Uma obra da empresa de logística VLI que está em curso no estuário de Santos virou alvo de controversa ambiental e concorrencial.
A VLI está fazendo uma cava subaquática para receber o material contaminado que será dragado do Canal de Piaçaguera para permitir o acesso de navios maiores a seu terminal, o Tiplam.
Além de ser uma técnica inédita na região, o que preocupa o Ministério Público Estadual (MPE), a licença da Cetesb que autorizou a cava foi dada em nome de outra empresa, a Usiminas, dentro de um processo de 2002 para a dragagem do Canal de Piaçaguera. Ainda, o bolsão ficará em frente à Ilha das Cobras, cujo dono pretende erguer um terminal – projeto ainda não licenciado – e diz que a cava mina a possibilidade do futuro empreendimento.
“Não há estudo que comprove que essa é a melhor forma de acondicionar material contaminado”, disse ao Valor a promotora de Justiça Almachia Zwarg Acerbi, do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema) do MPE. A cava entrou na mira do órgão recentemente, dentro do inquérito que acompanha o licenciamento da expansão do terminal da VLI, empresa que tem entre os acionistas a Vale, a Mitsui, o fundo canadense Brookfield, e o FI-FGTS. A promotora espera uma série de documentos para definir qual ação tomar.
Segundo o Valor apurou, outras questões que o MPE considera passíveis de questionamento são o uso de licença de um empreendedor por outro e o fato de a cava não constar do licenciamento ambiental da expansão do Tiplam – já que sem essa dragagem o terminal, localizado ao fundo do canal, não poderá receber grandes embarcações. O licenciamento da expansão do Tiplam é de 2010.
O uso de cavas submersas nunca foi prática no estuário de Santos. Para o MPE e especialistas em meio ambiente, o método significa transferir de um lugar para o outro poluição em vez de retirá-la, tratá-la e dar um destinação em terra – um processo que é mais caro. O temor do confinamento submerso é que os sedimentos se dispersem no trajeto ou, uma vez enclausurados, sofram a ação do tráfego dos navios, gerando dano ambiental.
O Canal de Piaçaguera fica em Cubatão e dá acesso ao Tiplam bem como ao terminal da Usiminas (antiga Cosipa). É uma continuação do canal de navegação do porto de Santos, às margens do qual existem dezenas de terminais portuários.
Conforme o parecer técnico da Cetesb, em novembro de 2015 foi formalizado ao órgão ambiental, dentro do processo da Usiminas, um pedido de consulta técnica para o projeto de abertura da cava subaquática para disposição e confinamento dos sedimentos a serem dragados na etapa II do canal e bacia de evolução. Em fevereiro de 2016 foi protocolado o pedido de licença de instalação (LI) para abertura da cava no largo do Casqueiro. A LI saiu em julho de 2016, em nome da Usiminas. A obra está em curso desde setembro.
Na manhí de ontem, a Usiminas soltou um comunicado ao mercado informando que havia celebrado, na mesma data, contrato de dragagem com a Salus Infraestrutura Portuária para a recuperação da profundidade mínima do Canal Piaçaguera. Conforme a nota, o gerenciamento da obra está a cargo da Ultrafértil – controlada da VLI que é responsável pelas operações do Tiplam. O comunicado ao mercado foi divulgado após o Valor questionar a Usiminas na sexta-feira sobre a licença para realizar a cava submersa.
Após o comunicado, a Usiminas informou a reportagem que a atual dragagem “é uma continuidade das atividades já previstas no licenciamento inicial (com início em 2002)”. E que, desde o início, o licenciamento ambiental dessa obra foi conduzido em conjunto com a Ultrafértil.
“Como uma licença ambiental não pode ser emitida em nome de duas empresas, à época optou-se que estivesse em nome da então Cosipa. Ao longo do tempo, com as alterações nas razões sociais de ambas as empresas, os processos foram devidamente adequados junto aos órgãos competentes, sempre mantendo a parceria entre as empresas, que é de total conhecimento dos órgãos ambientais.”
A VLI também disse que o processo é autorizado pelo licenciamento de 2002 e que a licença prévia nº 870, de agosto de 2005, já previa a abertura de cava subaquática como alternativa locacional para dispor o material da dragagem do Canal de Piaçaguera. A informação é ratificada pela Cetesb.
Segundo a VLI, o processo tem todas as autorizações dos órgãos competentes. A empresa afirmou ainda, também em nota, que o órgão ambiental não concede duas licenças a empresas distintas e para o mesmo empreendimento. E que em 2014, Usiminas e Ultrafértil formaram um consórcio para fazer a dragagem em cooperação.
A VLI garantiu não haver risco de contaminação, pois a escolha do local foi baseada nas áreas avaliadas no EIA-Rima da dragagem, protocolado em 2004, “e em função dos estudos recentes de caracterização e modelagem realizados pela empresa e suas consultorias”.
A Cetesb informou que a Usiminas é a única detentora das licenças ambientais da dragagem e disposição do Canal do Piaçaguera e que cabe à empresa cumprir as exigências “independentemente de contratos, convênios e/ou outras formas de parcerias que venham a ser firmadas ao longo do processo de licenciamento ambiental”.
O órgão ambiental acrescentou que questões como o ineditismo de um método que vai transferir poluição foram “exaustivamente tratadas com a comunidade da Baixada Santista” no âmbito do EIA-Rima do empreendimento.
Um dos itens da conclusão da Cetesb no parecer que antecede a LI é que a solução de disposição confinada vem sendo adotada com sucesso em diversos países para gerenciamento do material dragado de portos. Eduardo Rego, ambientalista com mestrado em direito ambiental e ex-conselheiro do Conselho Estadual de Meio Ambiente afirma que a comparação de ambientes diferentes, sobretudo em se tratando de material contaminado, é “medonha”. “Outros países têm outros locais, outras dinâmicas de sedimentos. Não é uma questão de tecnologia, mas da dinâmica dos locais. Uma coisa não guarda proporção com a outra, isso não deveria ser nem considerado pela Cetesb”.
Para a Cetesb, há sustentação técnica da solução de disposição confinada, tendo a mesma sido objeto de ampla discussão por um grupo de trabalho que elaborou a Resolução Conama 454/12, que estabelece as diretrizes gerais e procedimentos referenciais para o material dragado em águas sob jurisdição nacional.
De acordo com a VLI, o processo tem todas as autorizações necessárias dos órgãos competentes.