Atraso na regulamentação adia projetos e efeitos para consumidor só virão em 4 a 5 anos.
Nem novos mercados, nem redução de preços, nem maior oferta do produto. O cenário otimista esperado com a aprovação da Lei do Gás pelo Congresso, em dezembro de 2008, não deve ocorrer tão cedo. Empresários, analistas e até o governo admitem que o novo marco regulatório do setor só começará a surtir efeitos em quatro a cinco anos, quase uma década depois de o projeto começar a tramitar no Legislativo.
Tendo como horizonte o salto na oferta de gás a partir do início da produção no pré-sal, a lei regulamenta o transporte, a estocagem, o processamento e a comercialização do gás natural e deve incrementar os investimentos no setor, barateando custos.
Só que, sancionado em março de 2009, o projeto até hoje não saiu do papel, por falta de regulamentação. Na semana passada, o ministro de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, adiantou que iria assinar o texto, o que deve ocorrer esta semana. Mas ainda faltará regulamentá-lo. A Agência Nacional do Petróleo (ANP), o Ministério de Minas e Energia e a Empresa de Planejamento Energético (EPE) precisarão acertar detalhes para a lei ser implementada.
Petrobras perderá monopólio do setor
A lei acaba com o virtual monopólio da Petrobras e permite que as empresas importem e produzam gás por conta própria. Para a figura do autoprodutor e autoimportador passar a valer, contudo, a ANP tem que regulamentá-las. A nova legislação autoriza também o setor privado a construir gasodutos. Antes, porém, a EPE tem que elaborar um plano de expansão da malha de gasodutos, que servirá de guia para novas licitações de dutos no país.
Além do uso doméstico e em veículos, o gás é fundamental para o setor industrial e também um insumo importante para as termelétricas.
Mas, diante de tantos obstáculos, os setores interessados misturam esperança e ceticismo ao analisar o futuro. Luiz Antonio Veiga Mesquita, coordenador do grupo que acompanha a Lei do Gás na Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), enfatizou que a regulamentação, 19 meses após a aprovação da lei, é um passo importante para que as normas comecem a funcionar. Observou, porém, que ainda há muito chão pela frente até 2015: — Estamos avançando, mas ainda precisaremos matar um leão por ano, nos próximos anos.
Frederico Paixão, da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace), disse que o mercado está muito cauteloso: — Só quando as regras definitivas forem editadas os investimentos começarão a sair do papel.
Licitações só devem sair em 2012
O presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, admitiu que só em 2011 deve divulgar o plano de expansão da malha de gasodutos. A Petrobras, diz, fez muitos investimentos no setor nos últimos anos, saturando o mercado. Por isso, as licitações só devem sair a partir de 2012 e os dutos ficarão prontos depois de 2013.
— A EPE vai começar estudos para ver onde tem potencial de mercado e aí vamos fazer os traçados — disse Tolmasquim.
Paralelamente a essas regulamentações, os analistas alertam que, sem medidas para tornar o setor atrativo, não será criado um mercado capaz de consumir gás no futuro. Armando Guedes, presidente do Conselho de Energia da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), lembra que o preço do insumo produzido no Brasil é muito alto comparado a outros países, como Estados Unidos. O mercado brasileiro, ainda dominado pela Petrobras, diz, é distorcido e pouco competitivo.
— O gás é muito caro. O governo precisa criar uma política nacional do gás, cujo principal sinal será reduzir os preços.
Preço é 35% maior que o da Bolívia
Em junho, o preço do gás nacional, produzido pela Petrobras, estava em US$ 10,04 por milhão de BTUs (medida usada como referência no mercado). O valor é 35% maior que o do gás boliviano, também fornecido pela estatal: US$ 7,42 por milhão de BTU. Nos EUA, o preço médio é de US$ 6.
O consumidor só sentirá mudanças no bolso se as distribuidoras estaduais — que revendem o gás — tiverem mais opções de oferta do produto. A curto e médio prazos, a produção continuará sob domínio da Petrobras. E a estatal tem exclusividade sobre seus dutos até dez anos após o início da operação. Ou seja, os gasodutos mais novos só poderão ser compartilhados num horizonte de, no mínimo, meia década.
A indústria dependente do gás não vê mudanças nos próximos anos.
— Para a indústria de vidro, não muda nada tão cedo. O efeito da lei e da regulamentação, por enquanto, é zero — diz Lucien Belmonte, da Associação Brasileira da Indústria de Vidro (Abividro), setor que tem no insumo um forte componente dos seus custos de produção.
Para Mário Menel, presidente da Associação dos Autoprodutores de Energia (Abiape), as grandes empresas do setor só vão considerar o gás interessante se o governo incentivar produção de energia elétrica associada à de vapor, que faz as empresas funcionarem.
Investimentos só devem ocorrer a partir de 2015
A regulamentação da Lei do Gás, prometida pelo governo para os próximos dias, não terá o condão de impulsionar novos investimentos no setor a curto prazo. Para analistas, isso só ocorrerá depois de 2015, devido às várias barreiras ainda existentes no país.
Para Sylvie D’Apote, sócia-diretora da empresa de consultoria Gás Energy, será um processo longo, que só se justificará se o país tiver um volume elevado e consistente de gás para oferecer:
— Alguma coisa pode acontecer nos próximos dez anos — diz Sylvie.
Mas o setor já começou a se movimentar, ainda que lentamente. É o caso da mineradora Vale, maior consumidora de energia do país e única companhia com musculatura suficiente para fazer frente aos grandes investimentos necessários. De acordo com a página da empresa na internet, a exploração de fontes de energia como o gás natural faz parte do seu objetivo estratégico.
Atualmente, a Vale participa de 23 blocos agrupados em 14 concessões em mar, além de duas concessões em terra, na Bacia do Parnaíba.
Também de olho na nova legislação, o grupo privado nacional Gás Energy New Ventures anunciou, em 2009, investimento de US$ 1,25 bilhão em uma usina termelétrica integrada a terminal de regaseificação de Gás Natural Liqüefeito (GNL), em Rio Grande (RS). A previsão é gerar 1.000 MW a partir de 2014.
Em maio passado, o projeto foi vendido para o Grupo Bolognesi, que pretende disputar o próximo leilão de energia nova. Além da regaseificação — que permite a entrega por navios — e da geração de energia, o projeto pode incluir abastecimento com gás natural do pólo naval de Rio Grande, já que a capacidade do terminal excede em um milhão de metros cúbicos diários o consumo da térmica.
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