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Na Mídia - 05/09/19

O extrapolamento dos prazos impróprios e a correção dos créditos trabalhistas. Por Luiz Calixto Sandes

Diante de toda a discussão que ainda envolve a aplicação da TR ou do IPCA para a correção dos créditos trabalhistas surge, por parte das empresas, a necessidade de buscar meios que diminuam o impacto financeiro da alteração destes índices.

Nasce, assim, a necessidade de revisitar a legislação com o fim de buscar uma solução para o considerável aumento na contingência das empresas com a aplicação do IPCA-E.

O artigo 240, § 3º do NCPC, que cuida da regulamentação da comunicação dos atos processuais, afirma que “a parte não será prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário.” Refere-se o referido artigo às hipóteses em que o judiciário excede os prazos a ele destinados nos cumprimentos dos atos processuais.

É importante esclarecer que não há correspondência deste enunciado no Código anterior, (1973), o que reforça o compromisso do legislador infraconstitucional com as garantias constitucionais.

Nesta esteira, seguem os compromissos dos Tribunais em geral, assim como do Conselho Nacional de Justiça com a entrega célere da prestação jurisdicional, dados que vem sendo compartilhados com a sociedade em geral constantemente.

Há muito a doutrina entendia que os prazos a serem cumpridos pelo judiciário eram classificados como impróprios, ou seja, prazos que, se desrespeitados, não gerariam qualquer consequência ao processo.

A Emenda Constitucional 45/2004, que alterou o artigo 5º da Constituição Federal, acrescentou o inciso LXXVIII que institui que: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” Assim, o referido inciso, integrante do rol dos direitos fundamentais passou a estabelecer, como garantia, a duração razoável do processo.

Tal norma, aliada a já legal posição do juiz como sujeito do processo (art. 139, II do CPC), amparada pela teoria publicista, que erige o processo a status de instrumento público da jurisdição, fez cair por terra a ideia de que os prazos a serem cumpridos pelo judiciário pudessem continuar a ser classificados como impróprios.

Nesta mesma construção ideológica e conceitual, amparado no direito fundamental à duração razoável do processo, o Código de Processo Civil (CPC), em seus artigos 4º e 6ª, também assegura às partes a celeridade. Entretanto, como em sede de legislação infraconstitucional, o seu enquadramento se dá como princípio geral do processo. O mesmo artigo 6º traz, ainda, o novel princípio da cooperação, de observância obrigatória pelo juiz, porque sujeito do processo (art. 139, II do CPC).

O CPC em seu artigo 8º, que também possui status de princípio informador do processo, justificando ainda mais a sua legalidade, afirma que é dever do juiz, no exercício da judicatura, atender aos fins sociais, a exigência do bem comum; observar a proporcionalidade, razoabilidade, legalidade e a eficiência.

Nos dias atuais, portanto, é impossível admitir a ideia de que o judiciário, possuindo o dever de cumprir prazos estipulados pela lei possa transcendê-los, sem que isso cause prejuízo às partes, ao processo e a própria atividade jurisdicional.

Meramente à guisa de exemplo, o Código de Processo Penal, em seus artigos 801 e 802, ainda penaliza o juiz e o Ministério Público, se responsáveis pelo retardamento da entrega da prestação jurisdicional.

O não cumprimento dos prazos pelo judiciário, antes classificados como impróprios, além de violar garantias constitucionais e princípios informadores da Teoria Geral do Processo, onera às partes. Em relação ao devedor o prejuízo é ainda maior porque financeiro, já que no período cujos prazos foram ultrapassados, na liquidação de eventual crédito trabalhista, serão contabilizados juros e correção monetária. É a hipótese de responsabilidade sem culpa.

Assim, com vistas a não responsabilizar às partes pela transcendência dos prazos, quando da sentença que resolver o mérito julgando pedidos procedentes, a liquidação deve ser procedida na modalidade de arbitramento, nos termos do artigo 879, caput e § 6º da CLT.

A condição para a sua realização, instituída no § 6º do referido artigo, se justifica com o fim da constitucional, legal e necessária observância do artigo 240, § 3º do CPC de perfeita e harmoniosa aplicação na fase executiva no processo laboral.

Finalmente, em relação a possibilidade de aplicação do artigo 240, § 3º, por ausência de normatização própria, as regras inerentes aos princípios do processo comum que não colidem com os princípios do processo laboral são de perfeita assunção, nos termos do artigo 769 da CLT.

Não menos importante é entender que, no processo comum, as normas que regulam o processo cognitivo se aplicam na fase ou no processo executivo, conforme a natureza do título, como se extrai dos artigos 771, parágrafo único; 802; 841, § 4º; 876, § 1º, III e § 2º; 915, caput e § 3º; 917, § 7º e 921, I, todos do CPC, ficando ultrapassada eventual discussão sobre aplicação subsidiária das normas processuais em fases diferentes (conhecimento e execução).

Chega-se à conclusão de que, desde o advento do Código de Processo Civil de 2015, houve alteração conceitual da natureza dos prazos até então tidos como impróprios, não mais podendo as partes serem prejudicadas pela demora do judiciário na prática de atos processuais, que ultrapassem os prazos legalmente estipulados.

Assim, todos os prazos impróprios que não foram observados no curso do processo (arts. 226 do NCPC), a partir da citação, não devem ser considerados para a contabilização de juros e correção monetária pois, do contrário, teria efeito de causar prejuízo à parte pela demora imputável exclusivamente ao poder judiciário.

Luiz Calixto Sandes – Advogado Trabalhista, Mestre em Direito, Professor universitário e sócio do Kincaid | Mendes Vianna Advogados

Publicado no JOTA.