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Clippings - 21/07/09

O fechamento dos portos

A esperança é que o decreto 6.620 venha a ser declarado inconstitucional
Elias Gedeon

O plano funcionará como uma camisa-de-força, impedindo que a iniciativa privada faça os necessários investimentos

Pelos portos brasileiros passam 98% de nosso comércio exterior. Infraestrutura portuária moderna e ágil seria, portanto, condição básica para que a economia do país continue a crescer, sem obstáculos.

A questão ganha relevo se considerarmos que o volume de contêineres movimentados no Brasil dobra a cada cinco anos, exigindo crescentes investimentos em novos terminais portuários – além da efetiva modernização dos que existem -, a fim de eliminar os conhecidos gargalos que elevam custos e comprometem a eficiência da cadeia produtiva.

O problema é que tais investimentos, que poderiam estar sendo estimulados e facilitados, passaram a enfrentar uma nova e difícil barreira legal, representada pelo Decreto 6.620, de outubro de 2008.

Criado com o declarado intuito de incentivar investimentos portuários, a partir da regulamentação da Lei 8.630/93 – que, com efeito, trouxe modernização aos portos -, o decreto tem, na verdade, cerceado o desenvolvimento do setor. O principal óbice diz respeito à imposição de licitação pública para qualquer projeto privado que tenha por objeto a movimentação de cargas.

A obrigatoriedade de licitação é estendida a áreas particulares, o que significa que o Estado está licitando patrimônio privado, que não lhe pertence, numa curiosa inovação legal que certamente potencializará intrincados conflitos judiciais – algo que só contribui para aumentar o chamado custo Brasil.

O aspecto jurídico é, contudo, um problema secundário – apesar de também gerar gargalos para a atividade econômica. A questão crucial, de interesse urgente, é que, ao estabelecer esta imposição, o decreto afasta investidores interessados em apostar na força do comércio brasileiro e no próprio desenvolvimento do país.

Afinal, qual investidor apostaria num negócio cuja operação estaria sujeita a ser repassada a terceiros, por força de uma licitação? E o risco existe mesmo que o investidor tenha o domínio legal da área destinada ao terminal. É isso que prevê Plano Geral de Outorgas, respaldado no decreto. A expropriação de áreas particulares será feita em prol do Plano Estratégico Portuário.

Na prática, o Plano funcionará como uma camisa de força, impedindo que a iniciativa privada faça os necessários investimentos em infraestrutura portuária. Os terminais públicos arrendados, cuja capacidade encontra-se esgotada, permanecerão protegidos por uma reserva de mercado branca, uma vez que o decreto não garante a aberta a concorrência.

As licitações onerosas de áreas privadas, além de cercear a liberdade de investimentos, encarecerão os novos empreendimentos, contribuindo mais uma vez para pressionar os custos da cadeia produtiva. Vale enfatizar que não é o empreendedor que arca com os custos adicionais, mas sim o exportador nacional e, em última instância, a sociedade como um todo.

Outro ponto crítico do decreto é a imposição de que todo empreendimento portuário seja capaz de movimentar carga própria de forma sustentável, ou seja, a ponto de garantir por si só a viabilidade econômica do projeto.

Ora, empreendimento portuário não tem carga própria, uma vez que a sua atividade-fim não é a comercialização de produtos, mas sim, justamente, a prestação de serviços de movimentação de cargas para aqueles que querem exportar e importar. A restrição, certamente, só contribui para inibir ainda mais os investimentos.

Não bastasse isso, o decreto trouxe ainda outros pontos nebulosos. Na questão do trabalho, estende a todos os portos organizados – incluindo os terminais privativos licitados – mão-de-obra avulsa, um modelo anacrônico e pouco eficiente de relação de trabalho.

No que toca os terminais públicos hoje arrendados, estabelece que os prazos de concessão ficam sujeitos à vontade do poder público, contribuindo para gerar insegurança jurídica e aumentar a nefasta ingerência política no setor portuário. E, para completar, cria uma concorrência assimétrica entre setor público e privado, ao determinar que a autoridade portuária pode prestar serviços de armazenagem – mais um fator para afugentar investidores.

Passados mais de 200 anos da abertura dos portos, esperava-se que o decreto de outubro de 2008 pudesse lançar o comércio brasileiro e o desenvolvimento do país num patamar de Século XXI, com ampla liberdade de iniciativa. Mas o seu espírito, sem exagero, nos coloca em direção a um contexto anterior a 1808, de fechamento de portos. Na prática, sem os investimentos necessários, é o que pode acontecer.

Mas, como o decreto extrapola a Lei 8.630/93, inovando o ordenamento jurídico e violando o princípio da legalidade, a esperança, agora, é que venha a ser declarado inconstitucional.

Elias Gedeon é diretor-executivo do Centro Nacional de Navegação (Centronave). (Valor – A14 – 21/07/2009).