
Atividades como mineração e o trabalho nos portos são envoltas em cifras superlativas. Nessa cadeia produtiva, um segmento gera valores expressivos — o setor dos equipamentos de movimentação. Ferrovias, tratores, guindastes, caminhões, esteiras e suas milhares de peças e tecnologias necessárias para o funcionamento dessa frota significam investimentos elevados, que aquecem um mercado onde o sigilo fala mais alto e “customização” é palavra de ordem.
A TMSA, grupo nacional com sede em Porto Alegre (RS), opera no mercado desde 1966 e se tornou um dos principais fornecedores de equipamentos para terminais e movimentação de granéis sólidos em altas capacidades e longas distâncias. Cerca de um terço das principais commodities brasileiras embarcadas passa pelos equipamentos da empresa.
Com filiais em Minas Gerais, São Paulo e Buenos Aires (Argentina), a TMSA mantém na sua folha de pagamento uma equipe de engenharia com cerca de 70 profissionais especializados em disciplinas como mecânica, elétrica, automação, controle ambiental e processos industriais. Sem falar em uma equipe interna voltada para pesquisa, que trabalha em separado do pessoal da produção.
“A inovação vem da necessidade. É preciso entender o problema do cliente para poder desenvolver uma solução”, comenta Paulo Augusto Lambert, diretor de Negócios da TMSA, onde trabalha há 20 anos. A “menina dos olhos” da empresa, no momento, é a linha de equipamentos com baixo impacto ambiental. Foi desenvolvida para atender não apenas pressões cada vez maiores relacionadas com o meio ambiente, mas também para evitar desperdícios para empresas. Explica-se: equipamentos com baixa emissão de particulados diminuem o pó lançado no ambiente.
“Reter e manter o produto nos equipamentos é uma forma de a empresa não desperdiçar dinheiro e evitar poluição ambiental”, comenta Lambert, engenheiro com MBA em Gestão Ambiental.
Para atender ao mercado interno, a TMSA nos últimos dez anos acabou se especializando em equipamentos para o transporte de grandes quantidades de grãos — nesse período, a produção nacional passou de 50 milhões de toneladas para 250 milhões de toneladas. Isso, nas palavras de Lambert, criou um “efeito colateral” para a empresa. Ou seja, pouca competitividade para atender clientes no mercado externo.
No momento, o desafio da TMSA é criar linhas de equipamentos com capacidade para operar dois terços a menos do que opera no Brasil, visando mercados com menor volume de produção.
Se seu foco inicial foi o trabalho junto ao agronegócio, diversificar para os setores de fertilizante e mineração foi estratégico para garantir a saúde dos negócios.
Nesse segmento, investimentos significam um verdadeiro jogo estratégico. Para uma mineradora, aumentar a sua produção significa redimensionar praticamente todos os seus equipamentos de movimentação e transporte. É o que acontece, neste momento, com a Mineração Rio do Norte (MRN). Maior produtora e exportadora de bauxita do Brasil, a empresa vive um momento de transição de minas. A empresa diminuiu sua produção de 18 milhões para 13 milhões de toneladas, condição que segue até 2026, quando voltará ao patamar anterior. E esse volume significa enfrentar o maior gargalo de transporte da mineradora, representado pela sua ferrovia. Com 30 km de trilhos, foi construída em 1979, quando a MRN iniciou suas operações, no distrito de Porto de Trombetas, a oeste do Estado do Pará, com atuação que abrange os municípios de Oriximiná e Terra Santa.
Não é que a ferrovia tenha envelhecido. Como explicou Nilo Cavalcante, gerente técnico do Terminal de Trombetas, de tempos em tempos o trem é modernizado. Ao longo dos anos, já recebeu novos motores e peças, além de implantação de tecnologias para aumentar a segurança do transporte. O que não é possível “modernizar” é a quantidade máxima transportada — os 18 milhões de toneladas, por ano, foram projetados quando a mineradora entrou em operação há 42 anos.
E quando se fala em mina nova, significa novas distâncias para transportar a bauxita até o porto. Atualmente, a MRN tem sob sua responsabilidade 80 km de correias transportadoras, 33 tratores, 11 escavadeiras, 73 caminhões, seis carregadeiras, quatro retroescavadeiras, três guinchos, quatro caminhões-pipa, cinco motores/geradores de energia, seis retomadoras rodas de caçamba, cinco empilhadeiras de minério, três composições com seis locomotivas para sua linha férrea, um carregador de locomotivas, um descarregador de trem, três fornos secadores de bauxita, dois britadores de bauxita, um carregador de navio, uma planta de lavagem de bauxita e três estações de captação, tratamento e distribuição de água.
