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Clippings - 02/10/25

Uma em cada 5 empresas industriais usaria cabotagem em ‘condições adequadas’, aponta CNI

Principal associação setorial, Abac considera que pesquisa revela ‘desconhecimento’ sobre o modal. Confederação recomenda participação de segmentos da indústria nas consultas públicas sobre temas do BR do Mar pendentes de regulamentação

Uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), com consulta a 195 empresas de 29 setores da indústria distribuídos por todas as macrorregiões do país, revelou que apenas 29% das empresas do setor industrial brasileiro transportam seus produtos em navios em rotas de cabotagem e que 20% das que não usam esse modal não o fazem por considerar que as condições oferecidas não são adequadas. Entre os motivos de não usarem o modal, o principal apontado foi a ‘incompatibilidade geográfica’ (45%). Foram mencionadas ainda a indisponibilidade de rotas (39%), o maior tempo de trânsito (15%) e a distância da origem até o porto (15%).

O levantamento constatou ainda que nove de cada 10 empresários que têm conhecimento do programa de estímulo ao transporte por cabotagem do governo federal, conhecido como BR do Mar (Lei 14.301/2022), acreditam que ele, incluído no novo marco regulatório para o setor e regulamentado desde julho, vai trazer benefícios para esse tipo de transporte. Segundo a CNI, a cabotagem responde hoje por apenas 11% do transporte de cargas no Brasil, sendo usada principalmente na movimentação de petróleo e derivados, que concentram 75% do total transportado pela modalidade.

Mas, de acordo com a consulta, 85% das empresas que transportam por cabotagem e 70% das que não usam o modal esperam que a implementação do BR do Mar reduza custos. As empresas com maior interesse pelo modal estão, respectivamente, nos estados do Rio Grande do Sul (17%), da Bahia (13%), do Rio Grande do Norte (13%), de Santa Catarina (13%), de Pernambuco (8%), do Rio de Janeiro (8%), de São Paulo (8%), de Sergipe (8%), do Maranhão (4%), do Pará (4%) e do Paraná (4%). A redução de custos (79%) foi o principal fator para uso da cabotagem pelas empresas que responderam usar esse meio, seguido pela segurança no transporte (21%).

A analista de infraestrutura da CNI, Paula Bogossian, explicou que aumento do transporte de cargas entre portos brasileiros poderia resultar em queda nos custos logísticos do país. Segundo Paula, os custos de transporte são altos por causa do uso do modal rodoviário em longas distâncias. “A situação poderia ser diferente se aumentássemos o uso da cabotagem. Estimamos potencial de redução dos custos logísticos em cerca de 13%, se houvesse mais equilíbrio na matriz de transportes”, disse.

A pesquisa revelou ainda que as empresas que usam a cabotagem apresentam maior média de distância, de 1.213 quilômetros, no transporte de suas cargas entre o local de produção e o destino. Já as que não usam o modal transportam suas produções em média por 862 quilômetros. Os números apontaram também que empresas de maior porte têm mais tendência a usar a cabotagem. Nesse segmento, 44% responderam usar a cabotagem em suas operações, e 8% afirmaram utilizar muito esse modal.

Das empresas de pequeno porte, apenas 7% utilizam o modal e todas relataram pouco uso. Nas médias empresas, o serviço é usado por 22%, segundo os que responderam à pesquisa, mas a maioria informou usar apenas em 12% de suas movimentações. O diretor de relações institucionais da CNI, Roberto Muniz, comentou que a pesquisa ressaltou o potencial que a cabotagem pode assumir. “Para a indústria, que transporta grandes cargas e volumes, a modalidade é um grande diferencial para a competitividade do setor. Por isso, o BR do Mar é tão relevante”, afirmou.

BR do Mar
Sancionado em 2022, o BR do Mar reúne medidas voltadas para o aumento do transporte de cabotagem no Brasil. O programa prevê investimentos e aumento de ofertas de navios para esse transporte, incluindo a possibilidade de afretamento de embarcações estrangeiras. A redução de custos seria o principal benefício. Ela é esperada por 85% das empresas que atuam na cabotagem e por 70% das que não usam o modal. Mas foi ressaltada a necessidade de mais investimentos em infraestrutura portuária, citada por 69% das empresas que atuam na cabotagem e por 70% das que não recorrem a ela.

Ainda que o decreto regulamentador (12.555/2025) da legislação tenha apresentado os principais requisitos para habilitação das empresas ao BR do Mar, dispositivos importantes relacionados à plena execução do novo marco legal da cabotagem ainda deverão ser regulamentados neste ano. Merecem atenção especial, segundo a CNI, a portaria sobre cláusulas essenciais de um contrato de longo prazo para afretamento de navios e a que vai definir o conceito de ’embarcação sustentável’.

Em relação a esse tipo de navio, Roberto Muniz ressaltou que a CNI busca a integração da indústria com a agenda ambiental e social, para atingir uma economia de baixo carbono. Segundo ele, o setor industrial entende a importância de usar embarcações sustentáveis, mas os parâmetros não podem comprometer a necessária ampliação do uso do modal e o desenvolvimento da indústria naval brasileira ou ser mais restritivos que em outros países.

