Com potencial para reduzir a sobrecarga do Judiciário e de proporcionar uma resolução de conflitos mais eficiente, a arbitragem tributária se alinha à tendência global de buscar métodos adequados para a solução de disputas, especialmente em matérias especializadas como o direito tributário e aduaneiro
convidados
Por Jeniffer Adelaide Marques Pires, Gabriela Souki e Marcos Fontes Ferreira
Como nos alerta anualmente o Conselho Nacional de Justiça, em seu tradicional relatório “Justiça em Números” , concluiu que o Judiciário brasileiro se encontra assoberbado por um volume exorbitante (e crescente) de processos. Alguns dados trazidos neste relatório são sintomáticos, e merecem ser destacados.
Cite-se, a título de exemplo, que o STJ demorou 18 anos para atingir, em 2007, a marca de 1 milhão de processos recebidos e julgados. Não obstante, em 2022, após apenas 15 anos, o STJ atingiu a marca de 2 milhões de processos recebidos e julgados. O que se constata é um aumento no número de casos distribuídos e processados.
Na Justiça Comum, o relatório revela um tempo médio de duração de processos de 6 (seis) anos. Contra a Fazenda Pública, este prazo tende a aumentar, considerando o sistema de precatórios que. Alguns Estados, a exemplo do Rio de Janeiro e do Tocantins, estão pagando, em 2024, precatórios incluídos em orçamentos de anos anteriores.
A matéria tributária responde por aproximadamente 40% de todos os processos em tramitação no Brasil. São R$ 5,44 trilhões em disputa, o que equivale a 75% do PIB, com base em dados de 2019.
Sobre o tema, o Justiça em Números conclui que, historicamente, as execuções fiscais têm sido apontadas como o principal fator de morosidade do Poder Judiciário.
Exsurge, assim, imperiosa a busca por soluções para redução da litigiosidade, mormente na seara
tributária.
Daí advém, diga-se de passagem, o sucesso crescente da transação tributária. Publicada em 2020, regulamentada pela Portaria PGFN n° 6.757/2022 e pela Portaria RFB nº 247/2022 , a Lei nº 13.988/2020 (que dispõe sobre transação tributária) é uma inovadora ferramenta de consensualidade entre Fisco e Contribuinte. De acordo com o relatório “PGFN em Números 2023″ , R$ 14,1 bilhões foram transacionados.
Malgrado ainda não haja regulamentação no Brasil, uma alternativa que se mostra promissora é a arbitragem tributária, que proporciona um mecanismo de resolução de disputas especializado, ágil e alinhado com as tendências globais.
A arbitragem no Brasil recebe um marco legal em 1996, com a edição da Lei nº 9.307 (Lei de Arbitragem). Mesmo com a base normativa, a arbitragem ainda patinava ante a ausência de segurança jurídica. Após chancela de sua constitucionalidade pelo Judiciário, a arbitragem ganhou fôlego, se consolidou, e hoje se mostra como uma tendência entre os métodos alternativos de resolução de conflitos.
Em 2015, a Lei de Arbitragem sofreu importantes alterações para expressamente estabelecer a possibilidade de utilização da arbitragem pela Administração Pública Direta e Indireta para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Trata-se de festejado avanço que pavimentou o caminho para ampliação da utilização da arbitragem no Brasil.
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Em 2022, em meio à mencionada crise do Judiciário, foi publicado o Ato Conjunto n° 01, de 2022 , de autoria das Presidências do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal, instituindo no Senado Federal a Comissão de Juristas (CJADMTR), composta membros proeminentes do cenário tributário brasileiro, objetivando apresentar anteprojetos de proposições legislativas tendentes a dinamizar, unificar e modernizar o processo administrativo e tributário nacional.
Dentre as diretrizes da CJADMTR, destacam-se a “garantia dos princípios do devido processo legal, observância da razoável duração do processo, eficiência, segurança jurídica, proteção da confiança”, além da implementação de parâmetros para métodos extrajudiciais de autocomposição e maior definição dos procedimentos e processos aplicáveis ao contencioso tributário administrativo e federal.
A CJADMTR teve um prazo de 180 (cento e oitenta) dias para desenvolver seus trabalhos. Ao final deste período, do trabalho desta comissão, resultaram dez interessantes Projetos de Lei , dos quais se destaca, para fins deste artigo, o Projeto de Lei nº 2.486/2022 , que dispõe sobre arbitragem em matéria tributária e aduaneira.
O Projeto de Lei nº 2.486/2022 tem como objetivo principal a utilização de arbitragem para promover a prevenção e a resolução de litígios envolvendo matéria tributária e aduaneira, tanto em fase pré-contenciosa quanto contenciosa. Sua aplicação é prevista para um rol abrangente de sujeitos, incluindo União, Estados, Municípios, Distrito Federal, conselhos profissionais e a Ordem dos Advogados do Brasil.
O texto que está em discussão, ainda pendente de análise da Câmara dos Deputados, prevê que a Fazenda Pública estabelecerá o rol de hipóteses gerais em que a arbitragem poderá ser utilizada, definindo critérios de valor, fases processuais administrativas ou judiciais em que a arbitragem será permitida, procedimentos para apreciação do requerimento de arbitragem e regras para escolha da câmara de arbitragem.
A minuta legislativa veda a arbitragem por equidade e a arbitragem sobre a constitucionalidade de normas jurídicas ou discussão sobre lei em tese.
Também merece destaque a proposta de redução de multas para incentivar a opção pela arbitragem, promovendo a prevenção do litígio.
O PL busca modernizar a resolução de disputas em matéria tributária e aduaneira, oferecendo um método adequado ao contencioso administrativo e judicial tradicional, com potencial de agilizar as resoluções e reduzir a litigiosidade no setor fiscal.
Aprovado no Senado Federal no dia 17/06/2024, a proposta segue agora para tramitação na Câmara dos Deputados.
Interessante notar que, em Portugal , a arbitragem tributária surgiu a partir do agravamento das contas públicas, e do assoberbamento do judiciário fiscal, além de ter sido precedida pela regulamentação da arbitragem no âmbito do Direito Administrativo. Este aparenta ser o atual cenário do Brasil, sendo certo que a regulamentação de mais um método “alternativo” de resolução de litígios tributários poderia contribuir para o desafogamento do Judiciário.
Com potencial para reduzir a sobrecarga do Judiciário e de proporcionar uma resolução de conflitos mais eficiente, a arbitragem tributária se alinha à tendência global de buscar métodos adequados para a solução de disputas, especialmente em matérias especializadas como o direito tributário e aduaneiro.
O Projeto de Lei nº 2.486/2022, portanto, merece um amplo debate para garantir que o potencial da arbitragem tributária seja plenamente alcançado, e que os desafios inerentes à sua implementação sejam adequadamente abordados.
A proposta de regulamentação da arbitragem tributária perfilha-se à tendência do Direito Público contemporâneo, de fortalecimento do diálogo entre a Administração Pública e o Cidadão. O caso é de se promover debates sobre arbitragem tributária, pilar importante no contexto da necessária modernização do processo.
Convidados deste artigo
Jeniffer Adelaide Marques Pires
Gabriela Souki
Marcos Fontes Ferreira
Sócia do Kincaid Mendes Vianna. Foto: Arquivo pessoal
Fonte: Estadão