O custo anual estimado com manutenção desses equipamentos é de R$ 205 milhões. Do total de seis mil pessoas que vivem nas vilas da empresa, cerca de mil são trabalhadores diretamente envolvidos com essa manutenção — sem contar os terceirizados.
De acordo com Cavalcante, os caminhões também são um gargalo de transporte para a MRN, mas nesse caso a solução é “fácil”: aumentar a frota — o que significa aumento de custos.
“Temos que comprar os veículos. Aluguel é inviável porque estamos em uma área muito remota. Quando dimensionamos uma mina, temos que dimensionar todos os equipamentos. A cada 90 dias, fazemos manutenção preventiva das esteiras. Fazíamos toda a manutenção com uma equipe de São Paulo, mas o custo disso é muito alto. Então, investimos no treinamento de pessoas da região. A maior parte dos equipamentos que usamos é convencional, mas às vezes precisamos fazer algumas adaptações. Nessas horas, precisamos orientar o trabalho para ser feito pela empresa fornecedora para não perdermos o seguro. É um xadrez. Para cada compra, solicitamos, pelo menos, propostas de três fornecedores diferentes”, afirma Cavalcante, nascido na região e funcionário da MRN há 26 anos.
Ele conta que o “sonho de consumo” da empresa, atualmente, é investir em automação, principalmente de caminhões, que demandam quatro pessoas na sua operação. Nesse quesito, a concorrente Vale está bem servida.
No início de setembro, a mineradora informou terem entrado em operação seis caminhões fora de estrada autônomos, no Complexo de Carajás (PA), e a previsão é chegar a dez, até o final do ano. Os caminhões autônomos têm capacidade para transportar 320 toneladas. São controlados por sistemas de computador, GPS, radares e inteligência artificial, percorrendo a rota entre a frente de lavra e a área de descarga. No caminhão autônomo não há operador na cabine, mas outros equipamentos que circulam pela mina, como motoniveladoras e tratores, continuarão sendo tripulados.
O programa de autônomos da Vale terá um investimento total de cerca de US$ 34 milhões em 2021. Até o final do ano estarão em operação, em toda a empresa, 23 caminhões, 21 perfuratrizes e quatro pátios (empilhadeiras e recuperadoras) em Pará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Maranhão. No exterior, a operação autônoma também é realidade no Canadá, com perfuratrizes e carregadeiras para minas subterrâneas, e na Malásia, com máquinas de pátio.
De olho nessa demanda, a alemã Thyssenkrupp, por meio do segmento de negócios Plant Technology, está reforçando seu portfólio de soluções digitalizadas para mineração a partir de tecnologia desenvolvida integralmente no Brasil. Identificando os desafios enfrentados pelos clientes que buscam melhor performance operacional, menor desgaste nos equipamentos e maior segurança, a empresa desenvolveu soluções que integram software a hardware, permitindo insights por meio da análise de dados, a fim de melhorar a operação e a manutenção dos equipamentos e das plantas industriais.
A unidade brasileira recentemente foi definida como um dos Centros Globais de Engenharia para Mineração da empresa e vem desenvolvendo soluções de automação avançada para recuperadoras empilhadeiras de graneis sólidos (como minério de ferro, carvão, caulim e grãos). Chamada de BWSR Autônoma (Bucket Wheel Stacker Reclaimer), ela dispõe sistema com algoritmos avançados, sensores a laser, GPS e radares integrados. Esses recursos permitem controle a distância com posicionamento autônomo e monitoramento em tempo real das pilhas de materiais, melhorando a gestão operacional.
“Soluções 4.0 podem contribuir e muito para o aumento da eficiência operacional no setor de mineração. E dada a importância desse mercado brasileiro no contexto global, é imprescindível contar com um time local de engenharia que possa atender à demanda das grandes mineradoras de forma rápida e personalizada. É por isso que estruturamos um centro de excelência em mineração aqui no Brasil, preparado não só para atuar em projetos locais, mas também em outros países ao redor do mundo”, destaca Paulo Alvarenga, CEO da Thyssenkrupp para a América do Sul.
