É imprescindível que os contribuintes continuem atentos e bem assessorados juridicamente, em especial quanto ao transcurso do prazo prescricional.
Em março, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema Repetitivo nº 1.293, concluiu pela aplicação da prescrição intercorrente prevista no artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei nº 9.873/1999, quando paralisado por mais de três anos o processo administrativo de apuração de infrações aduaneiras, de natureza não tributária.
Na ocasião, a Corte Superior fixou o entendimento de que a natureza jurídica do débito que decorre da multa por infração à legislação aduaneira será de direito administrativo (não tributário) se a norma infringida visa, primordialmente, ao controle do trânsito internacional de mercadorias ou à regularidade do serviço aduaneiro, ainda que, reflexamente, possa colaborar para a fiscalização do recolhimento
dos tributos incidentes sobre a operação.
Noutro giro, se a obrigação descumprida destinava-se, direta e imediatamente, à arrecadação ou à fiscalização dos tributos incidentes, não haveria a incidência da referida prescrição intercorrente.
Vale dizer que a União opôs embargos de declaração alegando uma suposta omissão do acórdão paradigma quanto ao marco inicial do referido prazo de prescrição intercorrente trienal, o qual, a seu ver, somente deveria começar a fluir após o encerramento do prazo de 360 dias previsto no artigo 24 da Lei nº 11.457/2007. Na prática, defende que a contagem deveria ser de 1 ano acrescido de 3 anos, totalizando 4 anos.
Em 10 de setembro, o STJ rejeitou o recurso, por entender que essa argumentação – quanto ao marco inicial – seria uma inovação recursal nunca antes suscitada, razão pela qual não seria possível haver omissão a esse respeito.
Em tese, trata-se de importante precedente sobre a matéria que tende a pacificar ou, no mínimo, promover uma maior segurança jurídica tanto para contribuintes que ainda estejam discutindo, administrativamente, o mérito de determinada multa aduaneira cuja tramitação esteja paralisada, como para aqueles que já estejam no Judiciário a extinção da cobrança em vista da prescrição intercorrente.
Na prática, porém, a efetiva aplicação desse entendimento vinculante, em determinados casos, ainda poderá ser objeto de questionamentos pela Fisco.
A uma porque o entendimento firmado pelo STJ, talvez por absoluta impossibilidade de ser taxativo para todos os cenários possíveis, precisa estabelecer hipóteses ou condicionantes que autorizariam, em cada caso concreto, a aplicação ou não da prescrição administrativa trienal prevista no artigo 1º, parágrafo 1º da Lei nº 9.873/1999.
Nesse tocante, não se pode ignorar que, em regra, as infrações à legislação possuem diferentes vertentes, podendo decorrer (i) da inobservância de deveres administrativos ligados, exclusivamente, ao controle aduaneiro; ou (ii) da arrecadação/fiscalização de tributos incidentes nas operações de comércio exterior; ou (iii) de ambos.
As infrações enquadráveis no item i consubstanciam, essencialmente, o crédito de natureza não tributária. Ou seja, seriam a parte da área aduaneira que não intersecciona a tributária, estando, portanto, sujeito à referida prescrição administrativa trienal. No item ii a situação se inverte, sendo de fácil percepção a natureza tributária do crédito, atraindo a aplicação do regramento previsto no Código Tributário Nacional (CTN). O item iii assumiria um caráter “híbrido”, elevando a complexidade da determinação de sua natureza e regime aplicáveis.
Sendo assim, para os casos que, eventualmente, demandem uma maior complexidade nessa aferição de enquadramento, não seria uma surpresa que ainda tenhamos um contencioso sendo discutido nos tribunais, em especial nos casos em que possa ser suscitada dúvida acerca da efetiva natureza jurídica do crédito correspondente à sanção.
O cenário pode ser ainda mais desafiador para as ações judiciais cuja tramitação esteja avançada e, em vista do regramento processual e de seus limites recursais, exista pouco – ou nenhum – espaço para que fatos e/ou peculiaridades do caso concreto sejam reapreciados para se buscar o correto enquadramento da natureza jurídica do respectivo crédito.
A segunda hipótese em que o entendimento vinculante acima narrado ainda poderá ser questionado pelo Fisco refere-se ao argumento de que o marco inicial do referido prazo de prescrição intercorrente trienal somente deveria começar a fluir após o encerramento do prazo de 360 dias previsto no artigo 24 da Lei nº 11.457/2007.
Isso porque, como antecipado, o STJ não afastou o argumento em si, e sim o desconsiderou por se tratar de uma inovação recursal que não havia sido suscitada anteriormente. Ou seja, na prática, o mérito desse suposto fundamento não foi apreciado (muito embora, a nosso ver, seja descabido).
Logo, é possível que para os casos em que o tempo de paralisação do processo administrativo enquadre-se no limite temporal entre 3 e 4 anos, por exemplo, ainda tenhamos o prolongamento de disputas
em que o Fisco insista na inaplicabilidade da prescrição intercorrente trienal.
Diante das variáveis acima, é imprescindível que os contribuintes continuem atentos e bem assessorados juridicamente, em especial quanto ao transcurso do prazo prescricional e quanto à oportuna e
adequada assimilação da natureza jurídica da sanção sob exame. Com isso, buscar-se-á a efetiva pacificação pretendida pelo STJ, evitando-se que o fim do julgamento do Tema Repetitivo nº 1.293,
não marque o início ou permanência de discussões judiciais sobre a mesma matéria.
Thalles Niemeyer é advogado do Kincaid Mendes Vianna Advogados
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Fonte: Jornal Valor Econômico