“A cabotagem já é seis vezes menos poluente que o transporte rodoviário, se considerados a distância e o volume transportado”, disse Muniz. Por isso, a CNI avalia ser essencial a participação do setor produtivo na consulta pública, a fim de garantir que o programa esteja alinhado não apenas às necessidades do setor transportador, mas também às da indústria naval brasileira e dos usuários do transporte por cabotagem.

Abac contesta dados da pesquisa
O diretor-executivo da Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem (Abac), Luís Resano, disse à Portos e Navios que, em primeiro lugar, os números divulgados pela CNI, revelam que há, da parte de algumas empresas do setor industrial, ‘desconhecimento’ sobre os serviços e dos custos do transporte costeiro. Ele ressaltou que isso fica evidente quando os que optam pela cabotagem informam que o fazem porque o frete é mais barato que o que pagariam para transporte a carga em caminhão, enquanto os que não usam alegam que o custo seria maior. “Isso mostra que esses que não usam não conhecem as características dos serviços. Se perguntar a eles qual a diferença de custo entre o frete rodoviário e o de cabotagem, muitos não saberão responder”, apontou Resano.

Ele acrescentou que tal desconhecimento é identificado na conclusão de que é maior o percentual das empresas de grande porte que optam pela cabotagem e menor entre as pequenas. Para Resano, isso pode ser indicação que as companhias pequenas, por terem estrutura mais enxuta, não recebem as melhores informações. O diretor da Abac afirmou que é preciso que as companhias que operam na cabotagem busquem esclarecer as empresas que produzem sobre as vantagens de transportar seus produtos em navios pelas costas brasileiras. Ele salientou que, além dos preços mais atrativos do que os do transporte rodoviário nos volumes maiores de carga e para grandes distâncias, há previsibilidade e segurança na cabotagem, que não está sujeita, como no caso do transporte pelas estradas, de problemas causadas por condições climáticas, entre outros.

Resano acredita que esse trabalho de esclarecimento pode, e deve, ser feito em conjunto com entidades como a CNI e outras do setor produtivo, que têm acesso mais fácil às empresas de seus setores. Ele defende que mostrar que é mais vantajoso transportar pela cabotagem é interesse tanto dos armadores, que vão receber mais demandas, quanto para quem produz, que vai pagar menos pelo frete para levar as mercadorias até o destino.

O diretor-executivo da Abac reconheceu que, nos casos revelados pela pesquisa da CNI de ‘incompatibilidade geográfica’ ou ‘distância da área de produção ao porto’, as cargas não são preferencialmente destinadas para a cabotagem. No entanto, ele contestou que haja falta de rotas, lembrando que o modal atende de Rio Grande (RS), no extremo sul do Brasil, a Manaus (AM), do outro lado país, e que tem escalas ao longo de toda a costa.

Gargalos portuários
Resano chamou a atenção que hoje um dos grandes problemas enfrentados pelos armadores da navegação costeira é a falta de capacidade operacional do sistema portuário, que, muitas vezes, obriga o navio a esperar um dia para atracar porque os berços dos principais terminais estão ocupados. “O navio de cabotagem não tolera atraso. Algumas rotas são feitas em um dia ou menos. Se ficar parado no porto, a embarcação atrasa seu cronograma e não dá para recuperar, como é possível no longo curso, com viagens de grande duração”, afirmou.

Ele ressaltou que, enquanto espera sua vez, a embarcação emite gases do efeito estufa (GEE) com reflexos para o meio ambiente. O diretor da Abac considera urgente para o país o aumento da capacidade portuária — expressão que prefere à infraestrutura, pois essa pode ser entendida como investimentos em obras, como dragagem. “Temos muitos gargalos. Precisamos de mais terminais, de ampliar a concessão de terminais privados, para aumentar a capacidade de receber os navios e evitar os atrasos”, comentou Resano.

Ele contesta comentários feitos por alguns dos ouvidos pela CNI sobre o BR do Mar. Segundo o diretor da associação, a maioria que cita que essa iniciativa vai levar a reduzir custos não sabe nada sobre esse programa. Ele também criticou a demora para adoção do que está previsto na legislação que tem como meta ‘incentivar o uso da cabotagem’, citando que o projeto original é de 2022 e até agora não foi totalmente regulamentado.

Uma das principais reclamações é quanto à inclusão recente da obrigatoriedade de que os armadores terão que usar embarcações sustentáveis sem definir as especificações. Resano explicou que esse conceito não constava na lei original e que sua inclusão causa preocupação aos operadores da cabotagem porque temem investir, inclusive em afretamentos de navios estrangeiros e serem obrigados a romper contratos e pagar multas se essas embarcações, posteriormente, não forem considerados sustentáveis. “A consulta pública foi adiada e agora está prevista para acontecer durante a COP30, em novembro. Com isso, a regulamentação não sairá antes de fevereiro de 2026. Até lá, o setor vive uma indefinição”, lamentou.

Fonte: Revista Portos e Navios