O que está alimentando essa mudança é o boom das jazidas não convencionais – hidrocarbonetos como o gás de xisto e as areias betuminosas.
As grandes petrolíferas estão redesenhando o mapa energético do mundo.
Durante décadas seu principal terreno foi o mundo em desenvolvimento – locais como o Golfo Pérsico e as areias desérticas da África do Norte, o Delta do Níger e o Mar Cáspio. Mas, nos últimos anos, o foco mudou radicalmente. As grandes petrolíferas privadas do Ocidente estão buscando cada vez mais jazidas em países desenvolvidos – uma mudança que pode ter consequências profundas para o setor, a política e os consumidores mundiais.
O que está alimentando essa mudança é o boom das jazidas não convencionais – hidrocarbonetos como o gás de xisto e as areias betuminosas, que antes eram consideradas difíceis demais de extrair mas agora estão sendo exploradas numa escala sem precedentes em países que vão da Austrália ao Canadá.
Os Estados Unidos estão na liderança dessa revolução nas jazidas heterodoxas. O gás de xisto responderá por cerca de um terço da produção total de petróleo e gás dos EUA até 2020, segundo a consultoria PFC Energy, de Washington. Quando isso acontecer, os EUA se tornarão o maior produtor mundial de petróleo e gás, ultrapassando a Rússia e a Arábia Saudita, prevê a PFC.
Isso pode ter consequências extremamente abrangentes para a política do petróleo e transferir o poder sobre o recurso natural da Organização de Países Exportadores de Petróleo para os países ricos. Com mais petróleo sendo produzido na América do Norte, será menos provável que problemas políticos no Oriente Médio causem choques na oferta que aumentem o preço da gasolina.
E a mudança está transformando as próprias petrolíferas, já que elas estão transferindo recursos vastos para novas áreas e novos tipos de combustível. Operar em país rico – com a previsibilidade de seus impostos e políticas amigáveis ao investimento – elimina alguns dos riscos das petrolíferas que preocupam investidores, tornando-as menos vulneráveis ao nacionalismo com os recursos naturais de petroestados como a Rússia e a Venezuela.
Uma empresa como a Exxon Mobil pode eliminar o risco tecnológico de desenvolver as jazidas não convencionais, diz Amy Myers Jaffe, consultora sênior do setor energético do Instituto Baker, da Universidade Rice. Mas não o risco de um Vladimir Putin ou Hugo Chávez.
Essa nova maneira de enxergar o risco está no centro da transformação. As petrolíferas multinacionais sempre tiveram de escolher entre investir em petróleo fácil de produzir, mas localizado em países politicamente voláteis; ou buscar oportunidades em países estáveis onde o petróleo é difícil de extrair, exigindo técnicas de produção caras e complexas.
Mas a escolha foi imposta a elas. Os grandes campos terrestres das jazidas de hidrocarbonetos mais prolíficas do mundo são dominados cada vez mais pelas petrolíferas nacionais, gigantes estatais como a Saudi Aramco, as russas OAO Rosneft e OAO Gazprom ou a Petróleo Brasileiro SA. Para multinacionais como a Royal Dutch Shell PLC e a BP PLC, seus antigos centros de produção em meio às areias do Golfo Pérsico agora estão fora dos limites.
Expulsas do Oriente Médio, as petrolíferas realizaram uma grande investida em novas áreas, tanto geográficas quanto tecnológicas. Elas construíram nas últimas décadas instalações vastas para produzirem gás natural liquefeito. Elas foram explorar petróleo no mar, em águas cada vez mais profundas e mais distantes da costa. Elas descobriram como extrair petróleo das areias betuminosas de Alberta, no Canadá. E criaram tecnologias como a da fratura hidráulica e da perfuração horizontal, que permitiram a produção de gás de xisto.
