a nossa primeira experiência. Os resultados poderão influenciar novos negócios na área, afirmou Erik Breyer, diretor Financeiro e de Relações com Investidores. Para Eduardo Molina, diretor da Gestamp Wind, a intenção da empresa é permanecer com contratos de longo prazo, participando dos leilões do governo. Mas se dão as condições de participar do mercado livre, estamos logicamente interessados. Mas ainda não temos certeza das condições de financiamento e de participação desse mercado, que ainda é novo. Por enquanto, nos interessa participar dos leilões, avaliou o executivo.

O fato é que as eólicas invadiram o mercado regulado e estão prontas para entrar com força total no ACL. Os preços mais baixos – devido principalmente ao avanço tecnológico e a instalação de diversas fábricas no país – são os balizadores para a conquista desse mercado, que tem grande potencial de crescimento, principalmente no segmento de consumidores especiais. Atualmente, eles representam apenas 2% do consumo nacional, mas tem potencial para chegar a 20%. Fatalmente a quantidade de parques eólicos destinados ao mercado livre vai crescer. O impulso a essa fonte começou no Proinfa e foi crescendo, sendo comercializada nos leilões de reserva e agora, chegou ao mercado livre, comentou Perrelli, da ABEEólica.