Os quatro projetos que regulamentam a exploração do petróleo na camada do pré-sal estão em debate na Câmara, mas a Consultoria Legislativa do Senado já fez um levantamento do que os técnicos chamam de inconstitucionalidades do marco regulatório proposto pelo Planalto.
Assinado pelo consultor Francisco Chaves, o documento do Senado analisa detalhadamente os projetos e diz que o governo se concedeu uma liberdade exagerada para gastar o dinheiro do Fundo Social e para criar privilégios inconstitucionais para a Petrobrás. Afirma, ainda, que o governo confunde o interesse comercial de uma sociedade de economia mista, como a Petrobrás, com o interesse público nacional.
Pelo artigo 173 da Constituição, as empresas públicas e as sociedades de economia mista não podem gozar de privilégios fiscais não extensivos ao setor privado. Chaves adverte que o termo fiscal é muito mais amplo do que o tributário’’, porque está associado à atuação do Estado na consecução de seus objetivos. E adverte: A lei não pode violar o princípio constitucional da igualdade.
Na proposta do governo, a Petrobrás tem tratamento diferenciado e privilegiado em relação às demais pessoas jurídicas de direito privado que disputam com ela o mercado. A estatal tem a garantia de sempre ser contratada pela União para explorar e produzir petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos em regime de partilha de produção no pré-sal.
A proposta do governo também obriga empresas privadas, e mesmo a Petrobrás, a formar vínculos associativos compulsórios. O documento do Senado pondera que uma coisa é dar à empresa a opção de concorrer para explorar jazidas minerais em consórcio com estatais, e outra é obrigá-la a se associar, sob pena de ser alijada por completo da atividade econômica. Além de serem obrigadas a formar consórcios, as empresas sempre terão como parceiros a Petrobrás e a Petro-Sal.
Para a Consultoria do Senado, o marco regulatório do pré-sal também revoga, por lei, o princípio da livre concorrência previsto no artigo 177 da Constituição. Com a participação compulsória da Petrobrás estabelecida em lei, Chaves avalia que o governo ressuscita o monopólio da estatal, quebrado pela Emenda Constitucional nº 9.
O documento que embasa os debates prévios entre os senadores mostra que o governo tratou a Petrobrás como sinônimo de interesse público nacional ao decidir que a capitalização da estatal será feita com a cessão de 5 bilhões de barris na camada do pré-sal pelo novo regime de partilha de produção – o que pode render à empresa, que não é uma estatal, até US$ 50 bilhões. Isso significa, na prática, que o governo abre mão de um patrimônio público, que é de todos, para uma sociedade de economia mista que tem ações em bolsa e não pode ser confundida com o Estado.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dito que toda a riqueza do pré-sal será aplicada na área social, sobretudo em educação. Mas o projeto do governo não traz essa garantia. Ao contrário, abre uma brecha para que outra destinação seja dada aos recursos do fundo.
Pelo projeto que regula o contrato de partilha (PL 5.938/09), a União, por intermédio de um fundo específico criado por lei, poderá participar dos investimentos nas atividades de exploração e produção na área do pré-sal e em áreas estratégicas. Não é o que diz outra proposta incluída no pacote, segundo o documento da consultoria do Senado.
O artigo 9º do projeto de lei 5.940, que trata do Fundo Social, prevê a criação de um outro fundo específico, com recursos do Fundo Social, e ainda diz que isso não se dará por lei. Pior: o artigo que trata da finalidade do tal fundo específico prevê a aplicação em ativos no Brasil e no exterior, mas deixa tudo em aberto e não especifica que ativos serão estes.
Ao definir as receitas que vão compor o Fundo Social, o projeto inclui os royalties da União, mas deixa dúvidas novamente. Não explicita se serão integrados apenas os royalties derivados dos contratos de partilha, ou se também aqueles decorrentes da exploração fora da área do pré-sal e em outro regime entrarão na composição do Fundo.
Dúvidas jurídicas – 1. Exploração de jazidas, em lavra ou não, por particulares. Como é: Pela Constituição (Art. 176), os únicos regimes para que particulares possam explorar jazidas de petróleo, em lavra ou não, são a autorização e a concessão. No Pré-Sal: O PL 5.938 de 2009 cria novo regime de exploração e produção de petróleo: o Contrato de Partilha de Produção. O novo modelo é criado por lei e os consultores do Senado advertem que a mudança só poderia ser feita por Emenda Constitucional (PEC).
2. Propriedade do produto da lavra das jazidas de petróleo e gás natural. Como é: A atividade da exploração é monopólio da União, mas sua execução, não. Diz a Constituição que, se a União optar por contratar, deve fazê-lo sob o regime de autorização ou de concessão. Na concessão, a propriedade do produto da lavra é do concessionário. No Pré-Sal: Na partilha da produção de descoberta comercialmente viável quem explora e produz apenas adquire direito à restituição do custo em óleo, bem como a parcela do excedente em óleo.
3. Execução das atividades de exploração e produção. Como é: A Petrobrás disputa mercado. Vale o Artigo 170 da Constituição, segundo o qual a ordem econômica é fundada na livre concorrência. A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a pesquisa e exploração das jazidas de petróleo e gás. No Pré-Sal: Todas as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção terão como operador a Petrobrás, com participação compulsória.
4. Contratação dos serviços. Como é: A Constituição, em seu Art. 176, garante ao concessionário a propriedade do produto e estabelece que a pesquisa e o aproveitamento dos potenciais somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional. No Pré-Sal: O projeto estabelece que, se for do interesse da estatal, ela (a Petrobrás) poderá contratar as atividades com terceiros.
5. Consórcios. Como é: Vale a regra constitucional da livre iniciativa. As empresas privadas formam os vínculos associativos que desejam e disputam as licitações. No Pré-Sal: A participação de parceiros privados no comitê operacional que vai gerenciar o consórcio será sempre minoritária. A Petro-Sal terá a metade dos membros do conselho e a Petrobrás terá participação mínima de 30% da metade restante.