A Wood Mackenzie, uma consultoria de Edimburgo, afirma que mais da metade da despesa de capital de longo prazo das petrolíferas multinacionais agora está alocada para essas quatro temáticas de recursos – uma mudança monumental quando se leva em conta como as empresas antes as consideravam marginais.
Existem desvantagens no novo foco em categorias heterodoxas de hidrocarbonetos. Os ativos convencionais são relativamente fáceis de explorar e sempre oferecem bom retorno. Os projetos em alguns dos setores tecnicamente mais difíceis – como águas profundas e GNL – geralmente demoram mais para começar a produzir e são mais caros, o que significa que o retorno é menor.
Mas há um lado positivo para as multinacionais. A vantagem é o formato e o perfil desses projetos, diferente dos convencionais, disse Simon Flowers, diretor de análise empresarial da Wood Mackenzie. Os empreendimentos de GNL, por exemplo, podem propiciar grandes contratos de fornecimento de gás a um preço estável por 20 anos. Assim o retorno pode ser menor, mas em geral você tem um fluxo de caixa mais confiável, diz ele.
Ao buscar esses combustíveis heterodoxos, as petrolíferas se comprometem ainda mais com os países ricos.
A Wood Mackenzie afirma que US$ 1,7 trilhão da receita que será obtida pelas grandes multinacionais futuramente – ou 52% – está na América do Norte, na Europa e na Austrália. A consultoria identificou uma mudança significativa para o Ocidente no desenvolvimento da indústria petrolífera, para longe de áreas tradicionais como Norte da África e Oriente Médio, rumo à costa brasileira, as águas profundas do Golfo do México e da África Ocidental e as jazidas não convencionais de petróleo e gás da América do Norte. E também há a Austrália, bem ao leste, que está nos estágios iniciais de uma fase de crescimento espetacular.
Considere a Shell. Sete anos atrás, a gigante petrolífera que se tornou sinônimo de lugares turbulentos como a Nigéria, decidiu transferir recursos para países mais desenvolvidos que oferecem um ambiente amigável para investidores e um regime tributário previsível. A Shell costumava dividir seu gasto em produção – o negócio básico de encontrar e extrair petróleo e gás – em cerca de meio a meio entre os países da Organização para Cooperação e Desenvolvmento Econômico e os de fora dela. Agora a proporção é de 70 para 30 em favor da OCDE, com a maioria das despesas no Canadá, na Austrália e nos EUA.
Com a centralização em novas áreas surge um novo foco: logo a Shell produzirá mais gás natural que petróleo. Isso poderia ter amedrontado os investidores dez anos atrás. Mas com a demanda por gás prevista para crescer fortemente, especialmente na Ásia, o futuro das empresas concentradas no gás parece cada vez melhor.
Como a Shell, a Exxon Mobil Corp. está fortalecendo sua presença nas Américas, lar de pouco mais da metade da sua base de recursos naturais. Suas jazidas não convencionais aumentaram quase 90% nos últimos cinco anos, para 35 bilhões de óleo equivalente. E a produção da Exxon com fontes heterodoxas está prevista para aumentar nos próximos dez anos.
Algumas gigantes estão de olho em lugares mais distantes. As três principais áreas de concentração da Chevron Corp. – a parte do mundo que consome a maior fatia do orçamento de exploração da empresa – são o Golfo do México americano, a costa da África Ocidental e as águas do oeste da Austrália.
Ainda assim, estar em países mais estáveis não garante vida mansa para as petrolíferas. O recente conflito da Chevron com o governo brasileiro em torno de um vazamento no litoral do Rio é um exemplo, assim como um aumento inesperado de impostos sobre produtores de petróleo no Reino Unido este ano.
Mas os riscos são muito maiores fora desse grupo. As grandes foram para a Venezuela e perderam suas propriedades, diz Myers Jaffe, do Instituto Baker. Eu mesma preferiria investir numa companhia que tivesse 70% de seus investimentos na OCDE. Guy Chazan, The Wall Street Journal