Segundo ele, a BWSR Autônoma da empresa melhora a utilização dos pátios de granéis sólidos, otimizando o manuseio do material com um ganho de produtividade em torno de 20% — quando comparada a operações convencionais —, e uma vida útil dos equipamentos 25% maior, em razão da estabilidade da operação proporcionada pela automação avançada. Consequentemente, “a solução autônoma contribui para a redução das emissões de CO2, pois o consumo de energia também é potencializado”, observa.
Ter acesso remoto aos dados do equipamento também é um dos trunfos da belga E-crane, de guindastes hidráulicos elétricos. Com equipamento especializado em descarregamentos, a empresa, às vezes, faz parcerias com outras também da área de equipamentos, como a própria TMSA. Os projetos em que atua são da ordem de US$ 10 milhões.
“Somos uma empresa de nicho. Costumamos dizer que somos uma boutique de engenharia porque a base do guindaste é totalmente modular, o que permite soluções sob medida. Também damos suporte de engenharia para barcaças flutuantes que ainda é um desafio para o cliente brasileiro”, informa Rodrigo Rovai, representante da empresa para a América Latina, a partir da sua base, nos Estados Unidos.
Focada em tecnologia para granéis (orgânico ou mineral), a E-crane está otimista em relação ao mercado nacional. Tanto que pretende, no início de 2022, abrir um escritório em São Paulo — no momento, é o escritório da Argentina que socorre clientes brasileiros.
Ele considera o mercado do Brasil “desafiador” por conta da grande concorrência. Há quatro anos, as atenções da empresa se voltaram para o país e também foi o agro a porta de entrada para as operações nacionais. Nesse segmento, ele percebe que houve uma estruturação na logística para cobrir deficiências, ou seja, acredita que ainda é possível uma fase de expansão nos negócios.
Na área de equipamentos, como observa Lambert, da TMSA, a concorrência entre os terminais gera demanda por melhorias e novidades. Porém, o grande gerador de encomendas ainda está em uma nova concessão de porto ou renovação de concessão. Trabalhar muitos anos no desenvolvimento de um projeto e não vê-lo concretizado faz parte do negócio: “Trabalhar muitos anos em um projeto acaba por estreitar a relação com o cliente, o que é bom. São apostas que fazemos. Em 20 anos, no Brasil, houve aumento de produtividade dos portos existentes por conta da performance dos equipamentos. Nesse segmento, nada é trivial ou simplesmente replicável. Tudo é personalizado para as diferentes necessidades. Seja como for, é preciso diversificar os negócios para sobreviver. É um segmento que enfrenta como grande desafio a sazonalidade, então, a segmentação é a chave para ter sustentabilidade”.
Startups também disputam espaço para fornecer produtos e serviços no setor. A criação de um mecanismo que detecta, de imediato, rasgos em correias transportadoras é um exemplo. A novidade foi apresentada no painel Mining Hub | Pós Doc – Desafios e oportunidades, no segundo dia da Exposibram 2021, no início de outubro. Iniciativa de inovação aberta voltada a todos os integrantes da cadeia de mineração, o Mining Hub apresentou o case LLK, que atuou no desenvolvimento de soluções para a Vale. Custo menor e agilidade maior no desenvolvimento e na implantação de soluções são os principais atrativos apontados pelos envolvidos nesse processo.
Na Vale a “dor” a ser solucionada estava na raiz do que é tido como maior custo para a mineradora relacionada com quebra de equipamento que são os rasgos constantes de correias transportadoras. A proposta apresentada pela LLK passou pela construção de uma correia-piloto, em um galpão, para testar a solução sugerida, baseada em análises de vídeo. Foram feitas 400 simulações na correia-piloto e a solução apresentada se mostrou com um custo adequado em relação ao mercado. Em um mês de implantação, já deu resultado quando um rompimento de correia foi detectado em apenas um segundo.
Luis Henrique Machado, CEO da LLK, observou que as parcerias estão representando uma “quebra de paradigma” em termos de fornecimento clássico de equipamentos para indústrias de base. Segundo ele, o trabalho com a Vale se mostrou vitorioso porque a mineradora “abraçou a ideia”.
“A Open Inovation é um caminho sem volta. As grandes empresas ainda tentam fazer o fornecimento clássico e estão perdendo mercado aos poucos. O trabalho com uma startup gera custos um sétimo menores. Mas é possível trabalhar em parceria com as empresas tradicionais”, comentou Machado, que desenvolveu seu produto para a Vale junto com a Martin Engineering, uma parceria que já dura dois anos.
Fonte: Revista Portos e Navios