Levantamento cita Santos, Paranaguá, Itapoá, complexo Itajaí-Navegantes, Suape e Pecém com potencial de se consolidarem como concentradores de carga. Publicação faz alerta sobre necessidade de investimentos em infraestrutura, políticas direcionadas e maior flexibilização
Um estudo concluiu que o desenvolvimento de ‘hub ports’ poderia até triplicar o transbordo de contêineres nos portos brasileiros e reduzir custos com transporte marítimo. A publicação ‘Contribuições para o planejamento da consolidação de hub ports no Brasil’, divulgada nesta quarta-feira (27), ressalta que é indispensável o planejamento público do setor portuário e de transportes contemplar esse tema. Outra constatação é que o ambiente dos portos organizados deve buscar mais flexibilidade e ferramentas adequadas para perseguir o alinhamento de incentivos e cooperação com armadores/operadores para viabilizar o sucesso na implantação dos portos concentradores.
O diagnóstico, apresentado pela consultoria A&M Infra, o escritório Navarro Prado Advogados e a APM Terminals, destaca o Porto de Santos (SP) como favorito por sua proximidade ao maior centro produtor e consumidor do país e pela diversidade de oferta de serviços de longo curso. O levantamento também aponta Paranaguá (SC), Itapoá (SC), o complexo Itajaí-Navegantes (SC), Suape (PE) e Pecém (CE) como candidatos a hub ports, devido a fatores como o posicionamento de players verticalmente integrados, à possibilidade de expansões relevantes de capacidade e à facilidade de adequação do acesso aquaviário.
O entendimento é que esses atributos podem ainda conduzir a arranjos que favoreçam outros portos no planejamento de importadores/exportadores, armadores e/ou serviços específicos. O diretor de Investimentos da APM Terminals para as Américas, Leonardo Levy, que participou do estudo, destacou que a consolidação de um ou mais hub ports no Brasil significaria um acréscimo potencial de até 4,6 milhões de TEUs de transbordo, em volumes de 2023. Ele comparou que o total de movimentos de transbordo realizados no país foi de aproximadamente 2,4 milhões de TEUs no ano passado. “Num cenário mais arrojado para a implementação da dinâmica de hub ports, o volume de transbordo no Brasil poderia triplicar. Isso significaria elevar a incidência de transbordo média dos portos brasileiros, dos atuais 18%, para algo entre 30% e 40%”, avaliou Levy.
Marcos Pinto, sócio-diretor da consultoria A&M Infra, vê o Porto de Santos como um candidato natural e favorito a se tornar um hub brasileiro. Pinto leva em conta que, além de ser o maior porto da América Latina e responder por cerca de 40% da movimentação nacional de contêineres, Santos é o único que recebe praticamente todas as linhas de longo curso que passam pela costa leste sul-americana (ECSA). Ele ponderou que a infraestrutura é um dos principais pontos que impactam negativamente esse potencial, com um acesso aquaviário que não permite a operação de novas classes de navios em sua plena capacidade.
Lucas Navarro Prado, sócio do escritório Navarro Prado, enxerga o Brasil com vocação para o desenvolvimento de hubs regionais e para a adoção de soluções ‘hub-and-spoke’, o que beneficiaria as cadeias de comércio exterior. Prado disse que o planejamento integrado de transportes e demais instrumentos oficiais de planejamento setorial deveriam contemplar a implantação de hub ports no país, buscando coordenar e gerar previsibilidade, conferindo mais segurança às decisões de investimentos, com impacto favorável em termos de atratividade e mobilização de recursos.
A publicação traz o alerta de que o Brasil tem a possibilidade de desenvolver hubs regionais que concentrem volumes de transbordo de outros portos brasileiros e da ECSA, mas precisa superar lacunas, principalmente sua infraestrutura portuária, o que em parte depende do endereçamento por parte do poder público. O documento sublinha que o desenvolvimento de um projeto de hub port em qualquer porto do mundo é visto como uma oportunidade relevante e é tratado como importância pelos executores de políticas públicas. De acordo com o trabalho, em grande medida, o Brasil já possui um arcabouço legal e regulatório preparado para permitir esse desenvolvimento.
A análise considera que, apesar de melhorias nas últimas décadas a partir das reformas portuárias implementadas, com ganhos de produtividade e capacidade associados a investimentos privados em terminais portuários, a falta de eficiência no planejamento setorial e no modelo de gestão dos portos públicos não foi devidamente endereçada e pode ser considerada hoje o principal gargalo setorial. O estudo cita ainda dificuldades crescentes para destravar e implantar projetos relevantes, em um ambiente em que o planejamento, a coordenação entre agentes e a previsibilidade das ações dos agentes públicos são essenciais para atrair investimentos e mobilizar recursos de forma otimizada e harmônica.
