O capitão-de-mar-e-guerra Antonio Sergio Caiado de Alencar está prestes a completar dois meses à frente do comando da Capitania dos Portos do Estado de São Paulo. No entanto, dentro da carreira na Marinha, sua experiência é de 27 anos, cumprindo grande variedade de missões na Amazônia, na Bahia e em território internacional. Em entrevista exclusiva ao PortoGente, ele detalhou as principais missões que liderou e opinou sobre o panorama marítimo no Brasil. Ele avalia que o momento é propício para aumentar a quantidade de navios de bandeira brasileira e garantir que empregos e fretes permaneçam no País.
* Trabalho tranquilo para o novo Capitão dos Portos de São Paulo
* Oficiais da Marinha Mercante querem valorização da categoria
Com profundo conhecimento a respeito das leis que regem a Marinha Mercante e o ensino profissional marítimo no Brasil, Caiado aponta que empresários e Governo Federal devem investir na construção de embarcações. “Quanto mais navios de bandeira nossa no mar, vai diminuir o frete e todos vamos ganhar. Estamos com poucos navios de bandeira brasileira. Este é o momento. Logo vai acabar a necessidade de construir muitas embarcações para a Petrobras e os estaleiros estarão preparados para alimentar a frota da Marinha Mercante. Agora, os estaleiros estão entupidos de pedidos da Petrobras por causa do pré-sal, mas logo nossa Mercante vai colocar nossa bandeira pelo mundo”.
O capitão-de-mar-e-guerra estudou as nuances da fabricação de embarcações durante longo perãodo para uma tese que defendeu na Argentina. Ele argumentou que as marinhas mercantes do Mercosul deveriam se unir e construir navios mercantes e de guerra de modo conjunto. Como exemplo, Caiado aponta que essa iniciativa está sendo difundida na União Europeia. As peças dos aviões da Airbus estão sendo construídas em várias partes do bloco econômico e reunidas na França, para finalização dos equipamentos. Os navios, segundo ele, também estão sendo tratados dessa maneira.
A tese, no entanto, não foi levada para discussão com setor governamental brasileiro, ficando restrita ao debate acadêmico. O comandante da Capitania salienta que a discussão sobre construir navios ou comprá-los prontos é “eterna”. “É claro que é mais fácil pegar o dinheiro e comprar o navio que você quer, mas o interessante é a troca de experiências e de tecnologia. Construir [as embarcações] em casa sai mais caro, mas gera conhecimento científico enorme”.
Não são muitos os navios de bandeira brasileira em operação, como
o Stove Trade, que, na foto está atracado no Porto de Vitória (ES)
A construção de navios de bandeira brasileira também rende frutos trabalhistas, explica Caiado. “Os oficiais brasileiros que trabalham em navios estrangeiros não têm qualquer garantia trabalhista. Temos que ter navios para que empregos e o frete fiquem no País, para não mandar dólar à toa lá para fora”. O mercado de navios de carga para cabotagem nos países desenvolvidos, ressalta, é inteiramente destinado à frota nacional. Na União Europeia, apenas navios europeus realizam esse tipo de transporte. “Nos Estados Unidos, com todo o liberalismo econômico que eles têm, é só navio de bandeira americana. Então por que só nós é que devemos ficar obrigados a receber navios estrangeiros? Por que não apostar na nossa Marinha Mercante? O capital estrangeiro pode entrar em nossa sociedade, não há problema nenhum, mas com construção de navios de bandeira brasileira”.
Na visão de Caiado, a cabotagem já ocupa posição de destaque no Brasil, especialmente na região amazônica. “Carioca da gema”, conforme ele mesmo se classifica, o capitão-de-mar-e-guerra já rodou o País e enxerga a aplicação gradativa de investimentos como meio para desenvolver o setor. Não há como acelerar esse processo, pois um navio mercante leva cerca de três anos para ser construído. Para ele, a necessidade determinará o aumento da utilização das hidrovias, como no caso da Tietê-Paraná, que há uma década registrava movimentação bem inferior à constatada atualmente, especialmente e relação aos grãos.
Hierarquia e disciplina
Caiado assumiu a Capitania dos Portos do Estado de São Paulo no último dia 31 de julho. Ele declara ter como prioridades aumentar o nível de segurança do tráfego aquaviário e controlar a poluição marinha proveniente dos navios. Para isso, atua com hierarquia e disciplina, elementos que formam a principal base da vida militar.
Aberto a novas experiências, elogia a chegada, a dois meses, de duas segundas-tenentes que se formaram na escola de Marinha Mercante a Santos com o intuito de aperfeiçoar o departamento de segurança do tráfego aquaviário. “Elas vieram somar o conhecimento que têm de legislação da Marinha Mercante com nosso aprendizado de Marinha de Guerra e as normas naturais de Autoridade Marítima. Está sendo uma experiência interessante”.
Apesar de caber ao comandante a tomada de decisões, nada na Marinha acontece de cima para baixo. O capitão-de-mar-e-guerra avisa que tudo é discutido entre os chefes de departamento e que as operações na Capitania são planejadas em conjunto. “O comandante tem que escutar suas bases. Hierarquia e disciplina tratam de fidelidade do comando para os subordinados e dos subordinados para o comandante. Isso é uma mão dupla o tempo todo”.
Caiado posa ao lado de símbolos que ele representa no comando
de uma das mais importantes instituições da Marinha do Brasil
Na Marinha, é hábito de todos os comandantes quando são designados para novas funções buscar a missão e as tarefas que lhes cabem. Todas essas diretrizes são aprovadas pelo comando da Marinha e são o grande recado para que todos cumpram seus afazeres. Caiado garante já ter decorado suas tarefas, assim determinadas à Capitania dos Portos:
I – cumprir e fazer cumprir a legislação, os atos e normas, nacionais e internacionais, que regulam os tráfegos marítimo, fluvial e lacustre;
II – fiscalizar os serviços de praticagem;
III – realizar inspeções navais e vistorias;
IV – instaurar e conduzir Inquéritos Administrativos referentes aos fatos e acidentes de navegação;
V – auxiliar o serviço de salvamento marítimo;
VI – concorrer para a manutenção da sinalização náutica;
VII – coordenar, controlar e/ou ministrar cursos do Ensino Profissional Marítimo (EPM);
VIII – executar, quando determinado, atividades atinentes ao Serviço Militar; e
IX – apoiar o pessoal militar da Marinha e seus dependentes, quanto a pagamento, saúde e assistência social e, no que couber, o pessoal civil e seus dependentes.
Na próxima terça-feira (29), PortoGente apresenta a segunda parte da entrevista com o capitão-de-mar-e-guerra Antonio Sergio Caiado de Alencar, que aborda a qualificação dos marítimos, a segurança no canal de acesso aos portos e recorda os principais momentos de sua carreira profissional.