No norte do Rio de Janeiro, estão sendo criados um megaporto e um grande condomínio industrial que podem atrair US$ 36 bilhões em novas fábricas. O desafio agora é transformar as promessas em realidade
Todos os dias, mais de 2,3 mil operários se deslocam do centro de São João da Barra, no norte do Rio de Janeiro, para um isolado trecho de praia a poucos quilômetros dali. Em alguns meses, serão 4 mil. Eles trabalham na obra de construção do megacomplexo do Açu, atualmente o maior investimento privado em infraestrutura do País, capitaneado pela LLX, uma empresa controlada pelo bilionário Eike Batista e pelo BNDES. A área é equivalente à ilha de Manhattan, em Nova York, terá um moderno porto e poderá abrigar até mil empresas.
Depois de pronto, desde que se cumpram as promessas de investimentos e, evidentemente, haja demanda, estima-se que o complexo poderá receber recursos da ordem de R$ 36 bilhões. Apenas para o porto, serão desembolsados R$ 1,6 bilhão. Dentro do conjunto está prevista uma usina termelétrica a gás natural e carvão com capacidade para 5,4 gigawatts, o equivalente ao que é produzido por Itaipu. Já o espaço reservado para a termelétrica MPX, outro projeto de Eike, é do tamanho da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.
Durante a obra, somente no alicerce, serão utilizados 2,8 milhões de metros cúbicos de rochas, o suficiente para preencher quatro estádios do Maracaní. Se fossem empilhadas, as pedras ficariam da altura do morro do Pão de Açúcar. A grandiosidade da obra tem dimensões proporcionais ao desafio de atrair empresas. O primeiro estágio, o da construção, tem sido cumprido à risca por Eike com o apoio de seu maior sócio financiador, o BNDES.
A estrutura estará pronta no segundo semestre de 2011, garante a LLX. O sucesso do porto, no entanto, dependerá de uma segunda etapa, não menos importante, a de atrair investimentos privados. Até agora, a extensa lista de protocolos não deixou o campo das intenções. No início do ano passado, quando a LLX abriu o capital, uma relação com mais de 30 protocolos de intenção de investimento foi apresentada ao mercado. Havia lá nomes de peso como Fiat, Iveco, Bunge e Cargill. Desde então, não houve avanços, num sinal de que as expectativas podem ter sido inflacionadas no IPO.
A montadora Fiat, por exemplo, que hoje utiliza como porta de saída o porto de Vitória (ES), garantiu que não há negociações para utilização do Açu como alternativa às exportações, nem há projetos de construção de uma planta em São João da Barra. Iveco e Bunge negam a intenção de se instalar na região. O único grande empreendimento já anunciado para o Açu é uma planta da siderúrgica chinesa Wuhan Steel. Mas, também neste caso, ainda não há uma definição sobre o tamanho do projeto. A explicação para isso pode estar na demanda – ou melhor, na falta dela.
Há uma prova disso não muito distante dali. A ausência de compradores levou preocupação ao grupo alemão ThyssenKrupp, que constrói também no Rio de Janeiro, com investimentos de 5 bilhões de euros, a CSA Siderúrgica do Atlântico. Quando a proposta foi apresentada, em 2006, a companhia não contava com a crise, e foi pega no contrapé pelo recuo da demanda global por aço. As nuvens que pairam no horizonte, no entanto, não têm contido a empolgação do mercado em relação aos projetos de Eike Batista.
Desde a fase mais aguda da crise, o valor das ações de suas empresas se multiplicou, o que fez com que a fortuna pessoal do empresário superasse a cifra de US$ 20 bilhões. Mesmo assim, Eike promoveu substituições nos cargos de comando das suas empresas: a mineradora MMX, a petrolífera OGX e a LLX, de infraestrutura. (leia quadro na página a seguir). Mas, para a população do norte fluminense, é grande a expectativa.
Teremos, sem dúvida, a maior onda de investimento em décadas, definiu recentemente o governador Sérgio Cabral, que assinou um incentivo fiscal para as empresas que se instalarem no Açu. O ICMS será de 2%, contra os atuais 18%. O governador Cabral imagina que a chegada da Wuhan poderá trazer outros projetos chineses. Especulase que duas grandes montadoras de lá, a BYD e a Jac Motors, também estejam em negociação, em sigilo, para a vinda ao Brasil via complexo do Açu, onde a energia elétrica, por exemplo, será 30% mais barata do que no resto do País.
O interesse das empresas pelo Açu demonstra credibilidade e prova que estamos no caminho certo, disse a prefeita de São João da Barra, Carla Machado, que anuncia criar aulas de mandarim para as crianças da rede pública de ensino. Trata-se de um empreendimento de proporções chinesas. Os próximos investimentos no Brasil olharão para o Açu, endossou à DINHEIRO o diretor-presidente da LLX, Otávio Garcia Lazcano.
Fora da órbita dos meganegócios e das intenções, a construção do porto já movimenta a rotina de São João da Barra, município com 30 mil habitantes. De olho no potencial dos projetos que inevitavelmente desembarcarão na cidade, a prefeitura abriu, neste mês, 90 vagas para o primeiro curso gratuito de mandarim no País. É uma preparação para os novos tempos.
Se o Porto do Açu prosperar, entre 2008 e 2023 o PIB de São João da Barra irá crescer 498%, segundo um levantamento da Secretaria de Finanças do município. Enquanto isso, a população será multiplicada por oito, saltando dos atuais 30 mil para cerca de 250 mil. Somente neste ano, as obras do Açu renderam concretamente aos cofres da cidade R$ 5 milhões em ISS, 71% do orçamento do município. Junto com os impostos, os novos habitantes já começam a chegar.
Um grupo de oito chineses, funcionários de uma companhia de dragagem, se mudou semanas atrás para a cidade sem data prevista de 0. Eles têm a missão de retirar 17,4 milhões de metros cúbicos de areia do fundo do mar, para aumentar a profundidade do porto, mas poderão ficar por lá mesmo com a chegada de companhias de sua terra natal.
Eles não falam português ou inglês, nem sabem quais serão as empresas a aportar em São João da Barra, mas aprenderam rápido que, se os planos de Eike Batista se tornarem reais, eles não precisarão voltar à Ásia para assistir a um crescimento à moda chinesa.
Dança das cadeiras
A reação do mercado financeiro nos últimos meses foi especialmente feliz para as empresas do bilionário Eike Batista. Isso é fato. Todas subiram acima de 200%. A disparada das ações de suas companhias fez com que a fortuna dele, avaliada em US$ 7 bilhões no ano passado, saltasse para mais de US$ 20 bilhões. As ações da OGX, que atingiram a mínima de R$ 250 meses atrás, hoje estão acima de R$ 1.200.
Os papéis da MMX chegaram a custar R$ 2,16 no auge da crise, mas valem hoje quase R$ 9. No caso da LLX, as ações saíram de R$ 0,54 para R$ 5,22. Diante desses números, seria natural imaginar que em time que está ganhando não me mexe. Mas não tem sido assim. Uma sequência de demissões nos cargos de comando de suas empresas sugere que ainda não foi suficiente.
Eike quer mais. Em abril, ele próprio assumiu o comando da OGX no lugar de Rodolfo Landim. Era apenas o início da dança das cadeiras. Na LLX, o diretorpresidente Ricardo Antunes foi substituído por Otávio de Garcia Lazcano, ex- CSN. Na MMX, Eike nomeou Roger Allan Downey do banco Credit Suisse, onde passou os últimos quatro anos cobrindo as áreas de mineração e siderurgia. (Revista Isto é Dinheiro)