A leitura é que o tema planejamento e consolidação de hub ports no Brasil requer um cuidado específico por parte das autoridades portuárias e formuladores de planejamento e políticas públicas no setor portuário, por envolver uma necessidade de organização intra e interportos, bem como de investimentos relevantes para destravar lacunas existentes, com organização e previsibilidade. “Inversamente, o que se vê hoje é um cenário em que o assunto não é endereçado no planejamento de transportes e setorial. Tal imobilismo não parece ser uma opção de política pública”, aponta o estudo.
Redução de custos
A utilização de grandes navios em modelo ‘hub-and-spoke’ em um serviço típico que liga a ECSA à Ásia, por exemplo, poderia proporcionar redução de custos do transporte marítimo na ordem de 13%. O estudo simula que, se essa solução fosse adotada para os principais serviços dessa rota, a economia total poderia ser de cerca de R$ 600 milhões ao ano, em 2030. Esse valor não considera o efeito análogo para as demais rotas, para as quais a redução de custos ainda não foi quantificada. Os autores do estudo observaram que a operação de um hub eficiente, em coordenação próxima com os serviços de navegação, permitiria reduzir os tempos de layover (conexão de um contêiner entre o navio de longo curso e o de cabotagem), que hoje são de 5 a 7 dias nos portos brasileiros, mantendo tempos de trânsito competitivos para as cargas.
Outro efeito seria minimizar o número de escalas do serviço principal de longo curso, reduzindo o risco de atrasos e evitando que os impactos de eventuais contratempos se propaguem ao longo de todas as escalas seguintes, ampliando a resiliência da cadeia. A avaliação é que, ao conectar serviços de feeder ao hub de forma mais eficiente, amplia-se a conectividade de portos menores com as diferentes linhas dos armadores e portos de destino, fomentando também os mercados e regiões em que estão inseridos.
O estudo destaca que, historicamente, novas classes de navios começaram a escalar a costa brasileira somente depois de 8 a 15 anos do início de sua operação em portos na Europa. Atualmente, essa defasagem é crescente para os navios com 366 metros — que operam em Roterdã, na Holanda, desde 2006. O principal motivo é a falta de infraestrutura que permita o recebimento dos navios dessa classe (New Panamax). De acordo com as análises, as escalas destes navios no país poderiam estar ocorrendo desde 2018, se houvesse a infraestrutura adequada.
As questões estruturais impedem que os meganavios operem com altos níveis de ocupação e tempo reduzido para carga e descarga, limitando-se as escalas a determinados portos (hubs), que passam a concentrar volumes de transbordo destinados a portos menores, por sua vez, atendidos por navios de menor porte. A adoção do sistema de hub ports impactaria positivamente para o aumento na arrecadação das autoridades portuárias, além da redução nas emissões de CO2, desenvolvimento das indústrias naval e de combustíveis no Brasil e otimização dos investimentos em dragagem. O estudo identifica a possibilidade de atração de cargas da região do Rio da Prata (Argentina, Paraguai e Uruguai), que hoje não passam pelo Brasil, e operações adicionais de transbordo para outros portos brasileiros.
O incremento na arrecadação se dará por meio das tarifas pelo uso de infraestrutura e de eventuais valores de arrendamento variável previstos nos contratos. Considerando os volumes adicionais de carga de transbordo estimados e os parâmetros de receita atuais (estrutura tarifária e arrendamentos variáveis) do Porto de Santos, estima-se que o acréscimo de receita proporcionado poderia ser na ordem de R$ 60 milhões/ ano, num cenário conservador, e até R$ 160 milhões/ ano, num cenário mais arrojado — para volumes de 2023.
O emprego de navios de maior capacidade e conteúdo tecnológico mais moderno nas viagens de longo curso pode permitir reduções importantes no consumo de bunker e, consequentemente, nas emissões de gases do efeito estufa (GEE) para cada contêiner transportado. Além disso, pode gerar uma demanda por combustíveis de baixo carbono na costa brasileira, uma vez que os navios mais modernos são maiores, alguns já navegam com combustíveis com baixa de carbono e a infraestrutura adequada lhes permitiria utilizar toda a sua capacidade.
As escalas frequentes de navios New Panamax (366m) e o aumento do número de navios/viagens de cabotagem poderia gerar uma maior demanda de docagem/manutenção, suficiente para justificar mais investimentos na indústria de construção naval especializada. Outro possível impacto, segundo o estudo, é a escala que viabilize a estruturação de uma indústria de bunkering (abastecimento) de navios, abrindo espaço para que o Brasil se posicione como um produtor/exportador de combustíveis verdes para navegação, por exemplo.
Um dos apontamentos do documento lançado hoje é que, com planejamento adequado, a organização do mercado de navegação sob um modelo ‘hub-and-spoke‘ possibilitaria racionalizar investimentos em dragagem em um ou em alguns poucos portos, de forma planejada, evitando investimentos redundantes e/ou mal alocados, sem a contrapartida esperada em atracações/demanda.
Fonte: Revista Portos e Navios