
Pela minuta do edital, participação das empresas que já operam terminais de contêineres no complexo na segunda etapa depende de ausência de propostas na primeira, o que é tido como improvável devido ao valor do ativo
As regras que constam na minuta do edital de licitação do Tecon Santos 10 preveem o impedimento da participação de operadores de terminais de contêineres já estabelecidos no Porto de Santos (SP) na primeira das duas etapas do leilão. Essa segunda fase, no entanto, será aberta somente se a primeira não receber propostas, o que é tido como improvável devido ao valor do ativo. O texto em formatação, aprovado semana passada e tornado público nesta terça-feira (27), descartou uma das duas alternativas sugeridas pela área técnica da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) que previa a transferência do ativo, em caso de um grupo que já opera no porto vencesse o certame, previsto para ocorrer até o final de 2025.
Os principais operadores de contêineres do Porto de Santos atualmente são a Santos Brasil, a BTP (Maersk/TiL) e a DP World. Nos bastidores, o mercado estima que grandes armadores e investidores de diferentes partes do mundo estão interessados no Tecon Santos 10. Entre eles Cosco, Hapag-Lloyd, Maersk, MSC, PSA e ICTSI.
Também há uma forte expectativa de que a JBS, que esse ano assumiu operações de contêineres no Porto de Itajaí (SC), possa vir forte nessa disputa. “Todo mundo está olhando esse ativo. Acho saudável ter mais players disputando. Se [o leilão] fosse aberto, poderia atingir um recorde difícil de ser batido em termos de valor de outorga porque tem muita gente interessada”, disse uma fonte à Portos e Navios, em caráter reservado.
Para outra fonte ouvida pela reportagem, a opção de deixar de fora operadores já estabelecidos no porto pode soar como uma contradição, por uma série de motivos. Um deles seria estabelecer uma restrição pouco depois da aprovação de duas grandes operações no setor portuário no país, que envolveram, respectivamente, a compra da Santos Brasil pela CMA CGM e a venda da Wilson Sons para a MSC.
Ela acredita que a alternativa de transferência do ativo, em caso de um grupo já estabelecido vencer o leilão, poderia ser um caminho. “Apesar de ser a favor da verticalização, sou contra concentração exagerada de mercado”, disse. Outra avaliação é que, quanto mais capacidade ofertada e menos tempo com o navio parado no terminal, mais o armador remunera seu principal ativo, o que também é bom para o importador e para o exportador.
Em algumas oportunidades, a área técnica do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) manifestou que, sob determinadas circunstâncias, a verticalização pode ser benéfica, levando em conta que, num cenário como do Brasil, com terminais considerados de menor porte, com até 3 milhões de TEUs de capacidade, os ganhos de escala seriam mais benéficos do que um aumento da concorrência. O Tribunal de Contas da União (TCU) também já apontou que, ao investir em um terminal, o armador visa melhorar o nível de serviço do transporte marítimo. O raciocínio é que o aumento de capacidade e da produtividade do terminal geram mais fluidez operacional para o navio, principal ativo dos armadores.
Longo curso
A possibilidade de o edital do Tecon Santos 10 impor restrições à participação de operadores já atuantes no local era alvo de preocupação e crítica por parte dos transportadores marítimos de longo curso. Eles já vinham questionando o risco de veto dos operadores presentes em Santos ao direito de disputar a exploração do novo terminal.
Em comunicado emitido na manhã de hoje (27), o Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave) contestou o princípio que fundamenta a tese, de que haverá concentração caso algum player já operando no porto vencer a concorrência e que isso causaria distorção no mercado. “Restringir a participação de operadores experientes fere os princípios da liberdade econômica e reduz a competitividade da licitação, resultando em menor outorga ao Estado e menos benefícios para os usuários do sistema portuário”, afirmou em nota Cláudio Loureiro, diretor-executivo do Centronave, que reúne 19 armadores de longo curso.
O Centronave também considera que os terminais ‘verticalizados’ atendem, rotineiramente, navios de diversas linhas e de armadores concorrentes. Loureiro ressaltou que a escolha de terminais é ditada pelo mercado, levando em conta fatores como qualidade, infraestrutura, desempenho, localização, condições comerciais e sustentabilidade ambiental — e não por vínculos societários.
A avaliação do Centronave é que o compartilhamento de espaço entre armadores em navios, por meio de acordos como os Vessel Sharing Agreements (VSAs), reforça que a estrutura atual do setor é, por natureza, interdependente e aberta. Os armadores de longo curso acreditam que, além de melhorar a eficiência das operações portuárias, o novo terminal deve impulsionar a competitividade do comércio exterior brasileiro, além de trazer de volta para Santos cargas que migraram para outros portos por conta das limitações atuais da infraestrutura do porto.
O diretor-executivo defende que o foco da licitação deve estar na eficiência, na escala e no atendimento à carga, e não na exclusão de operadores. Ele acrescentou que, em casos de distorções de mercado, existem mecanismos legais robustos para a atuação regulatória ex-post, evitando o risco de se comprometer, ex-ante, a atratividade e eficácia da concessão e do próprio projeto. “A pergunta que permanece é: quem realmente se beneficia com a imposição de barreiras à competição? Certamente, não é o usuário ou o comércio exterior brasileiro — nem a economia nacional”, indagou Loureiro.
O governo federal pretende realizar, até o final de 2025, o leilão do novo terminal de contêineres, previsto para a última área disponível no porto público de Santos. A expectativa é que o projeto amplie em quase 50% a capacidade de movimentação do complexo portuário. O escopo é de um terminal com capacidade instalada de 3,5 milhões de TEUs/ano a ser atingida até 2035.
O sócio-consultor da Solve Shipping, Leandro Carelli Barreto, observa desde a última edição da Intermodal, em abril, em São Paulo (SP), que existe um forte interesse de grandes empresas e investidores nesse ativo. “Isso mostra o quanto o Brasil desperta interesse dos investidores e é uma prova viva que não falta apetite de investidor, o que falta é destravar esse projeto”, comentou. Ele observa que a demora em implantar a nova capacidade pode fazer com que Santos desperdice a oportunidade de se tornar um verdadeiro hub.
Barreto estima que, considerando o Tecon Santos 10 em plena capacidade em 2034, o crescimento orgânico do mercado até lá já consumirá a capacidade do novo terminal. Ele reiterou que o Santos 10 é bem-vindo, mas está entre 5 e 10 anos atrasado devido à notória falta de capacidade para movimentação de contêineres no principal porto brasileiro e, sobretudo, em virtude do longo tempo de maturação desse tipo de empreendimento até entrar em operação. “Precisamos que o Tecon Santos 10 avance e, ato contínuo, se comece a pensar no próximo terminal”, sugeriu.
Fonte: Revista Portos e Navios