A Receita Federal considera que ainda não é obrigada a seguir a decisão do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a tributação de incentivos fiscais de
ICMS. Em solução de consulta, o órgão aplica entendimento mais restritivo
do que o adotado pelos ministros no julgamento realizado no primeiro
semestre. Também destaca que a Medida Provisória nº 1.185, de agosto,
deverá alterar as regras a partir de 2024.
A questão é relevante porque a União estima que vai deixar de arrecadar,
neste ano, R$ 70 bilhões em Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL em razão de
empresas estarem abatendo valores relativos a subvenções de ICMS do
cálculo desses tributos. Ontem, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
afirmou que essa era umas das dificuldades para a União alcançar a
arrecadação almejada.
O entendimento da Receita está na Solução de Consulta Cosit nº 253, de
2023, publicada na segunda-feira. A discussão foi levantada por uma
empresa do comércio atacadista de mercadorias em geral da Bahia,
beneficiária de subvenção para investimento na forma de créditos
presumidos e de redução de base de cálculo do ICMS.
A empresa alegou à Receita que o objetivo implícito do benefício é a
implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, no Estado da Bahia, para aumentar a concorrência com atacadistas de fora do Estado,
gerar empregos e proteger o comércio local.
Na resposta, a Receita Federal cita a Solução de Consulta nº 145, publicada
em 2020, antes, portanto, de o STJ julgar o tema, no primeiro semestre deste
ano – o que foi feito por meio de recurso repetitivo. Em um primeiro
momento, esse julgamento foi festejado pelo Ministério da Fazenda.
Afirma a Receita que a norma “é cristalina” no sentido de que a concessão
como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos
econômicos é um dos requisitos indispensáveis para a aplicação do artigo
30 da Lei nº 12.973, de 2014, que afasta a incidência de tributos federais.
Para o órgão, o descumprimento dessa condição impede a exclusão de
valores das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, independentemente da
forma de recebimento da subvenção para investimento. O entendimento,
segundo advogados, contraria a posição do STJ, que não exige essa
demonstração.
A decisão dos ministros, dizem, permite que a Receita cobre IRPJ e CSLL se
verificar, em fiscalização, que os valores do benefício fiscal foram usados
para outros fins que não a garantia da viabilidade do empreendimento
econômico. Pela legislação, os ganhos com os incentivos têm de ser
“registrados em reserva de lucros” e só poderiam ser usados na própria
empresa ou para abater prejuízo fiscal.
Na solução de consulta, a Receita lembra que há recurso pendente de
julgamento no STJ e, por isso, não há ainda manifestação da Procuradoria-
Geral da Fazenda Nacional (PGFN) a respeito. De acordo com a Receita, as
decisões do tribunal superior só passam a ter efeito vinculante a partir de
norma da PGFN.
Ainda segundo a Receita, está pendente de decisão no Supremo Tribunal
Federal (STF) recurso sobre possibilidade de exclusão da base de cálculo do
PIS e da Cofins de valores correspondentes a créditos presumidos de ICMS
decorrentes de incentivos fiscais concedidos pelos Estados e Distrito
Federal.
Pedro Grillo, do escritório Brigagão, Duque Estrada Advogados, critica a
posição do órgão, adotada mesmo após o recurso repetitivo do STJ, que
criou uma distinção entre crédito presumido e os outros incentivos. “A
Receita está mantendo a posição que sempre teve, apesar de haver um
repetitivo em sentido contrário”, afirma.
O advogado destaca que a solução de consulta cita a MP que ainda não está
produzindo efeitos. “Todo esse entendimento cairá por terra com a MP”, diz.
“O texto da medida provisória traz regra muito pior para os contribuintes.”
Para Thais Veiga Shingai, da banca Mannrich e Vasconcelos Advogados, a
União tanto discorda da decisão do STJ que, por meio da MP, seriam
revogadas as normas vigentes de subvenções para investimento. Elas se
tornariam integralmente tributadas (43%) com a possibilidade de o
contribuinte pedir a habilitação de seu incentivo e obter crédito fiscal de
Imposto de Renda (25%) a depender da avaliação da Receita. “O texto da MP
indica que a decisão do STJ não é tão favorável à União.”
Embora a Receita Federal tenha defendido que a decisão do STJ foi favorável
a ela, acrescenta a advogada, “na verdade foi desfavorável porque o STJ
determinou a aplicação do artigo 30 da Lei nº 12.973, que, entre outros
elementos, equipara incentivos fiscais a subvenções para investimento,
afastando a tributação”.
Pela primeira vez, afirma a advogada, a Receita analisou o acórdão do STJ
para dizer que não está vinculada. “Mas se a Receita interpretava o acórdão
de forma favorável a ela não teria problema nenhum em aplicá-lo ao caso
concreto do contribuinte, que tinha crédito presumido de ICMS e redução
de base de cálculo”, diz.
Daniel Tessari, do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados, entende
que “a solução de consulta cristaliza o cenário de insegurança jurídica”. O
advogado destaca que o assunto ainda tem algumas frentes de discussão,
com a MP e recursos pendentes nos tribunais.
Em nota ao Valor, a Receita informa que, após a decisão do STJ, buscou
orientar a todos. “Inclusive com a possibilidade de regularização antes do
início de procedimentos de fiscalização”, diz, acrescentando que,
levantamento recente identifica dezenas de procedimentos fiscais em
andamento relativos ao tema.
Fonte: Valor Econômico