As operações entre empresas de um mesmo grupo econômico são extremamente comuns em função das segregações de risco, operações e mercado entre as diversas empresas.
Todavia, existe globalmente uma preocupação das autoridades fiscais com eventuais abusos nos preços praticados em operações intercompany, com a consequente perda de arrecadação com o imposto de renda.
Nesse contexto, a legislação de preços de transferência tem como objetivo determinar se uma transação entre partes relacionadas (com uma delas localizada no exterior) foi precificada conforme uma relação entre terceiros/padrões de mercado ou tiveram como objetivo privilegiar uma das partes.
A referida análise visa estabelecer o montante passível de dedução como despesa ou a receita a ser considerada na base de cálculo do imposto de renda (no Brasil para o IRPJ/CSLL).
O Brasil se alinhou recentemente aos padrões internacionais com a Lei no 14.596/2023, mas ainda existem autuações fiscais com base na legislação anterior de preços de transferência (Lei no 9.430/1996).
Além disso, algumas práticas da legislação anterior ainda podem ser utilizadas pela Receita Federal do Brasil (RFB) nas suas fiscalizações, pois alguns dos métodos, sem, porém, margens fixas, permanecem na nova legislação.
Nesse contexto, destacamos dois casos julgados recentes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) sobre o afretamento de embarcação e a locação de equipamentos por uma empresa estrangeira para uma empresa brasileira. Dessa forma, o objetivo do fisco era verificar se a despesa deduzida da base de cálculo do IRPJ/CSLL obedecia aos parâmetros de transfer pricing.
Método PIC no afretamento de plataformas
Nesse julgado do CARF (acórdão no 1302-007.044 (2024)), foi analisada a utilização do método de Preços Independentes Comparados (PIC) (Comparable Uncontrolled Price -CUP) para determinar o valor dedutível da base de cálculo do IRPJ/CSLL pelo afretamento de plataformas de empresas estrangeiras relacionadas para empresas consorciadas no Brasil.
Apesar de ser um caso de autuação fiscal com base na antiga legislação de preços de transferência (Lei no 9.430/1996), é importante destacar o racional econômico envolvido na tentativa da Receita Federal demonstrar que o valor aluguel era superior ao que seria praticado entre partes não relacionadas.
O PIC é um método que busca comprar uma transação entre partes relacionadas com uma transação entre partes não relacionadas, desde que sejam passíveis de comparação após a realização dos eventuais ajustes necessários.
A determinação da remuneração para fins de comparação do método PIC foi obtida mediante a razão entre a taxa diária de afretamento e o CAPEX (valor de reposição da embarcação) de operações com partes não relacionadas, tendo em vista que a empresa líder do consórcio possuía contratos de afretamento com partes não relacionadas. Não foi apurada necessidade de ajuste pelo contribuinte.
Todavia, a RFB considerou que os diferentes prazos de cada contrato de afretamento e o retorno esperado pelo proprietário sobre o investimento com base no índice ROACE (Return on Average Capital Employed) deveriam ser considerados para estabelecer o preço parâmetro.
Diante disso, o fisco obteve um preço parâmetro diverso e indicou a necessidade de ajustes pelo contribuinte, com a diferença sendo indedutível da base de cálculo IRPJ/CSLL.
O CARF, porém, decidiu de forma unânime que o uso do índice ROACE nas demonstrações financeiras consolidadas, juntando diferentes segmentos operacionais, de outros grupos econômicos que afretam plataformas impossibilitou a comparação das taxas de afretamento obtidas pela fiscalização.
A diferença entre as taxas obtidas eram enormes, chegando a valores negativos, logo uma taxa diária de afretamento baseada na média ponderada resultante do cálculo indicado no parágrafo anterior era economicamente incompatível com o total do investimento no ativo em questão.
Métodos PIC e PRL na locação de equipamentos para o setor de petróleo e gás
No outro caso, objeto do acórdão no 1301-003.463 (2024), uma empresa brasileira utilizou o método PIC na operação intercompany de locação de bens de empresa estrangeira relacionada que são sublocados ou utilizados na prestação de serviços para empresas brasileiras.
Como esses clientes são partes não relacionadas, a empresa brasileira utilizou esses preços para calcular o preço parâmetro com base no PIC, ou seja, o preço da sublocação dos bens no Brasil.
A autuação fiscal, porém, considerou que o PIC seria aplicável apenas para a revenda de bens e indicou o método PRL (Preço de Revenda menos Lucro) (Resale Price less Profit – RPM).
O CARF indicou que ambos os métodos (PIC e PRL) seriam aplicáveis para a locação dos equipamentos, mas o PIC não poderia ser utilizado com base nos preços de sublocação com o mesmo produto, o que levou ao uso do PRL.
O CARF concordou que o método PIC não seria aplicável, mas utilizou o método PRL (Preço de Revenda menos Lucro) com a taxa pré-estabelecida na legislação de 60%, ao invés da taxa de 20%, o que resultou no cancelamento da autuação fiscal.