No início do mês de abril desse ano foi aprovado pelo Plenário do Senado a Proposta de Ementa à Constituição nº 12, PEC 12, que estabelece novas regras para o pagamento dos precatórios judiciais. O objetivo da Proposta é criar um regime que viabilize os orçamentos das prefeituras e dos estados para o pagamento dos precatórios acumulados. Historicamente, décadas de má administração e irresponsabilidade pública e um conseqüente crescimento no número de ações judiciais em face da Administração Pública acarretaram no crescimento da dívida pública, cujo montante se estima em torno de R$ 100 bilhões. Não obstante o pagamento de tais débitos submeterem-se à sistemática dos chamados precatórios, os quais a lei obriga serem pagos no ano seguinte à expedição dos mesmos, verificou-se grande inadimplência por parte do Poder Público. Este panorama ensejou a criação do art. 100 da Constituição Federal, como alternativa para acabar com a imoralidade pública, instituindo-se uma ordem cronológica para pagamento dos precatórios, bem como uma modalidade de parcelamento, em dez anos, para o pagamento dos precatórios não alimentares (Emenda Constitucional nº 30), visando priorizar o adimplemento dos precatórios que possuem natureza alimentar. Nesse particular, não obstante o Governo Federal ter passado a pagar em dia os seus precatórios, os estados continuaram inadimplentes e o débito público vai se acumulando ao longo das sucessivas administrações de cada governo. Diante desse panorama, surge em 2006 o Projeto de Ementa à Constituição PEC 12 como suposta solução ao inadimplemento do Poder Público, estipulando, dentre as suas previsões, resumidamente o seguinte: – o pagamento dos precatórios somente poderá ser efetuado após prévia compensação com débitos do credor inscritos na dívida ativa (art. 1º), – o pagamento dos precatórios estará limitado a 2% da Receita Corrente Líquida para Estados e 1,5% para municípios, – possibilidade de parcelamento dos valores a serem pagos em até 15 anos, – quebra da ordem cronológica de pagamento dos precatórios, instituindo uma modalidade de leilão onde aquele credor que oferecer um maior desconto em seu crédito, terá prioridade no pagamento, excluindo-se, no entanto, os precatórios alimentares, que deverão ser pagos integralmente, – 70% dos valores destinados pelo Poder Público ao pagamento dos precatórios seriam direcionados a credores habilitados no leilão, privilegiando-se aqueles que oferecerem deságios maiores, sendo os 30% restantes direcionados para precatórios alimentícios e de pequeno porte, a serem pagos na ordem crescente de valores. – possibilidade de compensação tributária em favor do credor, permitindo que o mesmo utilize o crédito a que tem direito para comprar imóveis públicos ou até a cedê-los a terceiros, disposição esta que não constava na proposta original da PEC. A PEC 12 não inclui em sua atual redação o Governo Federal, dentre os entes sujeitos ao regime especial de pagamento do estoque de precatórios vencidos, voltando-se unicamente para os estados e municípios, tendo em vista ser a união o único ente que está em dia com a quitação dos créditos oriundos das decisões judiciais. Não obstante a sua recente aprovação pelo Senado, a PEC 12 viola em bloco diversos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, a começar pelo princípio maior da moralidade pública e o princípio da separação dos Poderes, denegrindo a imagem do Judiciário ao relativizar a coisa julgada e submeter os credores por sentenças judiciais transitadas em julgado ao humilhante processo de leilão, pelo critério da maior desvalorização dos títulos sentenciais. A proposta também atenta contra direitos e garantias individuais, ignorando os princípios do direito adquirido, do ato jurídico perfeito, da coisa julgada, da segurança jurídica. Por essas e outras, ao longo dos quase três anos de tramitação do Projeto a PEC foi alvo de inúmeras críticas, dos mais diversos segmentos, passando, inclusive, a ser chamada de “PEC do calote”. Uma das alternativas sugeridas pelos críticos da PEC para pagamento dos precatórios é a da possibilidade de compensação de créditos devidos pelo Estado com tributos passados. Aliás, essa é inclusive uma das inovações da PEC 12, só que de forma inversa, ou seja, o Estado pode compensar débitos do credor inscritos na dívida ativa. Nesse aspecto, os críticos da Proposta defendem a idéia da reciprocidade, a fim de que a possibilidade de compensação de débitos não se restrinja ao Estado, mas seja admissível também às pessoas físicas e jurídicas que tem impostos a pagar, enquanto aguardam o pagamento do seu crédito pela Fazenda Pública. Não obstante a matéria já ter sido encaminhada para apreciação da Câmara dos Deputados, após aprovação da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, diversas instituições, dentre as quais a Ordem dos Advogados do Brasil, ainda são contrárias ao texto.