– O Ministério de Portos e Aeroportos planeja lançar um grupo de trabalho, envolvendo também as agências reguladoras, para discutir aspectos relativos a seguros nos contratos de concessão. Ao Valor, a diretora de Assuntos Econômicos da pasta, Helena Venceslau, explicou que a medida deve passar, por exemplo, pela revisitação das redações dos contratos atuais, seja para exigir produtos mais adequados, seja para rever a matriz de risco e estabelecer regras mais claras.
A necessidade de avançar nesse debate surgiu após o caso do Aeroporto Internacional Salgado Filho, que ficou fechado por mais de dois meses em razão da inundação que atingiu o Rio Grande do Sul no ano passado. À época, explica a diretora, havia uma convicção de que parte dos custos dos danos deveria ser assumida pelo poder concedente, mas não havia no contrato delimitações claras sobre qual seria essa parcela.
“Por isso foi juridicamente difícil fazer uma construção. Sabíamos que tinha alguma parte que o Estado tinha que assumir, porque foi algo muito fora do esperado, mas não estava escrito qual parte exatamente. Foi preciso fazer uma construção jurídica, e isso foi muito desgastante”, disse ao Valor, após participar do Fórum de Seguros e Infraestrutura Sustentável na COP30, realizado pela Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), em Belém (PA).
Segundo ela, a discussão também precisa considerar os impactos de eventos climáticos extremos. Em sua avaliação, os contratos atuais não delimitam de forma clara quais itens e valores devem ser cobertos pelo poder concedente e quais são responsabilidade das seguradoras. “Não tem uma definição. Não está especificado cada item, cada valor. É por isso que cai em um debate jurídico em que ninguém sabe qual é a participação de cada um.”
O tema foi debatido durante o painel “Seguros como Instrumento de Proteção dos Investimentos em Infraestrutura”. Em suas declarações, a diretora reforçou que o governo não pode se eximir de todos os riscos ao repassar um ativo ao setor privado. Ela também afirmou que ainda há dificuldade para tratar do tema dentro do governo e que há pouco conhecimentos nas agências reguladoras, responsáveis por elaborar os contratos de concessão, em relação ao mercado de seguros.
“Cada setor de infraestrutura tem sua característica específica. Não dá mais para tratar hoje de caso fortuito e força maior como uma cláusula qualquer nos contratos, como é hoje. Acho que há margem para trabalhar. O Ministério dos Transportes tem feito esse debate também; já veio alguma inovação nos novos contratos, mas isso é muito próprio do setor de rodovias, e cada área tem suas peculiaridades.”
A diretora ressaltou ainda a intenção de buscar caminhos para que o mercado segurador participe das discussões de modelagem dos projetos e audiências públicas e defendeu que os contratos sejam revisitados ao longo da vigência. “Acho que, sem dúvidas, a questão de revisitar os contratos com alguma periodicidade faz todo sentido, pois os riscos mudam. Não podemos achar que, em um contrato de 30 anos, o mundo vai permanecer o mesmo por 30 anos. Tem riscos que ainda não estão mapeados e vão passar a existir.”
Guia para concessões e PPPs
Durante o evento, a CNseg lançou o “guia prático de seguros e capitalização para concessões e PPPs [Parcerias público-privadas]”. O material foi construído por meio de parceria com o PPI e o Ministério de Portos e Aeroportos para orientar e criar uma referência para os agentes envolvidos nesses projetos de infraestrutura, desde a fase de estruturação e licitação até a operação e manutenção.
A intenção é apoiar gestores públicos privados na contratação de seguros em concessões e PPPs, com foco na mitigação de riscos e garantia da continuidade dos projetos. A publicação aborda temas como coberturas, práticas de contratação, aspectos regulatórios, financiamento e casos práticos e modelos.
“Ao longo dos anos tivemos na modelagem dos projetos algo como uma copia e cola das cláusulas de seguro ao longo de todos anos. Por isso, essa iniciativa de oferecer para toda a comunidade que investe e desenvolve infraestrutura no Brasil um manual, que tenha esse alinhamento do que é necessário para estruturação dos projetos”, ressaltou o diretor de Infraestrutura e Construção da Marsh Brasil, André Dabus, também presente no painel.