Laura Porto acompanha a evolução do setor eólico brasileiro desde 2004. Se naquela época estava à frente do Departamento de Desenvolvimento Energético do MME, hoje ela é a principal executiva no Brasil da Iberdrola e diretora de Regulação da Abeeólica. Para Laura, o país pode assumir a vanguarda da indústria eólica mundial, desde que invista em logística e qualificação de mão de obra, além de ajustar a cadeia produtiva.“O aço importado é mais barato que o nacional. Isso é paradoxal, considerando que os melhores financiamentos são para equipamentos com maior conteúdo local.”
Nos últimos anos, PCHs e térmicas a biomassa viveram um boom e depois perderam competitividade. Como evitar isso com as eólicas?
Tanto o governo como os empresários e a sociedade sinalizaram que a fonte eólica veio para ficar. São fabricantes, desenvolvedores e produtores de energia renomados, nacionais e internacionais. A tecnologia já é madura e competitiva. O êxito dessa fonte, porém, vai depender da estabilidade do marco regulatório e dos incentivos fiscais na cadeia produtiva, além da permanência dos principais fabricantes no Brasil. Tem de ser uma via de mão dupla entre o compromisso do empresariado e do governo, cumprindo prazos e estabelecendo metas mínimas. O Brasil pode ser a vanguarda do setor eólico mundial. Temos condições de aliar geração de energia ao aumento de conhecimento e ao desenvolvimento da indústria.
A instalação de mais fabricantes no país contribui para derrubar preços?
Sem dúvida, considerando que o aerogerador representa quase 70% do total do investimento. Mas temos de ressaltar a importância da qualidade dos fabricantes, porque os contratos têm 20 anos de duração. Precisamos ter segurança de que esse equipamento vai funcionar bem, de maneira eficiente e com disponibilidade superior a 97%. Até o momento, todos os fabricantes instalados no Brasil são muito bons. Mas essa preocupação deve ser mantida e acompanhada por MME, EPE e Abeeólica.
Quais são os maiores gargalos da cadeia produtiva?
Talvez a fabricação de pás, porque temos apenas uma fábrica hoje no Brasil. A questão do aço, que impacta diretamente a fabricação de torres, também é delicada. O aço importado é mais barato que o nacional. Isso é paradoxal, considerando que os melhores financiamentos são para equipamentos com maior conteúdo local. Além disso, praticamente todo o sistema de controle ainda é importado. O Brasil deve priorizar investimentos na pesquisa e no desenvolvimento tecnológico dessa área.
O Brasil está preparado para atender à demanda eólica nos próximos três anos?
Na logística de produção o prazo é curto para atender quase 4 mil MW relativos aos leilões de 2009 e 2010. Parte dos equipamentos será produzida aqui, mas outra parte será importada, pois muitos fabricantes têm um plano de nacionalização progressivo. Essa importação exige um procedimento complexo e uma logística para escoamento.
Onde a logística encontra maior dificuldade?
Uma das dificuldades é o transporte dos equipamentos. Trata-se de equipamentos de grande volume e peso, como pás de 40 m de comprimento, transformadores de potência de 100 t e naceles de aerogerador de 80 t. Isso exige caminhões robustos e estradas preparadas. Como parte desses equipamentos poderá ser importada, isso envolve o transporte terrestre desde portos importantes da região Nordeste, como Salvador, Pecém e Suape. Somente no Rio Grande do Norte serão construídos 62 parques até dezembro de 2013, o que demanda uma logística bastante complexa.
A falta de mão de obra também preocupa?
Sim. Como o Brasil, felizmente, está em franco crescimento, há uma carência de mão de obra em muitos setores, não apenas no de energia eólica. Há pouca disponibilidade de mão de obra qualificada, como eletricistas, topógrafos, pedreiros, operadores, montadores e projetistas. Também é importante termos empresas qualificadas nas áreas de projetos básico e executivo, engenharia elétrica, montagem, transporte, O&M.
O que pode ser feito para sanar isso?
É imprescindível a atuação sinérgica dos governos federal, estaduais e municipais, associações do setor e federações das indústrias para romper essa barreira e garantir o rápido desenvolvimento do setor. Afinal, a construção dos parques representará cerca de R$ 16 bilhões de investimentos e a geração de mais de 55 mil empregos diretos e indiretos em diversos estados.
Quais as áreas que mais demandam pessoas qualificadas?
Existem áreas muito complexas, em especial as de estudos de aerodinâmica e mecânica dos sólidos, passando pelos estudos do potencial eólico e de estimativa de geração de energia dos parques. Isso exige profissionais bastante capacitados. Normalmente esses especialistas são mestres e doutores. As universidades, porém, estão caminhando nesse sentido, e as empresas estão capacitando cada vez mais seus especialistas.
Também não temos um grande histórico de medição de ventos.
Alguns estados já têm atlas publicados, com potenciais indicativos. E já existem muitas medições do setor privado, mas não em número significativo, nem com tempo de medição suficiente para que se tenha uma segurança de previsibilidade de longo prazo. É claro que há formas de avaliar os recursos eólicos, fazendo correlações e extrapolações com dados meteorológicos de reanálise de longo prazo. Nossa empresa tem essa experiência e possui um banco de dados em dezenas de países, incluindo o Brasil. Dessa forma é possível fazer uma estimativa do recurso eólico durante os 20 anos de contrato.
As eólicas ainda dependem das estações coletoras (ICGs) para se conectar ao sistema?
A ICG é uma solução interessante, porque compartilha uma estação coletora e possibilita a extensão da rede básica até o possível ponto de conexão dos empreendedores locais. No entanto, o empresário somente saberá se a ICG será viabilizada após o leilão. Isso significa imputar um risco ao negócio e, assim, muitas vezes, o empreendimento perde competitividade.
É possível vender energia eólica no mercado livre?
O mercado livre pode representar uma grande possibilidade, até por ser um mercado incentivado para a fonte eólica. Nesse sentido, foi formado um grupo na Abeeólica, do qual participo, para conhecer o tamanho desse mercado, estudar o arcabouço regulatório, analisar e dimensionar os riscos associados aos prazos de contratação na ótica de comercialização e da financiabilidade, entre outros itens. O mercado livre é um caminho para a fonte eólica, assim como é para a PCH e a térmica a biomassa.
Como está o licenciamento ambiental no setor eólico?
Os responsáveis pelo licenciamento são os órgãos estaduais, cada um com seus procedimentos específicos. Uns mais ágeis, outros menos; uns mais exigentes, outros menos. Mas todos convictos de que a energia eólica tem baixo impacto ambiental. Os órgãos ambientais sentem necessidade de capacitar seus técnicos e de maior número de especialistas, visto que a demanda, hoje, é muito grande. Essa é outra área preocupante. Por isso estamos tentando promover o diálogo entre especialistas ambientais, fabricantes, empreendedores, desenvolvedores, para que todos conversem e entendam quais são os gargalos e desafios da área.
A demanda por licenças ambientais aumentou com a quantidade de projetos…
Hoje são 10 mil MW candidatos, que representam cerca de 300 projetos. Analisar todos esses projetos de forma criteriosa, num prazo curto e com a cautela exigida é um trabalho árduo. Por isso, se todos os lados se comprometerem a fazer sua parte, o licenciamento não será um obstáculo.
Até que ponto os incentivos fiscais têm sido importantes?
A tarifa competitiva foi alcançada também em função de incentivos, como o Reidi (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura) e isenção de ICMS, IPI, etc. Todos esses incentivos permitem uma maior inserção da fonte eólica na matriz com preços mais módicos para o consumidor. Políticas como essa devem ser mantidas a médio e longo prazos, com o objetivo de dar sustentabilidade à indústria eólica.
O PDE 2019 prevê 6 mil MW novos eólicos. Qual o volume ideal de contratação para que a indústria se consolide?
A inserção da energia eólica no Plano Decenal de Energia é um marco, uma mudança de paradigma, e deve ser comemorada. Mas essa inserção é ainda muito tímida, pois pouco representa diante do potencial eólico brasileiro e diante das respostas aos leilões de 2009 e 2010. Para gerar um ciclo virtuoso, esse mercado deve acrescentar, no mínimo, 2 mil MW anuais ao ambiente regulado.
A EPE está revisando o PNE, com horizonte 2035. É possível ampliar a participação eólica nesse estudo?
Quando o Plano Nacional foi elaborado, a energia eólica ainda era incipiente no Brasil. O que foi previsto naquele momento era muito pouco ante o potencial do país e os resultados já apresentados no Brasil e no mundo. Como o plano foi feito para ser revisado a cada cinco anos, creio que, na revisão do PNE 2035, a energia eólica já será considerada uma fonte competitiva e consolidada. Afinal, ela não é mais a energia do futuro. É energia do presente.
Como a Iberdrola enxerga o mercado brasileiro hoje?
O resultado do último leilão influencia positivamente não somente a Iberdrola Renováveis do Brasil, mas também a Neoenergia, pois entramos no último leilão em consórcio. O leilão foi muito bem organizado, com regras claras, operacionalização ágil e transparente, resultados muito representativos, indicando que o Brasil está no caminho correto. Nos próximos anos, devemos ter mais leilões e muita concorrência. O Brasil tem um rico potencial eólico e um crescimento de consumo elétrico bastante significativo, o que demanda grandes investimentos pelo lado da oferta.